Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Jovens aprendem sobre a crise econômica mundial

Economista Luiz Filgueiras falou sobre causas e conseqüências da crise
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 17/03/2009 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 Com uma palestra sobre ’A crise mundial e seus impactos econômicos e sociais no Brasil’, o professor Luiz Filgueiras proferiu a aula inaugural para os alunos dos Cursos Técnicos de Nível Médio em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), na sexta-feira, dia 13 de março. Com uma linguagem muito simples, voltada para os jovens, o professor explicou que a crise se deve a cadeia baseada nos “papeizinhos” (ativos financeiros) que tiveram um grande crescimento nos últimos anos e geraram a bolha do capital fictício.



Luiz Filgueiras é pós-doutor em Economia pela Universidade Paris 13, na França, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É professor e pesquisador da UFBA, membro do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade e especialista em economia brasileira e economia do trabalho.



O professor iniciou sua palestra falando sobre as conseqüências concretas da crise no cotidiano da população. “A crise tal como se manifesta no dia-a-dia das pessoas é fácil de entender e perceber. Quem mais sofre é a classe trabalhadora que vê sua renda diminuir devido ao desemprego ou reajustes salariais abaixo da inflação. Isso provoca uma queda imediata no consumo e cria uma bola de neve. Com menos consumo, as empresas produzem menos e demitem. Por sua vez, os desempregados consomem menos e a atividade econômica vai sendo puxada para baixo. Quando o consumo cai, o nível de vida também cai”, disse Luiz Filgueiras, acrescentando que as demissões não afetam apenas as famílias, mas atinge toda a cadeia produtiva.



O economista destacou ainda as conseqüências da crise para a saúde e a vida social das pessoas. “Em períodos de crise, observa-se um aumento de casos de alcoolismo, doenças psiquiátricas e também de violência. As relações sociais ficam mais tensas e a saúde se deteriora”, lembrou.



Causas e conseqüências



Para que todos pudessem entender melhor o cenário, o professor explicou como a crise começou e se espalhou entre os países. “Os efeitos da crise são concretos, se percebe no dia-a-dia, mas as causas são abstratas. Não se fazem experimentos econômicos para descobrir as causas de uma crise como acontece com as experiências científicas. Essa é a diferença entre a política e as ciências naturais. Na política, temos que ter a capacidade de observar a realidade para explicá-la”, disse.



Lembrando que tudo começou no mercado imobiliário norte-americano, Luiz Filgueiras explicou que, por volta do ano 2000, as famílias americanas iniciaram um processo de endividamento devido à facilidade oferecida pelos bancos hipotecários para que tomassem empréstimos dando suas casas como garantia de pagamento. Com o aquecimento do mercado imobiliário americano e a valorização dos imóveis, as famílias começaram a contrair empréstimos cada vez maiores. Com esse dinheiro, pagavam a hipoteca anterior e usavam o restante para comprar bens duráveis. Isso se tornou um processo cumulativo e que começou a incluir as famílias mais pobres, que também passaram a ter facilidades para tomar empréstimos. A partir de 2008, com o desaquecimento do mercado imobiliário, o valor dos imóveis caiu e as famílias não tiveram mais condições de pagar as hipotecas. O Federal Reserve (o equivalente ao Banco Central dos Estados Unidos) passou a subir os juros para evitar a inadimplência, mas, com os empréstimos mais caros, as famílias também não tinham recursos para quitar as dívidas. “Houve então um calote generalizado e os bancos começaram a tomar as casas das pessoas”, destacou.



Mas, em tempos de economia globalizada, a crise que poderia ter atingido apenas os Estados Unidos não ficou restrita ao mercado imobiliário norte-americano. O economista explicou que as hipotecas sustentam toda uma cadeia financeira, a partir dos bancos hipotecários. Essas instituições venderam as hipotecas das famílias americanas para os bancos de investimento que, por sua vez, usaram as hipotecas para emitir os chamados derivativos que incluem as hipotecas, ações e outros títulos (os tais “papeizinhos”). Esses derivativos foram vendidos para os fundos de pensão, investidores e bancos múltiplos, inclusive as próprias famílias que fizeram as hipotecas e que também compram os papéis para investir. “Isso é a corrente da felicidade quando funciona, mas quando a crise estoura, toda essa cadeia que dependia da hipoteca lá do início é afetada. A economia mundial cresceu nesses últimos anos a partir desse esquema dos Estados Unidos e também do consumo da China. Até na África, os papeizinhos sustentavam a corrente da felicidade. A crise começou no capital financeiro, mas também atingiu a produção porque as empresas investem nos ‘papeizinhos’”, ressaltou.



Capital fictício



Luiz Filgueiras lembrou ainda que os ‘papeizinhos’ representam o que Karl Marx denominava de capital fictício, aquele que não tem lastro com a riqueza real. De acordo com dados exibidos pelo economista, desde a década de 80, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) Mundial (que representa a riqueza material, concreta) vem se distanciando da evolução dos ativos financeiros (que representam os papéis, o capital fictício). Em 1980, por exemplo, os ativos financeiros mundiais eram de US$ 12 trilhões, enquanto o PIB era de US$ 10,1 trilhões. Ou seja, a riqueza real era 1,2 vez maior que a riqueza fictícia. Já em 2008, os ativos somavam US$ 167 trilhões e o PIB era de US$ 48,3 trilhões. Nesse caso, a riqueza fictícia era 3,5 vezes maior que a riqueza real. “Quando a riqueza real fica muito distante da riqueza fictícia, a crise acaba aparecendo porque o capital fictício fica sem correspondência com os bens e serviços materiais. A crise se caracteriza pelo distanciamento gigantesco entre esses dois fatores. Quando a crise acontece, todo mundo pensa em vender seu ‘papelzinho’ rápido para não perder dinheiro, mas quando todos querem vender ao mesmo tempo, não há dinheiro para pagar todo mundo e o valor do papel começa a se desvalorizar. Com isso, a riqueza fictícia volta a se aproximar da riqueza real e a crise começa a se resolver”, explicou.



O professor explicou que as teorias de Marx e John Keynes, que abordam o capital fictício, são referências para se entender a crise. ”A teoria neoclássica não consegue explicar a crise porque a associa a fenômenos naturais e não ao sistema econômico. Já para Marx e Keynes, o capitalismo tem uma tendência à crise por causa da natureza de sua dinâmica. O capital só pode se valorizar e crescer se movimentando, com a compra e venda dos papéis e todos sempre acham que vão sair antes da crise estourar”, disse.



Segundo o economista, a forma como essa crise pode se desenrolar ainda não é previsível, mas a tendência é que ela seja mais grave do que a Crise de 1929 porque hoje o mundo está globalizado. “Naquela época, a crise chegou ao Brasil de navio. Hoje, chega imediatamente pela internet. O mercado financeiro funciona 24 horas por dia porque em qualquer horário sempre tem um mercado aberto em algum país”, explicou.

Luiz Filgueiras não acredita, no entanto, que os efeitos dessa crise promoverão o fim do sistema capitalista. “O capitalismo é produto das ações políticas das classes sociais e só termina com a ação dessas mesmas classes, ele não se auto-elimina”, opinou.



Efeitos no Brasil



No Brasil, segundo Luiz Filgueiras, as conseqüências da crise estão ligadas diretamente à queda no consumo norte-americano e chinês, que reduziram as exportações brasileiras que vinham contribuindo para o crescimento da economia. “De 2003 para cá, o crescimento da economia brasileira foi puxado pelas exportações para os Estados Unidos e a China. A crise afetou duramente os países que estavam no mesmo barco do consumo norte-americano. A economia brasileira tem uma dependência estrutural e uma relação frágil com as outras economias. Vendemos produtos com perfil tecnológico baixo e 50% de nossas exportações são de commodities, cujos preços variam de acordo com o ciclo econômico mundial. Dos 20 principais produtos exportados pelo Brasil, 18 são commodities e apenas dois têm maior potencial tecnológico, que são os carros e aviões que vendemos”, disse.



Novos livros



Após a aula inaugural dos cursos técnicos, aconteceu o lançamento de quatro novos livros publicados pela EPSJV. O evento teve tarde de autógrafos e apresentação do grupo de chorinho da Rede Casa Viva. Foram lançados a nova edição do ‘Dicionário da Educação Profissional em Saúde’, que foi revista e ampliada com mais 23 verbetes; o quarto volume da série ’Iniciação Científica na Educação Profissional em Saúde: articulando trabalho, ciência e cultura’, que reúne artigos derivados das monografias de conclusão de curso produzidas por alunos do Ensino Médio integrado à educação profissional em saúde e do Programa de Vocação Científica (Provoc) da EPSJV; o terceiro volume da série ’Estudos de Politecnia e Saúde’, que traz artigos de pesquisadores da EPSJV, e o livro ’Arte e saúde: desafios do olhar’, com artigos derivados de atividades como palestras, debates, exibição de filmes e apresentação de peças de teatro do Projeto Arte e Saúde, promovido pela Escola desde 2003. Todos os livros estão disponíveis no site da Escola Politécnica. Para encerrar o dia, aconteceu a festa de recepção dos calouros da EPSJV, promovida pelo Grêmio Estudantil.