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Mauro Iasi abre ciclo de palestras da Escola Politécnica

‘Educação e a Formação da Consciência Crítica” foi o tema do evento, que faz parte das comemorações dos 25 anos da EPSJV.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 26/04/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 Um contraponto ao modelo atual de sociedade. Esse foi um dos objetivos apontados por Mauro Iasi para a consciência crítica. Para o professor da Escola de Serviço Social da UFRJ, que é historiador e doutor em sociologia, a consciência crítica pressupõe a compreensão do todo, ao contrário do modelo atual de fragmentação da sociedade, do trabalho e do conhecimento. “Há uma divisão social, que produz uma fragmentação no ser social. A base do senso comum, que impede a consciência crítica, está nessa fragmentação para o mercado e na transformação do ser social em cápsulas individuais”, disse Iasi, que abriu o ciclo de palestras “Colóquios de ciência e política: 25 anos de educação politécnica na saúde”, organizado pela EPSJV em comemoração aos 25 anos da Escola.



Buscando aproximar o conteúdo da sua fala de um público formado em grande parte por jovens alunos, Mauro exemplificou o culto ao individualismo com a organização dos prédios residenciais, em que cada um tem seu espaço individual e onde as chamadas ‘áreas comuns’ são sempre as mais abandonadas do condomínio, tendo em vista que as pessoas perderam o hábito do convívio social. “E quando você quer usar uma dessas áreas comuns, tem que agendar, para não correr o menor risco de encontrar outra pessoa do prédio lá. Isso sem contar o constrangimento que é quando encontramos um vizinho no elevador. Viramos meteorologistas na hora e começamos a conversar sobre o tempo”, brincou.



O palestrante explicou que o isolamento do ser social como indivíduo marca a forma como compreendemos o mundo. “A expressão dessa divisão do trabalho ganha uma forma mais acabada com o positivismo que estabelece leis específicas para objetos específicos. O positivismo pode fragmentar a realidade, mas é impossível uma consciência crítica que não caminhe no princípio da totalidade”, explicou. Esse modo fragmentado de enxergar o mundo gera, segundo Iasi, uma aproximação parcial que impede a sua compreensão histórica. “Essa forma de compreender o mundo parcelado interessa à manutenção das relações sociais em que estamos inseridos. E a educação não tem o poder de reverter isso. Se tivesse, bastaria um processo de educação para desenvolver a consciência crítica”, explicou.



Além disso, a própria educação é alvo desse modelo fragmentário, por exemplo, com o aumento do grau de especializações. “Mas até que ponto o conhecimento específico de cada área consegue estabelecer relação com os outros conhecimentos?”, questionou Mauro, citando como exemplo as fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro recentemente. “Os meios de comunicação chamaram vários especialistas para explicar por que choveu muito, por que as encostas deslizaram, por que as marés subiram. Cada um deu um juízo do que aconteceu, mas no final, juntando o que todo mundo disse, a conclusão era que tudo aconteceu porque choveu muito —. coisa que qualquer um que tivesse visto o noticiário poderia concluir sozinho”, ironizou. E completou dizendo que uma visão totalizante ajudaria a responder, por exemplo, a uma pergunta que não fica esclarecida pela soma das respostas dos especialistas. “O que ninguém explica é por que chove sobre todo mundo, mas só pobre morre”, questionou.



O professor ressaltou que a consciência crítica não é um estágio que permite ver o mundo de maneira diferente, sem o envolvimento com a transformação desse mundo. Por isso mesmo, o caminho da consciência crítica é, segundo ele, permeado por contradições entre o ambiente em que o indivíduo está inserido e o seu pensamento. “Toda pessoa que adquire consciência crítica passa por um momento de solidão. É um processo incômodo, em que a pessoa chega a se perguntar se o problema não é com ela em vez de ser com as outras pessoas. Mas, uma vez que você transitou na consciência crítica, não tem a alienação de volta”, destacou, apontando uma exceção a essa ‘regra’: “A consciência que já foi crítica e volta para a alienação desenvolve o que chamamos de cinismo. É uma consciência cínica. A pessoa sabe o que acontece a sua volta, mas fica em um ponto de acomodação”.



Visão do todo



Para mostrar como a visão fragmentária do mundo impede a formação de um juízo crítico, Mauro citou como exemplo a análise de gráficos e tabelas que subsidiam as estatísticas. Ao analisar um gráfico de gastos sociais do governo federal, verifica-se que houve um aumento de 1,7% nesses gastos. “Se tivermos apenas uma visão linear sobre isso, podemos concluir que se houve aumento dos gastos sociais e diminuição da pobreza, a continuar nesse ritmo, as desigualdades sociais vão acabar e daqui alguns anos, pobre vai ser apenas um verbete de dicionário. Mas se olharmos os dados com uma visão crítica, veremos que o aumento foi desigual entre as áreas e que, em algumas, houve queda. Vamos ver que, na verdade, o aumento geral foi na média. Se levarmos em consideração ainda o aumento da população e a inflação do período, chegamos à conclusão de que não houve aumento e sim queda nos gastos. Isso mostra que só podemos entender os fatos, sem cair no varejo, se formos para o todo. Precisamos da compreensão da totalidade”, explicou.



Outro exemplo dado pelo professor é de dados sobre concentração de renda. Segundo eles, os 20% mais pobres da população brasileira detinham 4% do PIB (Produto Interno Bruto) nos anos 60, 2% nos anos 90 e 3,7% em 2007. Já os 10% mais ricos, tinham 37% do PIB nos anos 60, 53% nos anos 90 e 74% em 2007. “Se olharmos apenas os dados de diminuição da pobreza, podemos dizer que a situação dos pobres melhorou e, quem sabe, acreditar que poderemos nos tornar um imenso país de classe média. Mas se olharmos para o conjunto, veremos que a concentração de riqueza aumentou ainda mais”.



Mauro destacou, no entanto, que, mesmo pela perspectiva da totalidade,  a teoria é sempre uma aproximação da realidade, que existe objetivamente, fora do sujeito. “Eduardo Galeano usou a expressão ’ver o universo pelo buraco da fechadura’. Goethe dizia que ’a teoria é cinza e a árvore é verde’. Marx dizia que devemos entender o todo e suas relações complexas porque o todo é muito mais que a soma dos fatos. Para ele, quando olhamos a realidade, ela nos parece caótica e sem conexões, mas com um esforço de análise conseguimos compreender o conjunto de relações e nos aproximamos da realidade”, disse.



Colóquios



O ciclo “Colóquios de ciência e política: 25 anos de educação politécnica na saúde” contará com palestras mensais, que irão abordar temas como criminalização dos movimentos sociais; relação entre democracia, capitalismo e possibilidades de transformação social; papel das instituições públicas na constituição da relação Estado e sociedade; balanço dos movimentos sociais do campo e da cidade; relação entre ciência e expropriação ambiental no sistema capitalista; e a história de Manguinhos como território de vida e luta, dentre outros.



No dia 13 de maio, o ciclo de palestras terá como convidado o deputado estadual Marcelo Freixo, que falará sobre Política de Segurança Pública e Criminalização dos Movimentos Sociais. Os colóquios acontecerão sempre no Auditório da EPSJV, com transmissão ao vivo pelo site da Escola.





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