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Os desafios dos conselhos de saúde

Fragilidade, falta de autonomia e desconhecimento da população sobre os conselhos são alguns dos problemas a serem superados.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 05/10/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 Fragilidade,falta de autonomia e desconhecimento da população sobre os conselhos de saúde são alguns dos problemas a serem superados pela maior parte dos conselhos de saúde brasileiros. A afirmação é do ex-presidente e atual membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior, durante palestra na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). Para Francisco, um problema leva ao outro: a falta de informação leva à falta de participação, que acaba causando a fragilidade e a autonomia dos conselhos, que acabam sendo presididos por gestores. “O desconhecimento sobre os conselhos de saúde passa pelo desconhecimento do próprio Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê os conselhos, cuja  tarefa é sair de suas paredes confortáveis e ir para os bairros, os movimentos sociais e também para a academia para fazer a defesa do SUS. Há muita desinformação a respeito do SUS”, disse Francisco,que considera o SUS a maior conquista da população brasileira nos últimos anos.



“O projeto do SUS previa um sistema universal, em um país culturalmente e socialmente excludente; integral, em um país que tem uma história de saúde como mercado; equânime, em uma lógica pautada na desigualdade social; e democrático, em uma sociedade autoritária. O SUS atende a todos indistintamente, inclusive não brasileiros. São poucos países que tem esse direito. Quando você viaja para o exterior, tem que fazer um seguro-saúde, porque se precisar de atendimento médico, não tem atendimento gratuito”, destacou Francisco, acrescentando que o SUS tem a obrigação de atender integralmente desde o procedimento mais simples até o mais especializado. “Enquanto alguns problemas no SUS são crônicos, como a demora para a marcação de consultas e exames, por exemplo, em outras áreas, o Brasil é exemplo, como é o caso da vacinação oferecida”, disse.



A falta de dinheiro e a má qualidade da gestão do SUS também são apontados como problemas crônicos do sistema. “Quem está na gestão, diz que o problema do SUS é falta de dinheiro. Quem está fora, diz que é falta de gestão. Os dois têm razão: o SUS é subfinanciado, mas a gestão é quase totalmente irresponsável e amadora. Os gestores são indicados politicamente. Quando não há interferência política e existe profissionalização na administração, temos bons exemplos de boa gestão”, observou Francisco. “O projeto do SUS era criar um sistema para evitar que as pessoas ficassem doentes, mas está tudo errado. Mesmo assim funciona porque o SUS é poderoso”.



A desinformação sobre os conselhos de saúde é maior do que a falta de informação sobre o SUS. Segundo Francisco, apenas 10% da população brasileira conhecem os conselhos de saúde e qual a sua finalidade. “O principal problema é o controle social. As possibilidades de problemas seriam menores se os conselhos funcionassem bem, fiscalizando os recursos do SUS. Em tese, teríamos um SUS bem melhor. Essa possibilidade única de participação é lei, está na Constituição Federal e estamos jogando isso fora”, destacou Francisco.



O ex-presidente do CNS lembra que a situação real da saúde de um município é atribuição do conselho de saúde da cidade. “Para que cumpra bem seu papel, a atuação do conselho de saúde deve ser permanente. A revisão do orçamento da saúde tem que ser feita todos os meses. O papel da sociedade civil na defesa do SUS é conhecer e zelar pelo respeito aos princípios e diretrizes do Sistema”.



Fazendo um breve relato sobre a trajetória dos conselhos de saúde no Brasil, Francisco lembrou que a década de 1990 foi muito importante por ser uma época em que o SUS estava sendo implantado e a participação social estava começando, com a municipalização dos conselhos de saúde. Os anos de 2000 a 2010 são considerados por Francisco o melhor período dos conselhos de saúde e do controle social no país. “Nessa época, os conselhos ganharam mais autonomia, passaram a não ter mais vaga cativa, os representantes passaram a ser votados e o presidente eleito. O presidente não era mais o ministro da Saúde (no caso do conselho nacional) ou os gestores (nos conselhos estaduais e municipais)”, contou Francisco. Já a partir de 2011, houve um retrocesso nos conselhos de saúde. “No governo Dilma, o CNS foi paralisado e violentado. O ministro da Saúde voltou a ser o presidente do conselho, eleito pelas entidades. Os conselhos estão fragilizados, sem autonomia, nem independência política”.



Para Francisco, as possibilidades de mudança do cenário atual passam pela formação de novos quadros, a melhor interlocução com os poderes constituídos e órgãos de controle, a maior intervenção da população nos espaços de participação social e uma campanha de mídia para conscientizar a população sobre o papel dos conselhos de saúde e a importância da participação da sociedade civil nesses espaços. “Os conselhos tem uma grande dificuldade de comunicação. E sem comunicação não tem como ter aliados. Temos o desafio de nos comunicar melhor para ter o apoio da sociedade”, concluiu Francisco.



Curso



A palestra foi realizada no dia 27 de setembro, durante a aula magna do Curso de Qualificação em Participação e Gestão em Saúde, que teve início no dia 10 de setembro. O curso é realizado pela EPSJV e foi construído coletivamente, com a participação dos alunos que são conselheiros de saúde em Manguinhos, região do entorno do campus da Fiocruz no Rio de Janeiro.



O curso, que está previsto para terminar em 18 de dezembro, é parte de um projeto de pesquisa contemplado por um edital de fomento do Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde Pública (PDTSP-TEIAS Manguinhos) e está sendo oferecido como um projeto piloto.



A turma de 30 alunos é formada por lideranças comunitárias de algumas regiões da cidade do Rio de Janeiro, membros do conselho gestor de unidades de saúde que atuam em Manguinhos e integrantes do Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos (CGI), que é parte do projeto Território Integrado de Atenção à Saúde (TEIAS–Manguinhos). O CGI é um colegiado de 24 pessoas que devem discutir e deliberar sobre a política de saúde de Manguinhos. O objetivo principal do curso que a EPSJV está elaborando é qualificar esses conselheiros para que eles participem desse processo de forma mais efetiva.



A metodologia do curso é baseada nos princípios da educação popular e a ideia é discutir os temas a partir da realidade dos alunos. Essa primeira turma é um projeto piloto para a construção de uma proposta curricular para o curso. O objetivo é que o curso passe a integrar o catálogo da EPSJV, sendo oferecido regularmente não apenas para conselheiros, mas para representantes e integrantes de diversos segmentos da sociedade civil organizada.