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Políticas públicas para o trabalho no cerne do debate

Mesa que abriu segundo dia do evento que comemorou os 34 anos da EPSJV apresentou os retrocessos e as perspectivas com a extinção de conselhos relacionados ao trabalho e a importância da participação popular para as conquistas trabalhistas
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 23/08/2019 12h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

“O processo de nascimento e desenvolvimento de políticas públicas para o combate ao trabalho infantil e ao trabalho análogo ao de escravo, frisa-se, não nasceu da noite para o dia, fazendo parte de um processo de conscientização, sensibilização e qualificação de todos os atores da rede de proteção, bem como priorização pelo gestor público em sua proposta de governo”. O resumo feito pelo procurador do Ministério Público do Trabalho, Alpiniano do Prado Lopes, norteou as discussões relacionadas ao trabalho, durante o seminário ‘Participação popular na construção de políticas públicas’, realizado em comemoração aos 34 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) nos dias 19 e 20 de agosto. Mediada pela professora-pesquisadora da EPSJV, Filippina Chinelli, a mesa de debate, que aconteceu dia 20, contou também com o pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Cesteh/ENSP/Fiocruz), Augusto Pina, que falou sobre as perspectivas diante da liberação das terceirizações, da reforma trabalhista e das transformações do mundo do trabalho.

Durante a fala, Alpiniano contextualizou que em abril desse ano o presidente Jair Bolsonaro editou o decreto 9.759, que extinguiu todos os colegiados ligados à administração pública federal anteriores a 2019 que não foram criados por lei, com a promessa de recriar aqueles que, após avaliação do governo, fossem considerados essenciais. Entre os órgãos extintos, estão a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti). Segundo ele, a justificativa para o fim dos colegiados foi de ordem política e econômica.  “O governo atual entendeu que esses conselhos estavam cheio de pessoas que deveriam ser excluídas do meio político e que era preciso controlar essa proliferação de colegiados por meio da extinção em massa. Ou seja, há uma visão distorcida do que é o regime democrático e o que é administrar um país”.

Excluir é retroceder

Alpiniano ressaltou a importância da Conatrae e da Conaeti, alertando para o fato de o trabalho escravo e infantil não ser algo "do passado". Segundo ele, embora atualmente não se encontre pessoas trabalhando amarradas, sem o direito de ir e vir, “o trabalho escravo moderno é muito mais do que isso". "Não é só o trabalho forçado, é, por exemplo, a servidão por dívida, quando o empregador retém os documentos e você nunca vai embora porque nunca vai pagar o empregador”, definiu, citando o artigo 149, do Código Penal brasileiro: “Reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

Sobre o trabalho infantil, Alpiniano é enfático: “Ele mata a infância. Não existem somente duas opções: ou trabalha ou fica na rua. Não se pode naturalizar isso”. Segundo o procurador, o trabalho precoce – de crianças até 14 anos – impede a frequência escolar e prejudica a formação física, psíquica e profissional. “O trabalho infantil gera o absenteísmo escolar e rouba da criança o tempo e a disposição de estudar”, lamentou.

O procurador também definiu quando e se crianças e adolescentes podem trabalhar. “Até 14 anos é proibido. De 14 aos 16, ela pode ser um aprendiz. E de 16 a 18 anos é permitido, salvo algumas atividades”. Exercer atividades em locais insalubres e perigosos ou que sejam prejudiciais à formação e ao desenvolvimento, inclusive o trabalho doméstico, são proibidos para menores.

Por fim, Alpiniano defendeu a necessidade de manutenção dos conselhos, comitês e fóruns como forma de participação popular, independentemente de quem ou qual partido esteja governando o país. “Destruir conselhos é complicado, porque eles têm funções vitais para traçar políticas públicas”, finalizou.

Perspectivas

“Política é luta e não gestão”, continuou José Augusto Pina. Para ele, não basta só ter um Estado protetor com legislações, é preciso estar permanentemente organizado para defendê-lo e avançar nas conquistas. “Não basta ter somente a Constituição. É preciso ter o direito real e para isso é preciso luta coletiva”, afirmou.
O professor ressaltou que, embora a luta sempre tenha existido, até pouco tempo ela tinha a direção principalmente de confiar na institucionalidade e menos na organização independente dos trabalhadores. “Essas são questões importantes para entendermos como chegamos até aqui, onde se pode impor uma liberalização da terceirização e uma mudança da ordem que foi feita na reforma trabalhista e, agora, na Previdência sem praticamente resistência”, lamentou.

No contexto do “boom” da terceirização, Pina destacou que ela não é uma novidade só dos anos 1990, mas que tem se expandido “enormemente” desde então. Segundo dados do professor, a terceirização do início dos anos 2000 até 2012, teve uma evolução de quatro para 13 milhões de trabalhadores. “Na Petrobras, por exemplo, o número de terceirização aumentou três vezes de 2004 a 2012, só que os acidentes fatais com esse grupo aumentaram cinco vezes mais em relação aos efetivos”, exemplificou, acrescentando: “Esses dados servem para entender as relações entre a sociedade brasileira com o mundo imperialista, com o capital financeiro internacional. Isso acontece num período de enorme crescimento econômico, da entrada da empresa na bolsa de valores e da descoberta do pré-sal, impactando diretamente na saúde dos trabalhadores”.

Mas além do efeito do ponto de vista econômico, Pina alertou que a terceirização tem um grave efeito político de enfraquecer a organização coletiva dos trabalhadores por segmentar as categorias profissionais. “O interessante é que todo o sindicalismo no Brasil pós-Getúlio Vargas foi organizado por categorias profissionais. Ao fracionar, a terceirização fraciona também a representação sindical dos trabalhadores no mesmo local de trabalho”.

E, nesse contexto, é fundamental ressaltar, segundo Pina, que as conquistas trabalhistas dependem das forças coletivas dos trabalhadores. “O controle social no SUS é uma criação dos trabalhadores e dos segmentos populares. Os primeiros conselhos de saúde surgiram no fim dos anos 1970. Não tinha o gestor participando do conselho, era a própria comunidade fiscalizando e acompanhando”, contou, para concluir: “A brilhante saída é retornar o diálogo mais profundo e horizontal a partir da realidade concreta dos trabalhadores, vivenciada com seus desafios, limites e potencialidades”.

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