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Uma Escola Politécnica na Fiocruz: na contramão da reforma

André Antunes e Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 09/11/2016 12h03 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Várias concepções sobre educação que servem de base ao trabalho que é desenvolvido na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) batem de frente com o que diz a MP 746.  Uma delas está no próprio conceito que dá nome à escola: a politecnia. Segundo seus formuladores, a educação politécnica prevê desnaturalizar a separação entre conhecimento teórico e prático, que vem historicamente legitimando a distinção entre o ensino que é oferecido para as classes populares – focado em uma formação instrumental para o trabalho – e para a elite, a quem caberia o acesso a um conhecimento mais amplo: da cultura, da ciência e das artes. Por entender que essa é uma das formas pelas quais a escola naturaliza a desigualdade social, uma educação politécnica luta para superar essa dualidade. Assim, ao contrário do que propõe a MP, que torna a educação profissional um dos itinerários formativos que os estudantes de ensino médio poderiam escolher após concluírem a formação comum em um ano e meio, na EPSJV o currículo de ensino médio é integrado à educação profissional. Isso quer dizer que os estudantes, ao longo de quatro anos e em jornada de tempo integral, aprendem não só os conhecimentos práticos exigidos pela habilitação técnica escolhida – que pode ser em gerência em saúde, análises clínicas e, a partir de 2017, biotecnologia – mas também os conhecimentos do currículo “tradicional” de ensino médio. E aí estamos falando da física, da matemática, da biologia e da química, mas também da sociologia, da filosofia e das artes. E não falta flexibilidade: os estudantes podem escolher entre aulas de educação física e expressão corporal; na educação artística, optam entre artes cênicas, artes plásticas, produção audiovisual e música. “É fundamental que a escola pública ofereça uma educação integral, que contemple conhecimentos científicos, culturais, artísticos. O jovem precisa ter acesso a todas as possibilidades de construção de linguagens para que possa não só entender o mundo, mas transformá-lo”, diz Paulo César Ribeiro, diretor da EPSJV.

Integrante do grêmio estudantil da escola, Matheus Alves, aluno do 4º ano do curso de gerência em saúde, dá o exemplo dos eventos culturais promovidos pela Escola, como o Festival Som e Cena, em que alunos e professores desenvolvem oficinas e apresentações de música e teatro, que para ele são fundamentais para a apropriação do conhecimento pelos estudantes. “Esse ano o festival foi como uma aula que envolveu peças de teatro e músicas elaboradas pelos próprios estudantes que tratavam de questões do Nordeste, englobando história, geografia, sociologia, linguagem. Através da arte, os estudantes começam a entender mais os conteúdos de saúde, de educação, de tecnologia e de ciência que são colocados pela Escola”, opina.

Na prática, os jovens aprendem também a fazer ciência. Através do Projeto Trabalho, Ciência e Cultura (PTCC), que insere a pesquisa no processo de ensino da instituição, os estudantes são introduzidos à teoria e à prática da produção do conhecimento científico, sendo requisitados a produzir uma monografia que discorra sobre um tema de seu interesse ao final do curso. E não são só os alunos da EPSJV que aprendem a fazer ciência na instituição. A Escola coordena, desde 1986, o Programa de Vocação Científica (Provoc), proposta educacional de iniciação à ciência na área da saúde para jovens do ensino médio, que recebe estudantes de várias instituições conveniadas.

Desde 2012, a EPSJV adota o sorteio público como parte de seu processo seletivo para o preenchimento das vagas no ensino médio. Os candidatos são selecionados para o sorteio através de uma prova que afere conhecimentos mínimos necessários ao ingresso no curso; quem acerta 50% da prova se habilita para o certame. Além disso, a Escola adota um sistema de cotas que reserva 50% das vagas no ensino médio para alunos que cursaram integralmente o ensino fundamental na rede pública, sendo metade dessas vagas reservadas para alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo; por fim, 50% das vagas destinadas para egressos da rede pública são reservadas para candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. Como resultado, mais vagas passaram a ser preenchidas por candidatos oriundos de famílias pobres, jovens mais submetidos à pressão para abandonar os estudos e começar a trabalhar. E aí entra a política de distribuição de bolsas de estudo para os estudantes que precisam de um suporte financeiro para continuar estudando. “Ainda que as bolsas não sejam de valores muito altos, isso contribui para que esses alunos se mantenham na Escola”, afirma Paulo César Ribeiro. O diretor toca em outro aspecto crítico na MP 746, que silencia em relação aos alunos da Educação de Jovens e Adultos, também atendidos pela EPSJV. Para tentar garantir que estes estudantes, que são mais velhos, não abandonem pela segunda ou terceira vez os estudos, a Escola tenta olhar para a realidade daqueles que são mães e pais. “Os estudantes da EJA que precisam estudar à noite podem deixar seus filhos com cuidadores durante as aulas”, ressalta. Tanto os alunos do ensino médio regular quanto os da EJA recebem alimentação. “Tudo isso são tentativas de construir formas para que esse aluno possa estar presente. São direitos da população que cabe ao poder público garantir”, conclui.