Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Informação em Saúde

Para um conceito ampliado de saúde, um conceito igualmente ampliado de informação. É isso que pesquisadores da área de Informação em Saúde têm buscado implementar nos últimos anos. Mais do que um conjunto de dados sobre doenças, o que se defende é que informação em saúde, como campo teórico e operacional, diz respeito ao monitoramento das condições de vida da população, nos moldes do que estabeleceu o Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se, portanto, de uma ferramenta de gestão e de controle social.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 25/03/2009 10h25 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

Para um conceito ampliado de saúde, um conceito igualmente ampliado de informação. É isso que pesquisadores da área de Informação em Saúde têm buscado implementar nos últimos anos. Mais do que um conjunto de dados sobre doenças, o que se defende é que informação em saúde, como campo teórico e operacional, diz respeito ao monitoramento das condições de vida da população, nos moldes do que estabeleceu o Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se, portanto, de uma ferramenta de gestão e de controle social.

Definição do termo

“Informação em saúde, apartada de uma política nacional de informação e informática na saúde que prime pelo controle social e pela utilização ética e fidedigna de dados produzidos com qualidade, seja em relação ao cidadão, seja em relação aos gestores da área da saúde, não é mais do que um mote, uma expressão vazia”, dizem Arlinda Moreno, Claudia Medina e Sergio Munck, no Dicionário da Educação Profissional em Saúde (ver pág. 22), editado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, que, em sua segunda edição, traz esse verbete.

Alcindo Ferla, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor colaborador da Universidade Federal do Pará, do Grupo Hospitalar Conceição e do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, por sua vez, destaca a importância de se definir informação a partir do seu papel no imaginário coletivo. É isso que, segundo ele, diferencia a informação de um dado estatístico qualquer. “A informação é o dado tratado por processos que alocam nele certas noções de valor, não apenas com base nas técnicas da estatística ou da epidemiologia. Quando falamos em taxa de mortalidade infantil, não é só a magnitude do indicador que nos afeta. É também o fato de que todos conseguimos ver, por trás do indicador propriamente dito, a dor e o sofrimento da família, a perda da vida da criança e isso produz certa comoção na sociedade”, explica. Para defender a importância desse processo para as políticas de saúde, ele continua o exemplo, agora no sentido contrário: “Já a mortalidade proporcional nas faixas etárias mais elevadas da população, que se mantém estável nos últimos anos, não mobiliza muito os imaginários. Assim, perde-se a oportunidade de perceber o que estudos já identificaram:que o envelhecimento, que acontece em uma velocidade muito grande em países como o Brasil, não se deve à intervenção positiva do sistema de saúde na qualidade de vida da população com mais de 60 anos, mas sim à redução das taxas de natalidade e fecundidade e à redução da mortalidade infantil. Nesse caso, o indicador não deixou de se transformar em informação, mas operou no imaginário fortalecendo valores já estabelecidos: a velhice como doença (portanto, sob maior risco de morte) e o idoso como um problema”.

Origem da área

O verbete explica que o campo da informação em saúde nasceu no século XIX com o incremento dos estudos de epidemiologia. Pouco depois, no início do século XX, a estatística também contribuiu para o fortalecimento da ideia de que era preciso reunir e comunicar informações sobre a saúde das populações. Contudo, é em um período mais remoto, ainda no século XVII, que os autores localizam um estudo que acabou por exercer uma influência decisiva sobre as pesquisas que surgiriam mais tarde. Era a ‘topografia política ou uma descrição das condições atuais do país’, no qual Leibniz apreendia a situação de saúde da Alemanha a partir de uma descrição detalhada de dados como população total, área do país e número e causas de mortes. Mas qual é o ganho desse tipo de pesquisa? Rejane Sobrino, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica: “As informações, quando bem estruturadas, representam subsídios importantes para traçar diagnósticos sobre a saúde das populações, assim como no desenho e aplicação das estratégias de cuidado que devem ser
desenvolvidas”.

Um marco mais recente dessa área foi o desenvolvimento das ciências da computação ao longo do século passado, processo que qualificou muito os instrumentos utilizados na coleta, armazenamento e difusão das informações em saúde. Mas talvez se possa dizer que o crescimento da computação ajudou também a criar um problema epistemológico para essa área: a simplificação do campo da Informação em Saúde ao estudo dos sistemas de informação. “Informação em Saúde não é um (nem todos) Sistema (s) de Informações em Saúde, muito menos construto dependente exclusiva e diretamente da informática”, diz o verbete. Arlinda completa: “Informação em saúde é uma grande vitrine de como pode se chegar ao controle social. Não somos construtores dos sistemas de informação. Estamos preocupados com estratégias de capacitação de pessoas para a produção e coleta de dados produtivos, fidedignos e confiáveis”.

Sistemas de Informação

De qualquer modo, os sistemas são um componente importante — e um dos grandes nós críticos — da área. Segundo o verbete, o primeiro a surgir no Brasil foi o Sistema de In formação sobre Mortalidade (SIM), criado em 1975. De lá para cá, houve avanços na implantação de diversos bancos de dados sobre situações de saúde. Qual o problema, então?

Os “complicadores”, como Arlinda prefere chamar, começam na coleta da informação, uma vez que o formulário que alimenta um sistema tem que dar conta da realidade com a qual se está lidando. “Em um país de dimensões continentais como o Brasil, há uma gama considerável de diferenças socioeconômicas e culturais que interferem na coleta”, afirma, dando como exemplo os vários ’portugueses’ falados no país: “Os diferentes registros da língua influem. Determinadas perguntas que constam dos formulários são compreendidas na Região Centro-Oeste, mas não na Região Sul. A dificuldade é fazer um formulário que funcione, não no sentido de seu conteúdo, mas no potencial para ser entendido de norte a sul do país”.

E por falar em formulários, outra questão ‘complicada’ é a formação dos profissionais que os preenchem. Para Rejane Sobrino, é importante que seja estabelecida uma relação dotada de sentido entre esse profissional e o seu trabalho: “É preciso sensibilizar, mostrar por que aquilo é importante, pois, a princípio, quando você mostra um novo formulário para o profissional ele pensa: ‘mais um?’’’. Arlinda entende esse fator como indissociável daquela primeira questão, já que, na maior parte das vezes, as informações que alimentam os sistemas de saúde vêm dos prontuários: “Não podemos desconsiderar a diversidade, já que a produção dessas informações, via formulários, é feita não por máquinas e sim por gente”.

Um outro aspecto relevante diz respeito à multiplicidade dos sistemas. “Do ponto de vista operacional, temos uma quantidade nada razoável de sistemas e aplicativos com pouca comunicação entre si”, aponta Alcindo. Nesse contexto, o Cartão Nacional de Saúde, que seria um documento de identificação dos usuários do SUS, a partir de uma base única, é comumente apontado como uma solução para o problema. Mas não há consenso sobre esse tema. Alcindo, por exemplo, julga essa iniciativa como de grande importância. Arlinda, no entanto, embora concorde com o princípio, questiona a necessidade da criação de um novo número para o cidadão: “Eu concordo que precisamos de um sistema de base de informações em saúde para todo o país, mas não sei se é necessário recadastrar os usuários com um novo número de uso exclusivo da saúde se a gente pode eleger um, dentre os vários números já existentes, como o CPF, para funcionar com esse fim”.

Outra ferramenta que se mantém em discussão é o prontuário eletrônico. Segundo Arlinda, trata-se de um instrumento que possibilitaria “a interligação de qualquer ação de saúde em um banco de dados consolidado”. “Tanto o atendimento do médico, no consultório, quanto a internação em um hospital de alta complexidade, para um transplante por exemplo, geram informações que deveriam ir para o prontuário eletrônico do paciente”, explica. Mas também essa iniciativa não é consensual, trazendo à tona uma discussão que ela classifica como “de ordem ética”. “Suponhamos que um sujeito queria concorrer a um processo seletivo de uma empresa e descubram que ele teve um câncer há cinco anos. Não é difícil imaginar o que aconteceria. Então, como difundir essas informações mantendo o equilíbrio desse cabo de forças entre o que é ou não interessante de ser tornado público?”, pergunta.

Política Nacional

“Promover o uso inovador, criativo e transformador da tecnologia da informação, para melhorar os processos de trabalho em saúde, resultando em um Sistema Nacional de Informação em Saúde articulado, que produza informações para os cidadãos, a gestão, a prática profissional, a geração de conhecimento e o controle social, garantindo ganhos de eficiência e qualidade mensuráveis pela ampliação de acesso, equidade, integralidade e humanização dos serviços e, assim, contribuindo para a melhoria da situação de saúde da população”. Esse é o propósito apresentado pela Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS), construída em 2004, incorporando deliberações da 12ª Conferência Nacional de Saúde. “Como lugar de debate, a 12ª foi um marco histórico. Mas me entristece que os desdobramentos das proposições lá discutidas não tenham sido alvo de tanta dedicação”, lamenta Arlinda.

Alcindo concorda. Segundo ele, realidade no papel desde aquela época, a Política está longe de se materializar. “É preciso acompanhar a implementação, mas eu não vejo muitas iniciativas governamentais nesse sentido”, diz, e completa: “A maior parte dos recursos financeiros utilizados para projetos de informatização e uso da informação ainda não estão sendo colocados a serviço de um Sistema Nacional de Informações em Saúde e de uma Rede Nacional de Informações em Saúde, que são conceitos – mais do que projetos específicos – fundamentais para a política”, diz.

Além da unificação dos sistemas de identificação, inclusive com referências diretas ao Cartão Nacional de Saúde e ao prontuário eletrônico, outro tema recorrente na PNIIS é o incentivo ao uso do software livre. Além disso, a Política traz diretrizes mais amplas, que associam mais diretamente a área de Informação em Saúde com a democratização e o controle social. “O gestor não pode fazer um hospital de 800 leitos em uma cidade que tenha 800 moradores. Se o cidadão tem acesso ao chamado Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), ele pode vir a contestar isso. Então, é parte fundamental do processo a disseminação de informações que forneçam subsídios para o controle social”, destaca Arlinda.

E o que falta para funcionar? As respostas são várias. Mas Alcindo arrisca um palpite. “Ainda temos uma cultura muito instrumental da informação”, diz, completando: “O problema está também na sociedade como um todo. Nossa cultura vigente ainda é de que informação dá poder e, portanto, é razoável desejar e operar para acumular informações”.

tópicos: