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Integralidade

No Dicionário da Educação Profissional em Saúde , editado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Roseni Pinheiro, coordenadora do Laboratório de Pesquisa de Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis /IMS/Uerj), começa o verbete ‘integralidade’ explicando que esse é um conceito com diversos significados, embora, legalmente, seja definido como “um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema”.
Juliana Chagas - EPSJV/Fiocruz | 25/04/2008 10h23 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

No Dicionário da Educação Profissional em Saúde , editado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Roseni Pinheiro, coordenadora do Laboratório de Pesquisa de Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis /IMS/Uerj), começa o verbete ‘integralidade’ explicando que esse é um conceito com diversos significados, embora, legalmente, seja definido como “um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema”.

Para Ruben Mattos, professor do IMS/Uerj, é possível encontrar três sentidos para a integralidade. O primeiro tem a ver com as práticas políticas. “Algumas vezes, esse conceito aparece como um atributo das políticas públicas, nas quais não se pode deixar de lado uma parte das pessoas. Um exemplo disso é a discussão sobre a prevenção do câncer de mama. Não é aceitável que se organize uma política que garanta o acesso precoce ao diagnóstico e ao tratamento, e não ofereça também a possibilidade de reconstituição cirúrgica do seio. Não tem como parar no meio. A integralidade está nesse sentido de dar conta de todos os reflexos presentes da doença”, exemplifica. A segunda noção de integralidade está ligada ao arranjo dos serviços de saúde. “Hoje, o que vemos é a desintegralidade. As emergências são exemplos disso. Muitas vezes, as famílias ficam sem nenhum tipo de informação sobre o paciente que está sendo atendido. Não pode existir um arranjo de organização de serviço que, por exemplo, não apóie uma criança que está presenciando os pais passarem por um atendimento traumático depois de um acidente”, diz Ruben. O terceiro sentido, segundo ele, está ligado à prática. “Isso diz respeito a uma série de posturas dos trabalhadores, que não podem ver só uma parte dos sujeitos; não podem analisar um órgão ou uma lesão, como se a pessoa fosse um boneco. O profissional de saúde deve compreender o outro. Trata-se da perspectiva do acolhimento, de ouvir o paciente. Isso significa, por exemplo, ter uma pessoa internada por algum problema e permitir que ela use o telefone para falar com sua família, dizer que está bem. São coisas simples, que dão conta da necessidade. Mas é claro que isso vai depender da organização dos serviços. Hoje, na prática, o que predomina ainda é um profissional que não ouve, não olha e não se coloca na posição do outro”, afirma.

Formação integral

E como ensinar um trabalhador a praticar a integralidade? Para Roseni, é importante que o profissional entenda a importância de um trabalho em equipe. “É necessário preparar pessoas que percebam que, muitas vezes, vão ter que lidar com o imponderável. Por isso, não é possível ser um superprofissional, que sabe cuidar de tudo que o outro tem. Há a necessidade de trabalhar em equipe. Além disso, é preciso ter um diálogo com o paciente, considerar suas necessidades”, diz. Um ponto a ser mudado, segundo ela, é a fragmentação do ensino. “Temos uma oferta completamente separada, descontextualizada. Isso acontece, por exemplo, na graduação em saúde, na qual primeiro estudamos um cadáver com todas as partes separadas. Só no quinto ano vemos a pessoa completa. Essa fragmentação do conhecimento é muito prejudicial para a prática nos serviços, que podem igualmente ficar desconectadas”, alerta.

Segundo Ruben, é importante que, durante a formação, alunos e professores conversem sobre situações vividas na prática dos serviços. “Nessas conversas, os alunos poderão refletir coletivamente sobre seu trabalho e fazer uma auto-avaliação. Nesse momento, aspectos que passam despercebidos no dia-a-dia entrarão em pauta. Será possível perceber se houve integralidade no atendimento. É um processo contínuo de problematização”, diz. Outro fator que deveria integrar o ensino em saúde, na opinião de Ruben, é a apresentação de múltiplos cenários de aprendizagem. “As práticas de ensino devem se dar de várias formas, nas quais os conceitos de vida do outro apareçam. Isso inclui, por exemplo, ver a pessoa na sua casa porque, nesse momento, o aluno não poderá fechar os olhos para o que está em volta. É preciso entender o contexto. E colocar os objetivos de aprendizagem centrados no usuário. Sempre utilizando o diálogo e a negociação”, afirma. Roseni concorda. “A ideia do cotidiano como espaço privilegiado de ensino é fundamental para a sustentabilidade de um currículo que deseja educar e preparar profissionais para a área da saúde. Outra coisa que deve ser incorporada à formação é o estímulo à pesquisa, que deve ser capaz de identificar as demandas sociais que podem nortear o ensino em saúde”, diz.

Para Marise Ramos, doutora em Educação e coordenadora da pós-graduação em educação profissional em saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz, existem três sentidos de concepção integrada de educação. O primeiro, trata da formação omnilateral dos sujeitos. “Este sentido expressa uma concepção de formação humana, com base na integração de todas as dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social: o trabalho, a ciência e a
cultura”, explica ela. O segundo sentido, de caráter político, se refere à indissociabilidade entre a educação profissional e a educação básica dos trabalhadores. “Nesse caso, visamos a uma outra integração: a do trabalho intelectual com o trabalho manual”, diz. Por fim, o terceiro sentido da educação integrada é epistemológico. “É a integração, em um mesmo currículo, de conhecimentos gerais e específicos visando à compreensão da realidade social e dos processos produtivos como uma totalidade”, afirma. Para ela, o trabalhador de saúde só desenvolve práticas de integralidade se a sua formação for integral na perspectiva desses três sentidos.

Um exemplo de integralidade

Como se vê, a organização dos serviços é fundamental para que a integralidade seja vivida na prática. Uma pesquisa desenvolvida pelo Lappis em parceria com a EPSJV identifica o município de Piraí (RJ), cuja rede de saúde começou a ser estruturada no ano 2000, como um exemplo de integralidade.

Hoje, a cidade tem 100% de cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF). “Começamos a arrumar o sistema pela assistência. Se ela funciona, é necessário apoio de diagnóstico, tratamento. Então, foi montada uma rede para garantir a continuação do tratamento depois da passagem do paciente pela unidade básica.”, explica a secretária municipal de saúde de Piraí, Maria da Conceição Rocha. Segundo ela, na medida em que o serviço é organizado e o profissional de saúde é cobrado, ele também passa a exigir mais do gestor. “O trabalhador fala sobre as necessidades que o gestor não está garantindo e vai construindo algo de maior qualidade”, diz.

De acordo com Conceição, a prática da integralidade pode ser percebida tanto na garantia de atendimento quanto na atenção dispensada a cada um dos pacientes. “É preciso garantir a consulta, os exames, os medicamentos e a continuidade do tratamento. Mas também se faz necessário entender esse cidadão como um todo, a partir do seu contexto social. O profissional de saúde tem que ouvi-lo atentamente para perceber sua necessidade. Sempre que isso é feito, atende-se melhor”, diz. Para ela, a perspectiva do trabalho na ESF é integral. “A proposta da equipe multiprofissional é resolver os problemas da comunidade. Além disso, a equipe é avaliada como um todo e, dessa forma, todos os profissionais entram
na roda da discussão”, afirma.

Na perspectiva de uma rede integrada de saúde, Conceição orientou que alguns médicos do Saúde da Família fizessem plantão no hospital de Piraí. “Temos 12 equipes e quatro médicos que já trabalham dentro do serviço. O profissional mais antigo na Estratégia, com sete anos de experiência, é o diretor técnico do hospital, já que conhece não só a ESF como as equipes. Assim, integramos a rede básica ao hospital”, conta Conceição. Para conseguir atender de maneira integral aos cidadãos, a secretária afirma que um dos principais aspectos foi o fato de ter lutado contra a rotatividade dos profissionais. “Fomos juntando pessoas às equipes e não trocando. Para não perdermos trabalhadores, criamos algumas gratificações para os servidores, em sua maioria dentistas e enfermeiros. Os médicos, que têm maiores salários, são celetistas. Também complementamos o salário dos agentes comunitários de saúde”, diz explicando, que chega a pagar R$ 7 mil a um médico e R$ 800 aos ACS. Além do aumento da remuneração, os trabalhadores da saúde de Piraí também receberam capacitações para melhorar a qualidade do atendimento. “Investimos na formação de todos os níveis. A educação profissional foi feita pela ETIS (Escola de Formação Técnica Enfermeira Izabel dos Santos), que já promoveu sete cursos no município. Precisamos de profissionais de um aparelho formador que pense as políticas públicas e a integralidade. E o aluno precisa entender que é parte de um sistema de saúde como profissional e usuário”, afirma.

Integralidade para o SUS

Na opinião de Ruben, quando a integralidade é vivenciada na prática, acontece uma mobilização política importante em defesa do SUS. “A integralidade também qualifica a participação e propicia, para quem a vive, a necessidade de luta para que ela continue acontecendo. Nesse sentido, é uma qualificação importante na universalidade, na eqüidade e no processo de participação social”, diz, defendendo que esse é o desafio dos próximos 20 anos de SUS. “É preciso generalizar a integralidade como princípio norteador de políticas de saúde, que devem, em primeiro lugar, olhar o conjunto das necessidades das pessoas que precisam ser atendidas. Em segundo lugar, há a necessidade de entender qual é o significado das ações propostas para os indivíduos”.

Segundo Roseni, a garantia da integralidade passa pelo acesso ao serviço, pela descentralização e pela participação social, também princípios do SUS. “Mas isso não quer dizer que a descentralização já garanta uma atenção integral. Posso garantir o acesso a alguns níveis. Se isso é adequado à sociedade, só vou saber se dialogar com ela. Para que os princípios do SUS sejam efetivados, tem que haver uma dinâmica que necessariamente envolva todo mundo. Um exemplo concreto de política integral é a da AIDS. Há o acesso universal ao medicamento e a inclusão dos portadores de HIV nas decisões sobre as ações que estão sendo realizadas para que eles ajudem a formular políticas específicas”, diz.

Outra política que já nasce integral, segundo Ruben, é a do Brasil Sorridente. “Ela percebe que é necessário prevenir muitas coisas, mas também é preciso cuidar das pessoas que não conseguem sorrir, que abrem a boca cobrindo o rosto e sofrem por não terem mais os dentes. Essa capacidade de pensar nas pessoas, no que o resultado da política significa para elas e, ao mesmo tempo, perceber que é preciso ter uma prótese, um flúor, o ensino da escovação e que isso é necessário para dar conta das necessidades das diversas pessoas caracteriza, uma política de integralidade”, explica.

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