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O que é, o que faz? CRAS

Revista Poli explica como foram criados e quais os serviços oferecidos pelos Centros de Referência de Assistência Social
Erika Farias - EPSJV/Fiocruz | 07/07/2023 16h32 - Atualizado em 19/07/2023 14h48

Em 2003, após a 4ª Conferência Nacional de Assistência Social, o formato de assistência no país tomava um novo rumo: deixava a estrutura assistencialista e passava para o modelo socioassistencial. Na prática, deixava de prover uma necessidade apenas momentânea para promover ações que favorecessem a autonomia do cidadão. Até então, as ofertas de assistência eram executadas nos municípios, majoritariamente, pelas mulheres dos prefeitos, por entidades sem fins lucrativos ou pela igreja. A diretora de Proteção Social Básica do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) do Governo Federal, Simone Albuquerque, conta que um dos temas deliberados na 4ª Conferência foi a necessidade de a assistência social contar com uma unidade de referência pública estatal. “Apesar de não ter uma unidade pública estatal na política em âmbito nacional, havia experiências municipais muito exitosas, mas com um nome em cada município. Em 2004, com o MDS, no primeiro governo Lula, implantamos a Política Nacional de Assistência Social (Pnas), que instituiu o Centro de Referência de Assistência Social, o Cras”, relata.

Segundo o Censo 2022 do Sistema Único de Assistência Social (Suas), há 8.557 Centros de Referência no país. Os Cras são a porta de entrada da assistência social e trabalham com o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Eles estão inseridos no Suas, que é organizado a partir de uma rede de proteção social. Além do núcleo de Atenção Básica, o Suas conta também com um serviço especializado, o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), que atende demandas mais específicas.

O relatório “Cras, um lugar de (re)fazer histórias”, produzido em 2007, pelo MDS, informa que a Política Nacional de Assistência Social considera como serviços de proteção social básica aqueles que potencializam a família como unidade de referência, visando a convivência, a socialização, o acolhimento e o protagonismo dos usuários. “Esses serviços devem ser prestados, preferencialmente, em unidades próprias dos municípios, levando-se em conta a importância da articulação das três esferas governamentais (municipal, estadual e federal). A coordenação e as normas gerais cabem ao governo federal, enquanto a coordenação e a execução dos programas ficam a cargo de estados, Distrito Federal e municípios”, explicita o documento. Dentro do CRAS, a equipe obrigatória é formada por assistente social, psicólogo, e, a depender do porte, pode-se aumentar o número de profissionais.

Programas

A maior parte das pessoas acredita que o trabalho nos Cras é resumido à “inscrição para o Bolsa Família”, mas a verdade é que, para além dos programas de transferência de renda, que acontecem por meio da inscrição no Cadastro Único (CadÚnico), os Centros de Referência podem atuar junto à comunidade em diferentes frentes, além de se articularem com outros programas e políticas. Edna Ferreira, diretora do Cras Mangueira, no município do Rio de Janeiro, reforça o fato do Centro ser a porta de entrada para demandas sociais do território. “Sempre que a pessoa chega neste espaço, ela passa, primeiramente, por uma entrevista com o assistente social. Nesse atendimento são levantadas todas as demandas, sobre transferência de renda, se a pessoa tem vulnerabilidade no trabalho, se tem as documentações completas, demandas de habitação. Tem todo um prontuário, que a gente chama de sumário social, que inclui o endereço e a composição familiar. Mesmo quando a pessoa vem pelo CadÚnico, ela passa antes pelo serviço social”, conta. A diretora também fala sobe a busca ativa no território. “Fazemos buscas e trabalhamos em conjunto com uma rede, porque o Cras não consegue avançar se não fizer um trabalho junto à rede intersetorial”, diz.

Nos Cras, os cidadãos podem contar com o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), além de se inscreverem no CadÚnico para acessar os programas sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família. Edna explica que as famílias inscritas no Paif apresentam grande vulnerabilidade, como por exemplo, casos de violência contra mulheres adolescentes com problemas com álcool e/ou outras drogas. Ou ainda, dificuldade de acessar o sistema de saúde, então fazemos contato com a Clínica da Família da área. “Também damos informações, conscientizamos sobre direitos, a importância da saúde da mulher, da vacina, desmistificando os boatos, as fake news. Costumamos dizer que há usuários que acompanhamos e outros que nos acompanham”, relata.

A diretora do Cras Mangueira conta também que o CadÚnico é o carro chefe do Cras atualmente, por conta da demanda de transferência de renda, especialmente após a pandemia de Covid-19, mas que outros serviços fundamentais são oferecidos no espaço. “Nos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por exemplo, oferecemos o serviço de convivência para as crianças, no contraturno da escola.  Avaliamos que isso é muito importante para as crianças porque ali são trabalhadas questões como racismo, etnia, direito das mulheres e vários outros assuntos”, conta.

Já o Bolsa Família precisa atender uma série de condicionalidades além da renda, ou seja, fatores que devem ser cumpridos na área da Saúde, Educação e Assistência Social, que têm como objetivo garantir o acesso da população a políticas públicas de forma transdisciplinar, fornecendo mais condições para a melhoria de condições de vida do cidadão, tais como o acompanhamento do pré-natal, do estado nutricional das crianças menores de sete anos; do calendário nacional de vacinação, para crianças de quatro a cinco anos; frequência escolar mínima de 60% e 75%, para beneficiários de seis a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica.

Simone destaca que a assistência social trabalha com uma parte concreta, como a solicitação de benefícios eventuais para sua sobrevivência, mas há ainda a parte intangível, que têm a ver com as relações. “É muito difícil que alguém bata na porta do Cras e diga ‘Simone, eu estou aqui porque eu estuprei meu filho’. Primeiro, as pessoas não falam. Segundo, na maioria das situações de violência, as pessoas têm muito receio de explicitar imediatamente. Precisa de todo um trabalho para que os nossos usuários tenham confiança de nos dizer suas necessidades e problemas que estão vivendo. Mas a pessoa conta com o Paif, que é um serviço importante, conta com o serviço de convivência, que é quando se identifica que numa família as relações estão esgarçadas ou violentas. Então, há uma intervenção do nosso serviço de convivência para idosos, crianças, adolescentes”, explica. E complementa: “O Suas também tem os serviços especializados. Tem o serviço que trabalha com as famílias, com crianças e adolescentes que têm medidas de proteção do sistema de justiça, medidas de liberdade assistida, pessoas em situação de rua, pessoas com discriminação. Também, se for preciso afastar da convivência familiar e comunitária, temos serviços que acolhem e recebem as pessoas para dormir, passar um tempo lá, até que a situação de violência no território ou na família seja equacionada. São várias ofertas, mas as pessoas conhecem, de fato, apenas a parte mais tangível”, diz.

Dados

A diretora de Proteção Social Básica do MDS explica que o registro administrativo de todos os usuários que procuram o CadÚnico é feito pelos municípios, mas a informação chega até o Ministério. A partir daí, o próprio município pode utilizar esses dados, mas o MDS devolve isso para o município em forma de dados. “Não só temos o prontuário eletrônico que os municípios utilizam, mas o registro mensal de cada atendimento realizado. O Suas faz um censo todo ano. Temos uma área de vigilância porque esses registros são muito importantes. Se para o SUS o diagnóstico é feito com exames laboratoriais e clínicos, na assistência social o diagnóstico é feito com informação”, explica.

Simone ressalta que esses elementos são fundamentais para se saber quantas crianças estão em situação de trabalho infantil, quantas famílias solos existem, quantos idosos vivem sozinhos, por exemplo, pois essas informações são necessárias para que se possa pensar em proteção proativa. “Os técnicos do Cras não podem ficar lá esperando porque essas situações não vão aparecer com facilidade na porta dos Cras, por isso, buscamos ativamente na área também. Nossos serviços procuram as situações de desproteção e identificamos essa situação por meio dos registros administrativos que os municípios fazem. Trazemos para cá e usamos isso para a busca ativa”, complementa. Segundo ela, há uma forte interlocução entre governo federal e municípios. “É fundamental. Por isso é tão perverso você romper com o pacto federativo. Nós trabalhamos com as necessidades das famílias e não é possível fazer desenhos de programas e serviços federais para o Brasil inteiro sem que eles tenham aderência com o território, com as necessidades locais. Isso não funciona”, afirma.

Desafios e possibilidades

Um dos desafios atuais dos Cras é a verba aplicada nesses equipamentos. Além das questões de recursos materiais, as entrevistadas falam da necessidade de se aumentar as equipes. A gestão de recursos para os Cras se dá em três esferas: um cofinanciamento do governo federal, além da participação de municípios e estados. “Esse financiamento é usado para pagar os recursos humanos. A legislação autoriza que o município pode gastar o dinheiro com recursos humanos, na oferta do Paif. Então, cada Cras tem, obrigatoriamente, que ofertar o Paif para fortalecer a função protetiva das famílias. Isso está na Loas [Lei Orgânica de Assistência Social, nº 8.742/93]”, conta a diretora de Proteção Social Básica do Governo Federal.

Além disso, a acessibilidade é outro fator problemático em muitos Centros, localizados em ladeiras ou em espaços de difícil acesso. A diretora do Cras Mangueira relata uma experiência que tem sido benéfica: a descentralização no atendimento do CadÚnico. “Temos um pólo na Rocinha (no município do Rio de Janeiro), que vai fazer o cadastro de famílias que moram em outros bairros. Esses polos serão um avanço porque poderemos fazer um atendimento melhor e visitar mais famílias. Descentralizando isso, poderemos fazer um acompanhamento muito mais qualificado”, conclui.