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Organização Internacional do Trabalho

A OIT é o órgão internacional mais antigo e destaca sua importância na produção de estudos sobre as condições de trabalho no mundo e de auxílio em situações flagrantes de desrespeito aos trabalhadores
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 14/02/2022 12h26 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

O desemprego recorde e acima do esperado. Em seu oitavo relatório sobre taxa de ocupação, divulgado no final de outubro passado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) revisou suas estimativas e considerou que o número total de horas trabalhadas em 2021 sofreria uma redução de 4,3% dos níveis anteriores à pandemia, considerando-se os dados do quarto trimestre de 2019. Isso significa a perda de 125 milhões de empregos em tempo integral, 25 milhões a mais do que as estimativas divulgadas em junho. A queda no número de postos de trabalho varia para mais quanto maior for a desigualdade social da região em que se encontra o país, o que, no contexto da crise sanitária, motiva a entidade a pressionar pela distribuição mais equitativa das vacinas e maior proteção social. De acordo com o relatório, para cada 14 pessoas totalmente vacinadas no segundo trimestre de 2021, um emprego de tempo integral foi gerado no mundo. “Sem as vacinas, a perda de horas de trabalho em todo o mundo teria sido de 6% no segundo trimestre de 2021 e não os 4,8% realmente registrados”, declarou em comunicado.

Em outro relatório divulgado em maio de 2021, a Organização informou que o número de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão cresceu em 2020 em diversos municípios brasileiros, e a maior parte das autuações, comumente realizadas no Pará e Maranhão, ocorreram em Minas Gerais (com um terço dos 942 casos) e Distrito Federal (78). De acordo com o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela OIT, entre 1995 e 2020, 55,7 mil trabalhadores foram encontrados nessa condição de ‘escravidão’.

A produção de dados como esses e a promoção de boas condições de trabalho, seja com a elaboração de cursos para adoção de normas, parcerias para estudos de cadeias produtivas e cobrança de ações por parte de governos e empregadores, estão entre as atribuições da OIT. Criada em 1919, a entidade é a mais antiga entre os organismos internacionais. Para ser membro da organização o país precisa aderir à Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, adotada na Conferência de 1998. Esses direitos e princípios são “o respeito à liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a efetiva abolição do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação”, como define a Declaração. Dos 195 países existentes, 187 fazem parte da OIT.

As ideias presentes nessa declaração estão sintetizadas na Agenda de Promoção do Trabalho Decente da entidade, que funciona como um documento inicial para que cada país estabeleça seu plano de promoção do “trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”. O Brasil lançou seu plano em 2010.

Como funciona
A atuação da OIT junto aos países se dá por meio de recomendações, definidas a partir da maioria simples, e convenções, que requerem o aceite de pelo menos dois terços dos votantes. Uma vez que determinada convenção é aprovada, os países devem submeter a norma à incorporação em seu sistema jurídico, ou seja, ter aprovação do congresso nacional. O que não é algo simples. “As convenções do trabalho são documentos que, quando os países assinam, passam a assumir um caráter obrigatório que se transforma numa lei para dentro desse país. Então, o que a gente vem observando é que cada vez menos a OIT estabelece convenções porque elas são mandatórias e muito mais difíceis de serem aplicadas dentro dos países”, explica Marcela Pronko, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Norberto Ferreras concorda e cita, como exemplo, o fato de a Convenção 21, que trata do trabalho forçado, não ter sido ratificada pelos Estados Unidos. “E sem a presença dos Estados Unidos, essa convenção fica um pouco fraca”, avalia.

O Brasil tem 82 convenções da OIT ratificadas em vigor. Em seu site, a Organização informa que a única convenção importante da qual o Brasil não é signatário é a de número 87, que fala da liberdade sindical. Isso se deve a um debate de longa data mesmo entre sindicalistas, que entendem que a forma de organização proposta pela Convenção é diferente da prevista na Constituição de 1988, que fala em unicidade e reunião dos sindicatos em centrais. Por outro lado, o respeito à liberdade sindical no sentido da garantia de atuação e voz aos sindicatos já está aceito, uma vez que esse princípio está previsto na própria Declaração de 1998. Ao todo, a OIT tem 189 convenções aprovadas, mas muitas delas falam de trabalhos específicos, especialmente o marítimo. A discussão sobre resoluções e convenções é feita anualmente em Conferência na
sede do orgão em Genebra, na Suíça.

A OIT é o único organismo internacional que tem uma composição tripartite, que reúne representantes dos Estados nacionais, dos trabalhadores e dos empresários. Segundo Marcela Pronko, a opção por essa forma de organização foi influenciada pela doutrina social da Igreja Católica que, em duas encíclicas, uma de 1890 e outra de 1930, discutia as relações entre capital e trabalho e propunha uma discussão conciliadora entre as partes, em que o Estado apareceria como árbitro, com posição de neutralidade. “Na prática, o que a gente observa, numa perspectiva crítica, é que os governos nos países capitalistas tendem a favorecer as posições dos empregadores”, avalia.

Produção técnica
A produção de pesquisas sobre a situação de diferentes cadeias de produção e o respeito às normas estabelecidas, a projeção sobre o trabalho do futuro e a capacidade de inclusão dos esforços existentes estão entre os temas de estudos lançados pela OIT, função importante da Organização. A contribuição da OIT também inclui a produção de informes sobre o cumprimento das convenções e recomendações ao redor do mundo e esforços para a realização de cursos para que normas de segurança no trabalho e promoção da saúde, por exemplo, sejam cumpridas. “Do ponto de vista da produção de conhecimento, a OIT já teve mais [atuação], mas ela continua sendo um espaço interessante de observação e pesquisa sobre o que acontece com o mundo de trabalho. Sobretudo porque, como é uma organização tripartite, ela se alimenta dos dados que provêm das três fontes – governos, empresários e trabalhadores –, então pode alcançar o campo de missão muito maior do que qualquer outra iniciativa do tipo”, diz Pronko. O historiador Norberto Ferreras destaca ainda que o fortalecimento do caráter técnico da OIT permitiu a produção de documentos com dados mais detalhados sobre as diferentes categorias profissionais.

A diretora-adjunta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) Patrícia Pelatieri conta que, atualmente, a organização também discute uma padronização de coleta de dados sobre a situação de trabalho no mundo para que eles sejam comparáveis. “Nas conferências de estatísticas do trabalho – a última aconteceu em 2018 –, se discutem conceitos, definições e aprimoramento dos indicadores de mercado de trabalho. As pesquisas aqui realizadas não só pelo Dieese, mas pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] ou mesmo o Ministério do Trabalho, têm que se adequar a essas definições internacionais”, diz.

Capacidade de cobrança
Apesar de monitorar o cumprimento das convenções por meio de relatórios e observatórios, do trabalho infantil e do trabalho escravo, como ocorre no Brasil, a OIT não exerce poder de polícia. Ainda assim, a diretora adjunta do Dieese diz que “é importante o reconhecimento desses abusos por parte da OIT”. Segundo ela, esse posicionamento “tem peso” nos processos que são abertos internamente aos países. “A OIT é muito respeitada e isso faz diferença”, diz.

No Brasil, a recente Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) aprovada no governo de Michel Temer foi denunciada à OIT sob o argumento de que violava a Convenção 98, que trata da possibilidade de negociação coletiva. Em resposta, a Organização pediu que o governo realizasse estudos para indicar o impacto da mudança na legislação trabalhista e preparasse consultas para ouvir trabalhadores e empregadores. A principal repercussão da denúncia foi a entrada do Brasil na “lista suja” da entidade, o que colocou a situação do país na pauta de discussões das Conferências de 2018 e 2019. Em 2020 não houve reunião devido à pandemia, e em junho de 2021 foi anunciado que a denúncia não estaria na pauta da Conferência do final do ano, o que foi motivo de comemoração da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), entidade patronal com representação na OIT. A reação do governo brasileiro veio já no mandato do presidente Jair Bolsonaro, que negou qualquer violação da legislação trabalhista e considerou o pedido de explicações como um ataque à soberania do país.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021, que propõe que o Brasil deixe de ratificar a Convenção 169 da OIT. Essa convenção prevê a proteção das populações indígenas e quilombolas, não apenas do ponto de vista trabalhista, como também do seu direito à terra, e cobra que essas populações tenham voz sobre os rumos de seu desenvolvimento, estabelecendo a necessidade de consultas prévias sobre medidas administrativas e legislativas que as afetem diretamente, como no caso da liberação da mineração em terras indígenas. Nota técnica do Ministério Público Federal já manifestou posição contrária ao PDL.

Para Marcela Pronko, a OIT é importante nos casos “em que a atuação dos governos e dos empregadores é flagrantemente contrária a qualquer interesse trabalhista”. Nessas situações, diz, a entidade “pode ser um lugar de ajuda, acolhimento e reverberação das reivindicações, mas nos limites do que é feito dentro do capitalismo”. Garantir a liberdade sindical é o ponto forte da entidade, segundo Norberto Ferreras. “As discussões da OIT não têm uma repercussão tão forte como aquelas do Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas], que todo mundo fica sabendo. Mas a OIT cumpre um papel importante em dar visibilidade internacional a questões vinculadas com as liberdades sindicais”, diz.

Os países que mais conseguem cumprir as recomendações preconizadas pela OIT, de acordo com Marcela Pronko, são os do capitalismo central, em especial os países nórdicos. “Eles têm conseguido resguardar uma série de direitos relativos ao trabalho, que provêm de uma divisão internacional do trabalho que coloca esses países como historicamente beneficiados pela possibilidade de usufruir de uma riqueza que não necessariamente eles produzem, que é produzida nos países da periferia do capitalismo”, argumenta Há pouca formalização por parte da entidade sobre os passos que devem ser seguidos para se realizar denúncias, propor convenções ou fazer pedidos de estudos por parte dos trabalhadores, de acordo com Ferreras. Entre as experiências bem-sucedidas de denúncias de trabalhadores está a organização de empregadas domésticas da África do Sul e do Brasil, que conseguiram levar uma representação importante para a Conferência anual da OIT e tê-la aprovada em 2011. Dois anos depois, a Proposta de Emenda Constitucional 66/2012, conhecida como PEC das Domésticas, foi aprovada pelo Congresso brasileiro. A ratificação da Convenção 189, que trata do trabalho decente para empregadas domésticas, ocorreu em 2018 no Brasil.