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Entrevista: 
Gustavo Gindre

'Corre o risco de em 2025 a Oi devolver à União um fusquinha'

O jornalista Gustavo Gindre, membro do Coletivo Intervozes, explica nesta entrevista o processo de privatização da Telerj, o que desencadeou o cenário que vemos hoje, quando famílias foram despejadas de um prédio inutilizado há 10 anos, para um destino que não se sabe ao certo. Confira:
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 22/04/2014 12h34 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Retomando um assunto antigo, queria que você falasse um pouco sobre o processo de privatização da Telerj.

Primeiro houve uma emenda constitucional, de número 8, que quebrou o monopólio das empresas estatais de telecomunicações. Com isso, se liberou o processo de privatização do sistema Telebrás. Na época existiam diferentes propostas diferentes: uma era manter o sistema estatal, a outra era fazer mais ou menos o que os países europeus fizeram, que era criar um campeão nacional brasileiro, que acabaria com Telerj, Telemig... e criaria uma única empresa, que na época ganhou o apelido de Brasil Telecom, - embora tenha havido outra empresa com esse nome não foi essa empresa pensada - e a ideia era liberar o mercado para grupos econômicos estrangeiros e eles encontrariam aqui essa empresa de capital nacional. Esse é o modelo que tem na Europa hoje. Se você quiser abrir uma empresa na Inglaterra, você pode abrir, mas vai encontrar a British Telecom para concorrer, assim como cada país tem seu campeão nacional. E não foi esse modelo que o Brasil adotou. Ele adotou o modelo dos Estados Unidos, que curiosamente, o próprio EUA já tinha declarado um ano antes que não tinha dado certo. Em 1996, eles mudaram o modelo deles e o Brasil copiou o que tinha dado errado, fatiando o país em vários pedaços. O Sul e Centro-Oeste ficaram com a Brasil Telecom, o Sudeste e Nordeste com a Telemar, São Paulo com a Telefônica, e o outro pedaço que era de longa distância, DDD e DDI, ficou com a Embratel. Hoje a Brasil Telecom e a Telemar se fundiram, o que deu origem a Oi.

E este modelo de privatização prevê dois tipos de serviço: o prestado em regime público e o prestado em regime privado. A Lei Geral de Telecomunicações na época criou um serviço de regime público, que é o telefone fixo. O presidente da República se quiser criar outros serviços de regime público, pode criar através de decreto. Mas até hoje nenhum outro foi criado. Há uma luta grande para que seja criada, por exemplo, a banda larga em regime público, mas até hoje não há resposta. E qual a diferença entre um e outro? É que o serviço em regime público não tem preço, tem tarifa. E quem decide o valor é o governo, é o órgão regulador, e tem que ser universalizado, ou seja, qualquer lugar, por menor que seja, tem que ter telefone fixo. E o mais importante, é que a exploração é uma concessão pública e ao final desta concessão todos os bens que servem para o serviço têm que ser devolvidos à União. Isso é que chamamos de bens reversíveis. Então, em 2025 acaba o contrato de concessão de telefonia fixa e nesta data a Oi deverá devolver a União todos os bens relacionados à telefonia fixa.

Existe alguma manobra para que isso não ocorra?

Isso tem sido alvo de bastante polêmica por vários motivos. O primeiro é que cada vez mais o telefone fixo perde a importância. Imagina em 2025? É capaz de ninguém mais usar telefone fixo. Corre o risco de em 2025 a Oi devolver à União um fusquinha. Além disso, a Anatel não tem monitorado, como consta em uma ação da Proteste, esses bens reversíveis. O que está acontecendo, portanto, é que as empresas estão se desfazendo desses bens.

E de que forma isso acontece?

Vamos pegar o caso do prédio da favela da Telerj como exemplo. Ela teria que dizer para a Anatel o seguinte: para a prestação de serviço de telefonia fixa não é mais necessário que eu utilize esse prédio, então eu vou vendê-lo e sou obrigado a pegar o dinheiro da venda e reinvestir na prestação deste serviço, como, por exemplo, permitir baratear o valor das tarifas. Este bem não pertence à Oi. Ele foi cedido para a empresa para prestar um serviço. Se a Oi alega que esse bem não é mais necessário para prestar o serviço, das duas uma: ou ela devolve à União ou vende o bem e utiliza o dinheiro para abater o valor que os brasileiros pagam de telefonia fixa. Ocorre que na prática isso não está acontecendo. Elas estão vendendo à revelia. E a Anatel não tem a menor ideia se este dinheiro está sendo investido na telefonia fixa ou virando lucro. E se pensarmos que a Oi é uma empresa altamente endividada e hoje está passando por um complicado processo acionário, tentando desesperadamente conseguir dinheiro no mercado de ações - o cálculo é que ela precisa vender R$7 bilhões em ações - ela vai ter que mostrar para o mercado acionário que ela é uma empresa que dá lucro. Então, ela vai vender até a mãe se precisar para poder demonstrar isso. Por isso, esse prédio, não tenha dúvida, será utilizado para mostrar que ela está diminuindo a dívida dela e não para beneficiar nenhum usuário de telefonia fixa.

O prédio é publico, embora esteja concedido à Oi.Como isso poderia ser evitado?

Ele já está cedido a Oi. Desde 1998, quando era Telemar, e agora a Oi. Estando cedido, a Oi tem o direito de ir à justiça pedir reintegração de posse. Esse direito ela tem. À justiça que caberia a decisão de concedê-la ou não, porque há pessoas morando e porque ele foi cedido para uma finalidade e não está sendo utilizado, portanto, que devolva a União. Assim como a União poderia se posicionar diante dos 10 anos em que o prédio não vem sendo utilizado para a finalidade que foi concedido. Se ela não está usando, logo não tem motivo para ela ter a posse desse prédio.

Você tem outros exemplos de que a Anatel não tem controle e das ações da Oi?

O que está acontecendo é o seguinte: a Oi está substituindo a infraestrutura antiga por uma nova, em que a finalidade principal é a internet. Quando chegar em 2025, ela não vai devolver estrutura nenhuma porque praticamente não vai haver telefonia fixa. Para ter uma ideia, uma das gigantes de telefonia nos Estados Unidos, a Verizon, acabou de pedir à FCC (a Anatel de lá) para desligar o telefone fixo de uma cidade do Alabama para começar a fazer o projeto piloto de desligar a telefonia fixa no país.

Ainda há como retomar este prédio para que ele retorne às famílias? E como exigir da Anatel o controle destas vendas?
É preciso checar com a Proteste a quanto anda este processo. Quais os casos que ele comprovou de falta de monitoramento dos bens reversíveis. A Anatel há uns dois anos reconheceu que não tinha esse banco de dados. É preciso, então, saber o que ela fez de lá para cá. E depois é começar um processo de denúncia em relação ao destino deste prédio. Ou ele fica com as famílias ou a Oi garante que ele será usado para serviços de telefonia fixa. O que não pode é a Oi vender esse prédio e não investir os recursos na melhoria da telefonia fixa.