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Entrevista: 
Daniel Cara

'Falta seriedade no debate sobre financiamento da educação por parte do governo'

Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à  Educação, Daniel Cara fala sobre a manobra do governo na Câmara para impedir a votação de projeto de lei que destina recursos do pré-sal para a educação.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 12/07/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A disputa pelos royalties da exploração do petróleo no Congresso teve mais um episódio anteontem à noite. Quando tudo indicava que os deputados aprovariam o Projeto de Lei da Câmara, que prevê mais recursos dos royalties para a educação e a saúde, recusando o substitutivo que veio do Senado, o governo lançou mão de um mecanismo previsto no regimento da Casa chamado ‘obstrução’, adiando a votação para a próxima terça-feira. O que está em jogo é uma polêmica em torno de qual será o texto do Projeto de Lei, se o da Câmara, que segundo analistas traria R$ 225 bilhões a mais em recursos para a educação até 2022 – sendo R$ 5,9 bi só em 2013 - ou o do Senado, com apoio do Executivo, que significaria R$ 100 bilhões a mais até 2022, ou seja, R$ 125 bilhões a menos do que o projeto da Câmara. Este último tem o apoio dos movimentos sociais da educação, que veem nele um caminho para viabilizar o cumprimento da meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE) de destinar 10% do PIB para a educação. É o caso da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cujo coordenador-geral, Daniel Cara, acompanhou a votação de anteontem na Câmara e, nessa entrevista, fala sobre a “manobra” do governo para suspender a votação e sobre o que ele espera desse debate daqui pra frente.

Qual foi a ação do governo para suspender a votação do Projeto de Lei sobre os royalties na Câmara?

Basicamente, foi evitar a votação num dia em que o governo sabia que perderia para realizar a votação na próxima semana com um quórum baixo de parlamentares, por causa do recesso. Os deputados do PT e do PMDB declararam que estavam em obstrução para não votar: isso significa não estar presente no Plenário para que não tenha quórum. Quando você declara que está em obstrução e sai do Plenário, você inviabiliza a sessão, e com isso eles travaram a votação para que na próxima semana seja retomado o texto do Senado. Para isso, o PMDB fez uma emenda substitutiva que traz o texto do Senado novamente para a Câmara. Os parlamentares têm avisado a gente de que o governo está desmobilizando os parlamentares da base aliada ligados à educação, pedindo para eles não comparecerem à votação. A oposição vai, mas ela é minoritária. Com isso, a base aliada consegue constituir quórum, colocar o projeto em votação e votar contra a educação. Para nós, era melhor votar o mais rápido possível, mas diante dessa manobra, é melhor votar em agosto, depois do recesso parlamentar. Se votar na terça-feira, a gente vai perder. Então vamos ter que lutar para conseguir adiar a votação por causa dessa manobra ‘esperta’, que garante a ausência dos parlamentares da oposição.

A presidente já havia prometido mais recursos à educação em resposta às manifestações. Nesse contexto, como você avalia o custo político dessa manobra para o governo diante da população que sai às ruas cobrando educação de qualidade?

O governo vai dizer que quem não quis votar foi a oposição. É triste quando o debate fica vinculado a posições exclusivamente relacionadas ao interesse eleitoral, que é o que está acontecendo. Nos seus pronunciamentos, a presidente Dilma na verdade estava defendendo um projeto que, se muito, vinculava R$ 25,8 bilhões para a educação em dez anos, e dizia que com esse projeto ia viabilizar o PNE [Plano Nacional da Educação]. Foi demagogia. Falta seriedade no debate sobre financiamento da educação por parte do governo, ele quer conquistar a opinião pública, mas não quer viabilizar de fato os recursos. Consideramos isso uma grande falta de compromisso com as demandas sociais e com o processo democrático participativo. O governo já deixou clara sua posição, que é de truculência, pouco diálogo, pouca capacidade de análise institucional, pouco programa. Se o governo precisa de caixa, é porque construiu uma política de desoneração absurda, e a sociedade paga a conta.

Quais são os pontos de divergência?

O que a gente quer são os royalties e participações especiais e o excedente em óleo do Fundo Social do pré-sal. O governo federal topa tudo menos o excedente em óleo, porque ele é o ‘bilhete premiado’. No texto do Senado, são só os royalties e participações especiais das áreas de concessão e a gente quer tudo, quer o excedente em óleo também. A luta agora é pelo excedente em óleo. E se for aprovado o destaque do PMDB, entram só os rendimentos do Fundo Social. Se não for aprovado o destaque do PMDB, aí é o todo do Fundo Social.

O Fundo Social do pré-sal interessa ao mercado e o governo está preocupado em fazer dele uma máquina de superávit primário. O governo tem seus compromissos de mercado e não vai abrir mão deles. E quando tem mercado contra direitos sociais esse governo, igual a todos os anteriores, acaba optando pelo mercado. A gente não teve governo que fosse efetivamente contrário aos interesses do mercado. No governo Lula equilibrou um pouco mais, mas no governo Dilma, é mercado e ponto final, não tem discussão. A gente só está pedindo metade do fundo até o final do PNE. Mas a presidente não se contenta em dar metade para a educação, ela quer dar tudo para o mercado.