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Entrevista: 
Cristiane Cabral

'Há várias formas de diminuir a gravidez na adolescência, mas nenhuma delas é deixar de fazer sexo'

Uma canção de ninar embala cenas de jovens estudando e se divertindo, até que uma narração corta o clima, abruptamente: “Gravidez não combina com adolescência e traz consequências para toda a vida. Informe-se. Reflita. Converse com sua família. Planeje seu futuro e procure orientações numa unidade de saúde. Adolescência primeiro. Gravidez depois”. A peça publicitária, veiculada estrategicamente no início de fevereiro, mês do carnaval, faz parte da campanha contra a gravidez na adolescência ‘Tudo tem seu tempo’ e abre o Plano Nacional de Prevenção à Iniciação Sexual Precoce, encabeçado pelo ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pelo ministério da Saúde. O material não faz menção ao uso da camisinha ou de qualquer outro método contraceptivo – não à toa. Como pano de fundo da campanha, ressurge uma política tão improvável no comportamento quanto infundada na teoria, como mostram experiências anteriores: a abstinência sexual. Embora o termo tenha sido evitado pelos ministros à ocasião do lançamento, os indícios são claros. Uma nota técnica da Pasta comandada por Damares, produzida no início do ano para orientar a publicidade, afirmava que o início precoce da vida sexual leva a “comportamentos antissociais ou delinquentes” e “afastamento dos pais, escola e fé”. Para esmiuçar a origem e consequências de tal medida e tentar compreender o contexto atual da abordagem sobre sexualidade na juventude, conversamos com Cristiane Cabral, professora do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP) e vice-coordenadora do Grupo Temático Gênero e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a Abrasco. Pesquisadora das áreas de juventude, gênero, família, contracepção, reprodução e sexualidade, ela é taxativa: “É um pensamento reducionista achar que a iniciação precoce leva à gravidez não planejada”. E revela que o Brasil está há quase 15 anos sem realizar estudos aprofundados sobre reprodução e sexualidade que pautem as políticas públicas: “Estamos num mato sem lanterna”.
Beatriz Mota - EPSJV/Fiocruz | 12/03/2020 11h56 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

Não é a primeira vez que a política de abstinência dá as caras no Brasil. Durante a Copa do Mundo em 2014, por exemplo, o Ministério da Saúde permitiu a distribuição de um manual da Fifa que pregava a abstinência e fidelidade para prevenção do HIV-Aids – orientação em desacordo com a política adotada até então no país. Qual é a origem do discurso de abstinência como medida preventiva em saúde? Em algum momento essa política apresentou bons resultados?

A política de abstinência como uma estratégia de prevenção tem origem numa proposta de combate à epidemia do HIV da virada dos anos 1980 para os 90. Foi a política ABC, criada nos Estados Unidos e exportada para outras regiões, principalmente a África, como sendo a grande chave do combate à Aids. Ela pregava abstinência, fidelidade, parceiro único, espera do casamento – como se casamento significasse parceria única – e, por fim, o uso da camisinha. À época, poucos países adotaram a política, que não deu certo. A ideia caiu por terra, pois, em paralelo, havia outras formas de combate ao HIV que foram bem mais efetivas: as políticas baseadas em direitos humanos, principalmente na camisinha universal, como a gente fez no Brasil. Tempos depois, no governo Bush [2001 a 2009], a ideia voltou para tentar diminuir a gravidez na adolescência nos EUA – um tema que incomoda bastante por lá porque, entre os países ditos de economia desenvolvida, eles têm uma taxa altíssima de gravidez na adolescência e não conseguem baixar. Então, vira e mexe, eles ressuscitam a política da abstinência – no contexto de um país bastante protestante, nós não podemos esquecer. Com o governo Obama [2009-2017], a abstinência perdeu força novamente e a política tomou a direção da educação sexual para os jovens. Com a chegada do Trump, em 2018, entretanto, nós sabemos que os direitos sexuais estão sob ataque no mundo inteiro. Criou-se um inimigo comum, chamado ideologia de gênero, e falar de sexo, sexualidade e gênero começou a ser muito mal visto. E aí nos pegamos resgatando ideias ultrapassadas, como esta que chega ao Brasil. Se é verdade que virá um Plano Nacional de Prevenção à Iniciação Sexual Precoce, como a Damares anunciou, a abstinência será, sem dúvida, o carro-chefe. Por mais que sua equipe tenha recuado em falar esta palavra. Eles são muito habilidosos em vender o projeto deles a partir de argumentos nossos – que recomendam a dimensão dos direitos: do direito à informação, do direito a decidir quando iniciar a vida sexual...Mas a partir de um contexto de preparação para sexualidade e não do tabu.

No mundo, temos hoje uma média de 46 nascimentos para cada mil adolescentes e mulheres jovens. A taxa no Brasil é alta, chegando a 68,4. Os números do Ministério da Saúde, entretanto, mostram uma queda nas gestações entre os 15 e 19 anos. Em 2000, foram 721.564. Em 2018, último ano da série, foram 434.573. Apesar do alarmismo em torno do tema, esses números podem indicar efetividade das políticas de combate à gravidez precoce no país?

Há vários elementos que influenciam a taxa de fecundidade de uma população. Primeiro, temos que entender a magia dos números. Nos anos 90, tivemos um boom de grávidas adolescentes, quando houve a onda jovem – um contingente populacional juvenil muito grande e inchado. Quando essa onda acabou, a quantidade de jovens diminuiu e, portanto, o número de adolescentes grávidas também. Um outro ponto é que nós temos uma taxa menor de gravidez e de partos porque há um elemento novo no cenário: a contracepção de emergência, que entrou no Brasil em 1999 – ainda que seja de difícil acesso no SUS, mais adquirida nas farmácias privadas. É um dispositivo legal e seguro para prevenir uma gravidez imprevista – muito embora a ministra tenha demonizado a contracepção de emergência, o que é escandaloso. Damares disse que o uso é indiscriminado, “como água”, mas a verdade é que essa é uma fantasia, pois não temos dados científicos neste sentido.

Em que dados se pautam as campanhas sobre sexualidade realizadas hoje no Brasil? Como estão os estudos sobre o comportamento reprodutivo dos brasileiros, no âmbito do governo federal? Sabemos como está o uso de camisinhas e outros preservativos pelos jovens, por exemplo?

A gente não tem nenhum estudo populacional neste sentido desde a PNDS [Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde] de 2006. Esse é um estudo na área de comportamento reprodutivo que deve ser feito a cada dez anos, mas não foi realizado em 2016... Não se fala mais sobre Aids no Brasil. Saiu da pauta, saiu das campanhas. Temos um silenciamento a respeito das ISTs [infecções sexualmente transmissíveis], a tudo que diz respeito à sexualidade. Tanto é que temos hoje uma explosão de sífilis. Os últimos dados disponíveis que temos a respeito do uso de camisinha são da PeNSE [Pesquisa Nacional de Saúde Escolar], realizada pelo IBGE em 2015. [A pesquisa mostra que, dos estudantes que já tiveram relação sexual, 61,2% usaram preservativo na primeira vez, sendo maior o uso pelas meninas (68,7%) do que pelos meninos (56,8%). Quando se considera a última relação sexual, o percentual de estudantes que usaram preservativo aumenta para 66,2%. No entanto, observa-se queda em relação a 2012, quando esse percentual foi de 75,3%.] O problema é que a pesquisa só trabalha com dados escolares, quando existe um contingente imenso de jovens fora da escola que não é questionado... Nós estamos em um mato sem lanterna.


Historicamente, quando a gravidez de adolescentes se tornou um problema social,uma questão de saúde pública?

O debate sobre a gravidez na adolescência se torna um problema de saúde pública nos anos 90, quando os números crescem por causa da onda jovem. É quando a taxa de fecundidade de 20 a 24 anos e de 25 a 29 foi caindo, e 15 a 19 se mantendo, chegando até a subir. Isso causou alarme e contribuiu para a ideia de gravidez na adolescência como problema social, mas não foi a única causa. Nos anos 2000, se dá uma concepção de juventude – na qual a gente aposta até hoje – como esse momento de preparação para a vida adulta, que tem que ser dedicado aos estudos, à escolarização para conseguir melhores postos de trabalho e, então, produzir a autonomia financeira que permitirá uma autonomia em relação à família e à própria constituição do núcleo familiar. É a trajetória idealizada dos jovens. Então, quando há uma gravidez no meio dessa trajetória, quando ela não era para acontecer, perturba. Mas quando colocamos lente para olhar estas juventudes, vemos como são heterogêneas, como existem várias formas de ser jovem, de se preparar para a vida adulta. De 1999 a 2006, realizamos a pesquisa Gravad [Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil, feita pela UFBA, UFRGS e Uerj], que até hoje é o único estudo populacional com jovens pensando sobre comportamento sexual e reprodutivo do Brasil. Os estudos foram realizados diante do contexto do boom da gravidez na adolescência e quebraram muitos mitos. Há núcleos de casais constituídos com 15, 16, 17 anos que já viraram adultos. Esse jovem que já começou a trabalhar antes e não tem nenhuma possibilidade de se escolarizar, ou que considera a escola muito chata para ele, que foi trabalhar para ajudar dentro de casa... É um grande problema, portanto, quando se pensa a juventude de forma linear: crescer, estudar, arrumar um bom trabalho, sair de casa... Não necessariamente é isso que vivem os jovens de contextos sociais distintos. Então, em algumas trajetórias, a gravidez vai ser um problema? Vai. Em outras trajetórias, a gravidez vai ser uma solução? Vai ser acerto de rota e não desvio de rota, como sempre se preconiza.


O quanto o contexto socioeconômico interfere nas percepções e estudos sobre a gravidez não programada?

Parece que foi proibido falar em pobreza na campanha de agora. Nós sabemos que temos questões estruturais que precisam ser enfrentadas. Então, o contexto social importa muito: a pobreza é causa e consequência, ao mesmo tempo, porque faltam equipamentos sociais, falta uma educação de qualidade, falta um bom serviço de saúde com profissionais competentes para orientar aquela moça, quando for procurar uma contracepção de emergência. A campanha do governo diz ‘Procure uma unidade de saúde’, mas os profissionais estão prontos para receber os jovens? Fizeram algum tipo de treinamento para as equipes das unidades básicas de saúde? A gente vê jovens na unidade de saúde? Não, e quando os jovens entram eles são recebidos com um ‘Você não deveria estar aqui’.


Em 2016, o projeto ‘Nascer no Brasil’, coordenado pela Fiocruz, mostrou que 66% das gestações em adolescentes não eram desejadas. Há um senso comum que aponta para falta de informação como causa da gravidez na adolescência. Essa conclusão procede? 

Temos que tomar cuidado com o termo gravidez indesejada. Uma gravidez inesperada, imprevista, pode se tornar desejada no percurso. Pensando nas gravidezes imprevistas, também é importante lembrar que esse não é um fenômeno da mulher jovem. ‘Nascer no Brasil’ mostrou também que 55% de gestações são imprevistas também para mulheres adultas. Assim como esse não é só um fenômeno juvenil, ele também não ocorre só no Brasil. Na França, por exemplo, quase 50% das gestações também são imprevistas, um percentual alto. E o que isso mostra? Que não basta ter informação para possuir um bom manejo da capacidade reprodutiva. Há vários fatores para que aconteça uma gravidez: a começar pelo encontro heterossexual, vários tipos e níveis de negociação no âmbito desse par... Nós precisamos desenvolver autonomia, informação, ter autodeterminação, para poder estar nesse relacionamento... E não conversamos sobre isso! É como se todo mundo já nascesse sabendo como lidar com as questões afetivo-sexuais. Precisamos tocar nessas dinâmicas e nas tensões desses encontros. Numa relação amorosa, afetiva – como a gente quer supor que é de onde partam a maioria das gestações –, há negociações de diversas ordens, do tipo, ‘Eu quero ter um filho agora’, ‘Me dá um filho como prova de amor’, ‘Eu quero ser pai do teu filho’... Tudo isso está misturado no conceito de gestação imprevista.

A questão comportamental, portanto, precisa estar na equação tanto quanto a informação, assim como o uso de métodos contraceptivos. E aí entramos em outra conversa, já que as mulheres não são um conjunto homogêneo. Há métodos mais apropriados para determinados perfis e estilos de vida do que para outros, e nós precisamos ter um leque à nossa disposição – o que raramente acontece. Embora o SUS diga que tem todos os métodos, nós continuamos focados na pílula anticoncepcional... Enfim, para ter controle reprodutivo não basta a dimensão individual: tem também a dimensão relacional e a dimensão de políticas públicas de saúde – acesso à informação, acesso a métodos, boa formação, políticas educacionais... É muito importante chamarmos a atenção para o fato de que essa não é uma ‘escolha’ a partir de processos apenas individuais.


A campanha do governo propõe reflexão aos jovens (“Reflita”, “Planeje seu futuro”), o que sugere sua autonomia – argumento que permeia essa e outras políticas para a juventude, não só na Saúde. São liberdades questionáveis, geralmente, pois a autonomia (neste caso, sobre o próprio corpo) de escolha pressupõe informação, oportunidade e todas essas premissas traçadas por você...

A produção da autonomia juvenil tem vários meandros. Se eles desejam a promoção da autonomia, a escolarização é fundamental. Bem como a perspectiva de futuro. Mas qual é perspectiva de futuro dos nossos jovens? Quem são esses jovens? Muitas vezes, a perspectiva de futuro dele ou dela é realmente ter logo um filho para casar e ter sua casinha e sua autonomia naquele par conjugal. Precisamos olhar também com cautela para as gestações nas meninas de dez a 14 anos, com uma considerável proporção delas sendo frutos de violência sexual dentro de casa. Nós já aprendemos, nessas décadas, que a violência sexual acontece por pessoa conhecida. E o Ministério da Saúde não toca nesse assunto. Então precisamos entender que há muitos contornos para além dessa construção da autonomia juvenil. Outra coisa que me chama atenção nessa campanha é a fala de ‘Converse com a sua família’. Mas quem são essas famílias? Imagino que a ministra tenha apenas um modelo de família na cabeça, mas nós temos uma diversidade fantástica de famílias e possibilidades. E, diante desse clima conservador que vivemos, o sexo é ainda um grande tabu nos seios das famílias. Eu imagino que aquela máxima que eu ouvi quando era jovem ‘Segure suas cabras que os meus lobos estão soltos’, ou outras frases absurdas como essa, ainda vigorem... As famílias têm dificuldade de conversar e de fazer essa preparação para sexualidade.


Além de jogar para a família a responsabilidade da conscientização, o governo tem recuado no sentido de disseminar informações. Uma nota técnica produzida pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para orientar a campanha sustenta que ensinar métodos contraceptivos para essa população “normaliza o sexo adolescente” e desaprova a educação sexual nas escolas. Em 2019, o presidente Bolsonaro atacou a Caderneta de Saúde do Adolescente – que teve mais de 32 milhões de exemplares distribuídos em unidades básicas de saúde ao longo de dez anos e contém informações sobre puberdade, sexo seguro e prevenção da gravidez precoce...

Isso se pauta em uma outra representação equivocada que volta: a de que falar sobre sexo e sexualidade vai incentivar o início da vida sexual. Falar sobre sexo não tem o propósito de retardar ou não a relação sexual, mas acaba favorecendo um início com proteção. Trata-se de estar menos interessado na idade em que se vai iniciar, mas que se inicie com segurança e proteção. Deixar de falar não vai diminuir a curiosidade, ainda mais hoje, com tanta rede social, informação na web. Nós precisamos de informação qualificada em todos os lugares possíveis. Há várias formas de diminuir a gravidez na adolescência, mas nenhuma delas é deixar de fazer sexo.


Existe relação entre a idade da iniciação sexual e a taxa de gravidez não planejada na adolescência?

Sou taxativa: nenhuma. Gosto de citar, para isso, um estudo realizado na virada dos anos 2000 comparando os EUA com a Holanda, explicando as formas diferentes de conceber e lidar com a sexualidade juvenil pelos pais e pela política do Estado. Os dois países têm idade da iniciação sexual semelhante e o mesmo tipo de desenvolvimento econômico. Mas a taxa de gravidez na adolescência na Holanda era oito vezes menor do que nos EUA. E qual é a interpretação da pesquisadora Amy Schalet para isso? A concepção diferenciada sobre sexualidade, a possibilidade de educação sexual que começa muito cedo na Holanda, o modo como os pais lidam com essa discussão e o apoio das unidades de saúde e da escola nesse contexto da sexualidade juvenil. É um pensamento reducionista achar que a iniciação cedo leva à gravidez não planejada. Achar que A leva a B. Porque há vários outros elementos em que A não leva diretamente a B. Não é porque o jovem começou a vida sexual que, portanto, está exposto e irá engravidar. O intervalo entre o início da vida sexual e uma primeira gestação varia em função de vários contextos: onde temos menos recursos, o intervalo entre o início da vida sexual e a gravidez é menor; onde temos mais recursos, esse intervalo é maior e a gravidez nem chega a acontecer.


A exemplo deste caso da Holanda, e no contexto brasileiro de pós-verdades como o kit-gay, é importante esclarecer: o que abrange a educação sexual nas escolas? Por que é importante que esta educação se dê desde a infância?

Tem algo que é inevitável: em algum momento, o corpo muda. E aí surgem questões, dúvidas. Mas, para além das mudanças fisiológicas e biológicas, precisamos entender as aproximações entre as pessoas: o que é uma vivência afetiva, o que é um relacionamento amoroso… Coisas sobre namoro, aproximação entre os pares, o despertar do afeto em relação ao outro – independentemente do sexo. O respeito ao corpo e ao limite do outro. As tramas da interação, o entendimento das emoções, sentimentos e experiências pelas quais o jovem esteja passando. Tudo isso é educação sexual. O primeiro beijo é educação sexual? Sim, mas não do jeito moralista que fala que se você beijar vai pegar sapinho. Tem outras formas de abordagem porque haverá o desejo, sim. O jovem vai querer explorar o próprio corpo, sim. Vai ter interesse no corpo do outro, sim. As infecções sexualmente transmissíveis existem, sim. Em um encontro heterossexual a gravidez pode acontecer, sim. Então a dimensão da prevenção tem que estar presente. O jovem tem que saber que existe, como fazer, onde ter acesso ao método contraceptivo... Idealmente, ter acesso ao alcance da mão, não é mandar pegar um ônibus para ir lá longe buscar uma camisinha... Isso nunca vai dar certo.


Nas redes sociais, as principais críticas à campanha abordam o fato de ela ser restrita a padrões heteronormativos, e, além disso, ter discurso voltado para as mulheres, apenas...

Eles estão pensando apenas no sexo vaginal e a sexualidade é muito mais do que isso. Existem outras formas de prazer, bastante disseminadas. Você tem o sexo anal, a masturbação, o sexo homossexual... Tudo bem, a gravidez – foco da campanha – precisa do sexo heterossexual, mas se o discurso fosse um pouco mais amplo abrangeria esse tema e muitos outros sobre a sexualidade juvenil... Se falarmos em sexualidade com prazer, entendendo que isso implica responsabilidade consigo e com o outro, já englobamos todas as questões sexuais mais importantes. Inclusive, tirando o peso das costas apenas das meninas, pois embora apareça um rapaz na publicidade, fica muito claro que o discurso é construído só para as mulheres. Na nossa sociedade, ainda paira essa ideia de que a responsabilidade sobre a gravidez é sempre feminina. Até mesmo em casos envolvendo violência sexual – ‘ela não deveria estar na rua com aquela roupa, naquele horário’. Está no senso comum. Temos, nos últimos 30 anos, tentado dizer: ‘Olha, o tema da reprodução afeta os homens’, desde a Conferência do Cairo [da ONU, sobre População e Desenvolvimento], em 1994]. Nós temos que conversar que essa responsabilidade é de ambos e que esse aprendizado – o que eu chamo de manejo da capacidade reprodutiva –, também tem que ser de ambos. Não adianta fazer políticas nacionais genéricas, os homens têm que ser colocados dentro dessa conversa, chamados de forma clara e específica. Eu até hoje não vi isso em campanha de saúde relacionada à gravidez.