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Entrevista: 
Andreia Neiva

'Não é uma questão momentânea, é um processo histórico de roubo de água'

A cidade de Correntina, no oeste da Bahia, ganhou as manchetes dos jornais no final do ano passado, depois que mais de 10 mil pessoas – cerca de um terço da população do município – saíram às ruas para protestar contra o uso da água de rios para irrigação de grandes propriedades rurais da região. O protesto aconteceu nove dias depois que um grupo de mil pessoas ocupou uma fazenda, a Igarashi, que os moradores acusam de ser responsável pela queda na vazão de rios da região, principalmente o Arrojado e o Correntina. Segundo as comunidades ribeirinhas e de fundo de pasto, a fazenda vem extraindo muito mais água do que permitem as outorgas concedidas pelo órgão ambiental baiano, o Inema, para irrigação de culturas extensivas como soja, café e algodão. Os moradores acusam o Inema de falta de fiscalização sobre a extração de água da região, que vem gerando conflitos com as comunidades da área. A maneira como a ocupação foi retratada pela mídia e por políticos da região, que acusaram de “vândalos” e “terroristas” os trabalhadores que participaram da ação na Fazenda Igarashi, foi o estopim para o ato que tomou as ruas da cidade. Nesta entrevista, realizada durante o Fórum Alternativo Mundial da Água, que aconteceu de 17 a 22 de março em Brasília, a moradora de Correntina e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Andreia Neiva, fala sobre os conflitos pela água na região, que segundo ela vêm de longa data, e envolvem, como em muitas outras fronteiras de expansão do agronegócio no país, grilagem de terras, assassinatos de lideranças camponesas e ribeirinhas e o desrespeito aos territórios de populações tradicionais.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 27/03/2018 16h21 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Amanda AlvesQual é o histórico do conflito pela água em Correntina?

O mundo conheceu Correntina no dia 2 de novembro de 2017, aí não entendeu o que estava acontecendo. Alguns ficaram chocados de forma negativa, outros surpresos e apoiando a atitude dos trabalhadores, dos camponeses da cidade. Mas pra gente entender o dia 2 é preciso fazer um resgate histórico. Naquela região, há pessoas que ocupam o território há mais de 100 anos, algumas comunidades tem até 200 anos. Moram naquele território ribeirinhos e também comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto. E são grandes extensões de áreas consideradas pelo governo estadual como áreas devolutas. Como elas são devolutas se tem um povo que mora ali há mais de 100 anos? A gente não tem o documento que é reconhecido oficialmente, mas elas são nossas. E aí, por conta das políticas de desenvolvimento na década de 1970, durante a ditadura militar, eles fatiaram o oeste da Bahia para grupos de empresários do agronegócio, que chegaram lá com 'documentos' de terra. São documentos grilados. Como é que não comprou na mão de ninguém e tem o documento, sendo que os donos da terra não venderam? Foi ficando um negócio tão absurdo, as terras foram sendo repassadas pra vários outros grandes produtores e os conflitos só foram aumentando.

Esse período, então, foi muito conflituoso, com muitas perseguições, muitas violações de direitos humanos, assassinatos, desaparecimento de pessoas. Em 1977 Eugênio Lyra, advogado da AATR [Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais], foi assassinado na frente da mulher grávida. No dia seguinte ele iria depor como testemunha a favor dos trabalhadores contra um grileiro e foi assassinado. Em 1983 teve o caso do Zeca de Rosa, um camponês, trabalhador rural, que tinha entrado em conflito com um fazendeiro por causa de uma área que eles chamam de Aguado, que é onde parte da comunidade tinha acesso à água, tanto pra consumo próprio, quanto pros animais. No conflito com os pistoleiros ele também foi assassinado. Fora as outras pessoas que desapareceram e a gente não sabe o que aconteceu, simplesmente sumiram. Eu já nasci no meio da confusão, em 1983. Na década de 1990, embora tenha diminuído com relação à ditadura, o agronegócio avançou muito nas áreas das comunidades. Na década de 2000, eles não se contentando com o que já tinham roubado de terra, começaram a investir no que sobrou pras comunidades tradicionais. O que tinha restado pras comunidades tradicionais, agora eles estão fazendo uma nova investida, uma nova grilagem nas áreas que ficaram. Aí muitos problemas estão acontecendo.

Por exemplo?

Em 2012, se não me engano, os trabalhadores subiram pra soltar seu gado nos fechos, porque lá eles criam os animais assim, são comunidades de fundo e fecho de pasto. Nos períodos que a gente tem alimento pro gado cá em baixo, cria-se aqui, mas quando o pasto aqui acaba, solta nas áreas em cima. E numa dessas idas dos trabalhadores, quando eles chegaram na área, tinha um monte de pistoleiros armados. Eles renderam os pistoleiros e levaram para a delegacia e fizeram denúncia, boletim de ocorrência. Nunca se investigou, nem uma denúncia dos trabalhadores foi investigada. Em paralelo à  grilagem, as empresas têm total liberdade de acessar o quanto de água elas quiserem – e elas sempre dizem que estão legalizadas, que a lei permite. Os empreendimentos fazem pedido de licenciamento pra desmatamento e para outorgas de extração de água, e o governo concede, tudo com base na lei. Só que a gente que mora ali sabe. Tem lugares no rio onde eu cresci, onde me banhei a vida inteira – até os 15 anos de idade tomei banho de rio todo santo dia, porque a gente não tinha água encanada. Hoje a gente vê pedras que eu não sabia que existiam. A fonte onde a gente lavava pratos, lavava roupa, está recuada mais de 3 metros. A vazão do Rio Correntina diminuiu muito. Mas essa é a realidade de todos os rios, não é um caso isolado. Todos os rios da região oeste da Bahia estão morrendo, muitos riachos já secaram. Eu já nadei no riacho que passava no fundo da casa da minha avó, a gente pegava peixe quando era criança. Só corre água agora em enxurrada. Muitos outros já morreram. Não é uma questão momentânea, é um processo histórico de roubo de água. Eles roubam a água de forma legalizada, se escondem nesse discurso de que é legal, mas a gente tem certeza que não é legítimo e, paralelo ao roubo das terras, a gente está vendo os rios morrerem.

O Estado, subserviente ao agronegócio e omisso às necessidades dos trabalhadores foi que gerou o problema. A culpa não foi nossa, a culpa foi do Estado e do agronegócio. A gente só reagiu.

A cidade enfrenta falta de água, racionamentos?

Não chegou a ter falta de água, reagimos antes que isso acontecesse. A gente não tem que esperar o leite derramar pra chorar. A gente está vendo que se não fizer nada, o leite vai derramar. Não dá pra esperar acontecer.

Uma coisa curiosa que acontece no Formoso, que também é um rio lá do oeste da Bahia: no domingo o volume de água do rio aumenta, durante a semana diminui. Isso a olho nu, não precisa nem ser estudioso do assunto. Essas pessoas que usam o rio todo dia, elas sabem onde a água bate, elas sabem qual a pedra que fica de fora e qual não, e a gente percebe isso a olho nu. Mas por que no domingo o rio aumenta? Eles desligam os pivôs [que irrigam as monoculturas], porque os trabalhadores também têm direito à folga. No Rio Formoso, acontece, no Rio Arrojado, acontece, no Rio Correntina, acontece.

Foram feitas denúncias na delegacia contra os pistoleiros, foram feitas denúncias junto ao INEMA [Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia], que é o órgão ambiental que faz as liberações. A gente já fez ocupação do INEMA, denunciava, protocolava ofício. Não acontecia nada.  Em março de 2015, 500 pessoas ocuparam o INEMA e exigiram que o secretário fosse na região pra nos ouvir. O secretário não foi de imediato, mas agendou. A gente fez uma audiência pública em Santa Maria da Vitória, no mês de julho. A gente tem o documento protocolado com as nossas reivindicações para o secretário e nada se encaminhou. Em 2015 ainda a população de Correntina saiu às ruas, colocou mais de 5 mil pessoas, para uma cidade que toda a população chega a 31 mil habitantes. Teve uma outra audiência pública. O Comitê de Bacias do Rio Corrente fez uma deliberação falando pro INEMA: “não se outorgue mais nada, não se retire mais nada de água dos rios, não dê mais liberação de nada, suspenda tudo e fiscalize o que já foi feito”. O comitê deliberou que fosse feito um estudo de viabilidade hídrica para saber o que tem de água na região. Aí o INEMA fez vistas grossas, apesar da deliberação do Comitê de Bacias do Rio, e nada foi feito. O Estado da Bahia não sabe o que tem de roubo de água, porque aquilo pra gente é um roubo.Só que o povo faz ocupação, faz manifestação, faz audiência pública, faz passeata, faz denúncia, e nada O Núcleo de Defesa do São Francisco, do Ministério Público estadual, realizou uma audiência pública em Correntina em 2015, pegou a recomendação do Comitê, levou pro Inema. Foi a mesma coisa que nada. O povo cansou. Já que a gente tenta por todos os meios., Já que não tem governo pra nós, não tem gestão pra nós, não tem diálogo com nós, então a gente também não precisa mais conversar. Foi uma situação de perda de paciência – e uma paciência que durou 40 anos.

Isso culminou na ocupação da fazenda no dia 2 de novembro?

O povo diz que foi um ato espontâneo. Nós, do MAB, não avaliamos como espontâneo. Não, aquilo ali foi uma coisa gestada pela própria ineficiência do Estado. Ineficiência, não: fez de propósito. O Estado, subserviente ao agronegócio e omisso às necessidades dos trabalhadores foi que gerou o problema. A culpa não foi nossa, a culpa foi do Estado e do agronegócio. A gente só reagiu.

E no dia 2 de novembro houve a ocupação da Fazenda Igarashi. São empresários que têm um discurso bonito, de quem produz comida para o povo, mas a gente come lá o que a gente planta. O povo lá planta o seu feijão, seu milho, sua mandioca, sua cana. Eles dizem que plantam pro mercado interno, o Grupo Igarashi. Mas isso não nos interessa. O principal ali é ter água pra abastecer os camponeses que moram lá embaixo e pra abastecer o Rio São Francisco. Aquela região ali, e isso são dados da ANA [Agência Nacional das Águas], sustenta o São Francisco em períodos de seca. Se a gente mata aqueles rios, compromete o Nordeste inteiro.

Ali o agronegócio deita e rola. Lá eles fazem poços artesianos, põem bomba direto nas nascentes. A nova moda agora é piscinão. Eles fazem uma piscina, não sei a metragem, mas é um açude gigantesco, que eles tiram água do aquífero [Urucuia] e colocam lá. E a partir dessa lagoa artificial eles vão irrigar. Agora não precisa mais ter fazenda na beira de rio, em qualquer lugar no cerrado, se perfurar, vai achar água. Então fazem o seu piscinão, enchem de água e irrigam. E o governo do estado libera pra fazer poços artesianos e libera a captação de águas superficiais, e sem critério, online, sem responsabilidade, sem fiscalização.
E aí o pessoal ficou numa situação de perda de paciência tão grande, porque tentou todas as formas de diálogo com os órgãos públicos competentes e nada. O pessoal cansou. Mais de mil pessoas se organizaram e foram pra fazenda, ocupou e destruiu tudo que viu pela frente. Algumas notícias dizem que foi um prejuízo de R$ 6 milhões, outras, de R$10 milhões. Mas não teve prejuízo, porque, com certeza ali é tudo segurado. Só que eles utilizam isso pra convencer a opinião pública e colocar os trabalhadores como bandidos. Eles foram chamados de bando, de terroristas, de vândalos. A Igarashi lançou uma nota agora no final de fevereiro chamando o povo, de novo, de vândalo. Para nós, vândalo é quem mata rio – e esse grupo já secou um rio na Chapada Diamantina. Essa produção migrou da Chapada para o oeste baiano. E aí a gente vai deixar nosso rio morrer? A gente tem que aprender a reagir antes de o problema piorar. A gente tem que salvar o pouco que tem.

Quais foram os desdobramentos dessa ação?

O nosso povo se sentiu ofendido na alma. E em 11 de novembro, nove dias depois da ocupação da fazenda, mais de 11 mil pessoas foram às ruas dizer: “a gente não é bandido não, é trabalhador, se for pra mexer com eles, vai ter que mexer com a gente também”. Era um sentimento geral. E aí comprovou que não era um caso de polícia como o governo do estado tratou – e está tratando. É um conflito socioambiental.

Só depois da ocupação eles deram um prazo de 90 dias para os grandes proprietários colocarem medidores nas suas bombas. Mas o medidor vai fazer diferença se não tem fiscalização? O secretário [de Meio Ambiente] falou pra gente numa reunião em Correntina no dia 17 de janeiro que vão instalar um equipamento pra medir a vazão no rio Arrojado, mas também vão colocar nos outros rios, pelo menos pra fazer esse estudo [de viabilidade hídrica], pra ver como está a capacidade de recarga na região.

Além disso, depois da manifestação, a gente solicitou do Ministério Público uma audiência, que aconteceu no dia 2 de dezembro. Nessa audiência foi lido o documento oficial do estudo que o SAAE, o Sistema Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto da cidade, sobre o Rio Arrojado e o Rio Correntina, que comprova um alto índice de alumínio na água, que está imprópria pra consumo humano. Só pode ser consequência do agronegócio. A base da produção deles é com veneno. Sementes geneticamente modificadas e muito agrotóxico. Eles não conseguem produzir se não for assim. E quando chove, a água não está mais infiltrando, porque a mata foi desmatada, vai tudo pro leito dos rios.

Como você vê a relação da luta de vocês em Correntina com os debates do Fórum Alternativo Mundial da Água?

Tem tudo a ver. O que acontece em Correntina não é isolado do que acontece em outras regiões. Não é diferente do que aconteceu em Minas Gerais, com Mariana, o que aconteceu em Barcarena, no Pará, e o que acontece em outros territórios do mundo. Em cada região tem um rosto diferente: se apresenta como mineração, como barragem, como agronegócio. Mas o pano de fundo é a apropriação privada da água, a tentativa de transformar água em mercadoria. Isso a gente não vai aceitar. A água é um bem comum, é do povo.

E aqui é uma oportunidade de mais pessoas poderem compreender isso, da gente se articular nacional e internacionalmente, porque as empresas são internacionais. No oeste baiano, tem empresas chinesas, japonesas, holandesas, dos Estados Unidos. É o capital internacional que está ali, se apropriando da água pro agronegócio, pra mineração, pra produzir eletricidade, pra engarrafar e vender as águas minerais.E também tem o saneamento, a gente percebe essa movimentação do governo ilegítimo de Temer para privatizar todo o sistema de abastecimento de água e tratamento de esgoto das cidades.

A gente precisa fazer essa ponte e fazer com que as pessoas compreendam que não é um problema nosso. É um problema do Brasil. É um problema do mundo. Discutir a água é uma questão de soberania. A luta que a gente faz no oeste da Bahia vai beneficiar o povo brasileiro, e isso precisa ser articulado, entendido, divulgado. É uma luta em defesa da água, em defesa da vida. Espero que mais pessoas percam a paciência, porque motivo pra isso é o que não falta no Brasil.

O campo brasileiro tem sofrido com um processo de violência crescente, com o número de assassinatos de lideranças camponeses, quilombolas, indígenas, aumentando ano a ano. Há poucas semanas houve o assassinato de Paulo Sérgio Nascimento, uma liderança da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, que denunciava a poluição da Hydro, em Barcarena no Pará. Como é o sentimento dos trabalhadores que participaram das ações em Correntina e dos militantes dos movimentos sociais na região diante desse quadro?

Nossa figura ficou pública e o nosso posicionamento político também. Eles sabem que a gente não concorda com eles e que a gente atua na organização dos trabalhadores. Nós somos do Movimento dos Atingidos por Barragens, somos de outra área, mas a gente tem grupos de base na beira do Arrojado. Nós não estávamos na organização do ato do dia 2, mas pelo fato de nós sermos de um movimento social e termos um histórico de luta e enfrentamento, isso nos coloca em risco.

Só pra ter uma ideia de como está a situação: a gente botou no rádio, no carro de som, dizendo: “gente, nós estamos indo pro FAMA participar de uma atividade”, e eles colocaram a polícia pra acompanhar as pessoas que vinham. A polícia acompanhou todo mundo, os cinco ônibus que vieram, dos companheiros que não tinham nem nada a ver com a questão, e os três ônibus do oeste da Bahia vieram com polícia escoltando, tinha carro da polícia junto com os ônibus até chegar na divisa com Goiás.

É uma situação muito complicada. Outro dia um companheiro do movimento estava vindo de Jaborandi para Correntina, dá 50 quilômetros, e disse que um cara numa moto acompanhou ele do povoado até a hora que chegou nas comunidades. Ele disse que acelerava, a pessoa acelerava; ele diminuía, a pessoa diminuía. Ele dava estrada, a pessoa não passava. O acompanhou o tempo todo. Isso não é comum. É paranoia? Não é, porque a gente sabe que eles matam, como já mataram em outros tempos. Como mataram recentemente um ambientalista de Barcarena e um na Bahia, do MST, dentro de casa, na frente do filho.
É uma situação muito conflituosa, muito preocupante. A gente que vive lá na região, que não pode parar a vida,  está vulnerável. Eu não vou mentir pra você, eu tenho medo. Mas a gente é um bocado ousado. Se a gente fosse covarde, se fosse ficar pensando nisso, a gente desistiria das coisas. Só que é aquele negócio: você vai desistir e vai morrer de sede? Tem coisa que é mais importante que o nosso medo.

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