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Entrevista: 
Paulo Paim

'Os governos não querem aprovar este projeto, querem aprovar o outro que não garante a negociação coletiva, não garante a sindicalização e proíbe o direito de greve'

O senador comenta a aprovação pela Comissão de Direitos Humanos do Senado do PLS 287/2013, que regulamenta o direito de greve no serviço público.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 16/10/2015 12h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

No dia 7 de outubro, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado aprovou um projeto que regulamenta o direito de greve de servidores e empregados públicos da administração direta e de autarquias e fundações da União, estados, municípios e Distrito Federal, bem como o direito à negociação coletiva e à sindicalização. O PLS 287/13 , de autoria da CDH, foi elaborado pelo Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) como alternativa a outro projeto (PLS 710/11), de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). A articulação para barrar o projeto do tucano, apelidado de "lei antigreve", foi uma resposta às greves de 2012, quando 350 mil servidores públicos paralisaram atividades em diversos momentos ao longo de quatro meses. Ao fim daquela mobilização, o governo federal orientou sua base parlamentar em torno da regulamentação proposta por Nunes, que, entre outras coisas, exigia que entre 50% e 80% dos servidores continuassem trabalhando durante a greve e previa o desconto em folha dos dias paralisados. A estratégia de aprovação relâmpago do PLS 710 previa o envio à Câmara dos Deputados sem que o projeto sequer passasse pelo plenário do Senado, o que não chegou a acontecer graças a uma requisição do senador Paulo Paim (PT-RS) que "puxou" o projeto para a CDH, que finalmente rejeitou o texto também no último dia 7. Nessa entrevista, Paim comenta esse processo, defende a regulamentação do direito de greve - que não é ponto pacífico entre centrais e estudiosos do sindicalismo - e analisa a conjuntura, recheada de ataques aos direitos e ameaças aos trabalhadores.

O sr. tenta regulamentar o direito de greve no serviço público desde 1988, quando era deputado federal. De lá para cá, apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 83/2007 e, em 2013, apresentou como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) o atual PLS 287. Não existe consenso sobre se a regulamentação do direito à greve de servidores e empregados públicos seria um ganho ou não para esses trabalhadores, sob argumentos de que o direito à greve no serviço público já seria garantido pela Constituição, e por jurisprudência, além de uma preocupação sobre o caráter limitante que uma regulamentação possa vir a ter. Quais são os principais argumentos que sustentam a defesa da regulamentação?

Eu busco a regulamentação do direito de greve para o servidor público desde a Constituinte. Na Constituição está assegurado o princípio, que, contudo, não está regulamentado. Já o trabalhador do regime geral tem esse direito regulamentado. Os governantes, naturalmente, nunca quiseram regulamentar. Não foi regulamentado por causa dos trabalhadores? Não. Os trabalhadores sempre quiseram regulamentar. Tanto que há mais de 25 anos que está tramitando na Câmara dos Deputados um projeto que apresentei nesse sentido e os governantes nunca deixaram aprovar. No Senado, apresentei dois projetos e a Fonacate [Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado], em nome dos servidores públicos e numa ampla discussão com as centrais, apresentou na Comissão de Direitos Humanos um projeto que busca a regulamentação do direito de greve, da negociação coletiva e do direito pleno à sindicalização e à organização. Baseado nesse projeto é que eu fiz o meu relatório. Hoje, sem a regulamentação, a decisão sobre a legalidade da greve fica à mercê do Tribunal Superior do Trabalho que, por analogia, aplica a regulamentação que existe para o trabalhador do regime geral. E quem paga a conta é o servidor, que não tem regulamentado nem o direito de greve, nem a negociação coletiva e nem a sindicalização. Ora, se você apresenta um projeto que vai garantir essas questões não dá para entender por que alguma categoria do serviço público vai ser contra. É uma situação diferente do projeto anterior que eu peguei para relatar [PLS 710/2011, de autoria do senador Aloysio Nunes, do PSDB de São Paulo] que, com a desculpa de defender setores estratégicos, na prática proíbe o direito de greve. Na minha avaliação, é que nem você dizer que na Constituição está assegurado a liberdade plena de todo o indivíduo, então não precisa mais nenhuma lei de direitos humanos, nenhuma lei que vá na linha de preservar algo além do princípio constitucional. Claro que precisa, não é? Eu não fiz o relatório final porque inventei da minha cabeça. Eu fiz o relatório a pedido dos servidores públicos e não a pedido do governo. Os governos não querem aprovar este projeto, querem aprovar o outro que não garante a negociação coletiva, não garante a sindicalização e proíbe o direito de greve.

Em sua opinião, quais são os pontos mais positivos do PL 287? Quais são os avanços em relação à jurisprudência?

A jurisprudência não assegura nada para o servidor público. Há um equívoco aí. Quando há greve do servidor público o que acontece? Qual é o resultado? Diga um caso em que o servidor público se deu bem em uma greve. Noventa e nove por cento dos casos é pau, é demissão, é desconto dos dias pagados. Depois, chegam pedidos para ver se dá para entrar com um projeto de lei para não perder os dias parados, para reverter demissões. Então não sei qual é a lógica desse princípio. A vida nos ensina que entre o bom e o ótimo há uma distância, mas no caso do servidor só existe o ruim. Não tem nada que garanta para ele o direito de greve. Por isso que, bom, os governantes estão na deles. Não tem direito de greve e se fizer greve o tribunal entra, determina e acabou. É que nem quando eu apresentei o Estatuto do Idoso, tinha um setor que era contra, hoje todo mundo bate palma e abraça o Estatuto. Estatuto ao Comerciante e Estatuto da Igualdade Racial, a mesma coisa. Então não vamos cometer o mesmo erro. Vamos dar um tiro no pé se numa hora como essa os servidores não entenderem que precisam ser regulamentados o direito de greve, a negociação coletiva e a livre organização sindical – até com base na Convenção [n.151, da Organização Internacional do Trabalho, OIT]. Ao invés de trabalharmos de forma articulada e unida, buscando essas três questões básicas, ficaremos questionando o projeto? Se algum artigo pode melhorar, faremos a emenda e iremos melhorar. Assim é a vida, assim é o parlamento. Como tenho algumas décadas de movimento sindical me dou a liberdade de fazer de forma carinhosa e respeitosa esses comentários.

Diante de um contexto de ataques aos direitos dos trabalhadores – como a movimentação em torno da aprovação do PL 4.330, da terceirização, do qual o sr. é relator no Senado –, ascensão do conservadorismo no parlamento e na sociedade, o sr. acredita que há clima político para aprovar no Congresso Nacional um projeto que regulamente o direito de greve no serviço público de forma positiva para os trabalhadores?

Nada é fácil. Tanto que quem aprovou o 4.330 não fomos nós, foi a direita. Já aprovou e se nós não pegamos e fazemos todo esse embate, conseguindo a unidade do movimento sindical, tanto que estamos viajando todo o Brasil num esforço enorme, já fui a 17 estados, o ato é sempre na Assembleia, estamos escrevendo a carta de cada estado, e é unânime. Não há uma entidade sindical que seja contra. Isso tudo para que repercuta dentro do Congresso, mas é uma batalha de Davi contra Golias. Claro que o movimento sindical está todo unido, e só por isso está dando certo, senão eles já teriam votado há muito tempo. Porque acha que eles não votaram, se eles são maioria? Por que votaram com tanta facilidade na Câmara e aqui não? Porque a gente se entrincheirou no Senado e não deixou votar. Se depender do nosso trabalho com o conjunto do movimento sindical só vamos votar no momento que entendermos que é possível aprovar um projeto que garanta a melhoria da qualidade de vida dos 13 milhões de terceirizados e não aceitar a precarização. Esse é o nosso ponto de vista. Agora, é Davi contra Golias. Eles podem encaminhar um requerimento de urgência à revelia do relator, indicar outro relator e votar no plenário. Tudo isso pode acontecer. Por que não passou o negociado sobre o legislado [referência à Medida Provisória 680/15, que cria o Programa de Proteção ao Emprego]? Porque fizemos um enfrentamento no Senado, chamamos todo o movimento sindical, fomos para a sessão do Congresso dissemos que aquilo era um crime de lesa pátria, uma emenda cretina – foi o termo que usei –, que no contrabando de uma quinta-feira tentaram passar. Até isso conseguimos reverter. A mesma coisa aconteceu no caso da NR 12 [Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho, que trata de práticas de segurança no manuseio de máquinas e equipamentos por parte dos trabalhadores dentro das empresas], que também tira toda a proteção do trabalhador no ambiente de trabalho. Tivemos que fazer correndo um combate no Senado, de sexta para segunda-feira, e revertemos a urgência. Mas é um combate enorme. Essa é a hora do movimento sindical se unir e fazer o bom combate com os aliados. Sabendo que o inimigo tem maioria hoje. Os adversários têm maioria. Eu diria que nosso trabalho é segurar as águas do rio que correm em direção ao mar. Nós estamos fazendo o nosso trabalho de conter o máximo e se tiver que chegar no mar, pelo menos que seja em um bom barco que dê segurança na travessia. É preciso que o movimento sindical entenda isso, pois há momentos em que temos que deixar as disputas pontuais e fazer uma caminhada conjunta.

Falando em embates, o projeto do senador Aloysio Nunes foi muito criticado por sindicalistas, e também pelo sr., quando da tentativa, em 2012, de enviá-lo para a Câmara dos Deputados após aprovação pela CCJ. Durante a tramitação, partes do PLS 710/2011 ou mesmo a íntegra do projeto pode ser resgatada por outra Comissão?

Claro que pode. Pode chegar na CCJ e dizer: rejeita-se o projeto apresentado pelas entidades e aprova-se o do Aloysio. Pode acontecer sem nenhum problema, basta ter 14 senadores favoráveis na Comissão. Aí o nosso cai e fica o deles só. O nosso veio para se contrapor ao dele, que já tinha sido aprovado. Quando [em 2012] vi que tinha sido aprovado, entrei com requerimento e puxei para a Comissão de Direitos Humanos, articulei com a Fonacate, com o movimento sindical, e botamos outro para fazer o contraponto. Esse esforço culminou com a aprovação do das entidades e a rejeição do dele. Ele pode fazer a mesma coisa porque agora o projeto volta para a CCJ e lá o relator ‘é deles’. Esse é o mundo real. Temos que ter claro, estou assinando embaixo de todo e qualquer bom projeto que existir. É como a questão da terceirização. Vamos deixar tudo como está? Tudo bem, só que eles pegam e aprovam a terceirização deles,. Ou nós temos um projeto para se contrapor ao deles, que garanta a regulamentação da situação dos 13 milhões de terceirizados para fazer o enfrentamento? Bom, se no enfrentamento eles também sentirem que a pressão do movimento sindical está muito grande, pode até ficar como está, sem regulamentar. Isso já é um ganho para nós. Se quisermos regulamentar a situação dos 13 milhões, melhor.  

O PLS 287/13 não traz uma definição do que deve ser considerado atividade essencial durante a greve, mas pondera que se deve “assegurar o atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade”. Seu projeto anterior, PLS 83, elencava como essenciais “as urgências médicas, necessárias à manutenção da vida”. Já um dos maiores problemas apontados por sindicalistas no PLS 710/2011 era que o projeto elencava 21 áreas essenciais. Qual sua avaliação sobre esse ponto e por que ocorreu a mudança? Foi nesse diálogo com o Fórum?

Muito mais do que isso. Todos nós em sã consciência sabemos que numa greve tu não podes fechar hospital porque vai matar pessoas. Isso todos sabemos. Deixamos então uma redação ampla de que nos setores os próprios trabalhadores saberão fazer os plantões. Foi essa a intenção, deixar de uma forma aberta porque nós trabalhadores temos consciência, mesmo numa greve, de fazer as ressalvas. Isso é o mínimo de bom senso no campo da razoabilidade.

Nos últimos anos houve um notável crescimento dos movimentos, no serviço público e na iniciativa privada, que usam a greve como estratégia de luta. A nota técnica 149 do Dieese, que enumera “Vinte motivos para a manutenção de ganhos reais dos salários”, informa que, em 2013, foram contabilizadas 2.050 greves, o que corresponderia ao maior registro da série histórica do Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG) organizado pela entidade. As mobilizações teriam se dado principalmente em torno da manutenção dos ganhos reais nos salários nos últimos anos e demonstrariam uma disposição de que a classe trabalhadora não estaria disposta a aceitar perdas sem mobilização. Ao mesmo tempo, vemos, como consequência da deterioração da economia, um aumento acelerado do desemprego neste segundo semestre, o que sempre é fator de recuo nas lutas. Como analisa esse quadro?

A conjuntura é totalmente desfavorável, claro. Recessão, desemprego, ajuste fiscal puxam o arrocho salarial. Inclusive para os servidores públicos. E agora a ordem é não dar para os próximos anos um centavo de reajuste para os servidores. Há inclusive quem defenda aqui no parlamento que devia haver uma redução dos salários. Para todos: deputados, senadores, ministros, entre outros. Essa tese está crescendo no parlamento, para ver a que ponto nós chegamos. Então o quadro não é positivo. Nós temos que estar unidos e em estado de alerta, buscando parceria com aqueles deputados e senadores que têm compromisso com os trabalhadores.