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Observatório na Mídia

30/03/2016 14h24 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Análise

por: José Rodrigues, professor da Faculdade de Educação da UFF

Demandas explícitas e desejos inconfessos do empresariado e o papel de seus intelectuais orgânicos

Diariamente, tomamos conhecimento de notícias sobre a relação entre emprego, crescimento econômico, competitividade e educação, como esta que agora brevemente tomamos em análise: Sem inovar, indústria patina e busca técnico.

Embora a notícia tenha sido publicada faz pouco mais de 10 dias, nada de novo no front da luta de classes (no campo educacional).

Na verdade, trata-se de mais uma amálgama de fatos, interpretações, extrapolações e, principalmente, demandas explícitas dos empresários, embrulhada em papel celofane (isso ainda existe?) do discurso científico autorizado, produzido pelos intelectuais orgânicos do capital como que para disfarçar desejos inconfessáveis.

Se o leitor achar estranho que se apense a respeitáveis intelectuais a locução adjetiva "orgânicos do capital", basta consultar os sites das empresas, digo, instituições às quais os economistas citados pela reportagem se vinculam, além dos seus respectivos curricula vitae, para também o leitor desconfiar da retidão das análises "científicas" professadas. Mas deixemos isso de lado.

A matéria em questão traz diversos aspectos que mereceriam ser abordados, inclusive algumas dicotomias presentes ou aludidas na reportagem, tais como, educação geral básica X formação profissional; curso técnico X curso superior; graduação X curso superior de tecnologia; emprego X formação profissional.  Mas, dadas as circunstâncias, tratarei apenas de um aspecto. 

Vejamos o que afirmou o economista Simon Schwartzman, sobre a "integração entre empresas e escolas": "O ideal é que houvesse uma maior aproximação entre empregadores e educadores na definição de currículos que atendam à necessidade do setor privado."

Grosso modo, a citação resume as queixas, isto é, as demandas do empresariado brasileiro (entenda-se: nada a ver com certidão de nascimento, pendor patriótico, ou mesmo burguesia nacional, trata-se apenas de um adjetivo que pretende explicitar que se trata de capitalistas que "operam" em território nacional brasileiro).

Como já disse, tal queixa não é nova. Desde Adam Smith (autor de A riqueza das nações, publicado em 1776), passando pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela maioria dos candidatos a qualquer cargo eletivo nesta eleição que se aproxima, chegando ao velho senso comum, há uma incessante procura pelos culpados, digo, suspeitos pelo baixo crescimento econômico brasileiro, da baixa competitividade da empresa nacional (seja lá de que nação se esteja tratando), do desemprego, dos baixos salários, da desigualdade social. Enfim, procuram-se suspeitos por algumas das manifestações fenomênicas resultantes da contradição estrutural da exploração da força de trabalho.

Ora, os suspeitos usuais são os educadores, o sistema educacional, os currículos escolares (da educação infantil aos cursos de doutoramento). O crime lesa-economia perpetrado seria a manutenção da suposta distância entre a escola e as "necessidades do setor privado".

Com efeito, desde a sua fundação em 1938, a CNI vem elaborando sucessivamente propostas para a sociedade brasileira que podem ser identificadas com metas econômico-sociais. A essas metas societárias denominei télos (ver O moderno príncipe industrial). Em poucas palavras, télos é uma imagem construída pelo discurso hegemônico com o propósito de se tornar uma meta a ser perseguida pelo conjunto da sociedade. 

A busca por se atingir este "lugar", ou  télos, no futuro, acabaria por justificar, no presente, todas as privações e todos os sacrifícios (coletivos e individuais) impostos pela implementação das políticas que conduziriam a sociedade ao tal fim projetado. Ao longo das décadas, a CNI produziu três télos: Nação Industrializada, País Desenvolvido e Economia Competitiva.

Em síntese, a CNI - através da metamorfose teleológica - visa aglutinar e  exprimir os interesses da burguesia industrial e, com isso, colocar-se acima dos diversos e antagônicos interesses presentes na sociedade. Assim, os empresários industriais procuram, de fato, subordinar os interesses da classe trabalhadora aos seus próprios.

E a educação, os educadores e os currículos escolares com isso? 

Ora, o raciocínio, embora viciado em sua origem, é simples:  atualmente, o Brasil não seria uma Economia Competitiva por que sua população (isto é, os trabalhadores) não é suficiente e/ou adequadamente escolarizada. Nesse raciocínio, a educação seria um dos "gargalos" do crescimento econômico e da baixa competitividade, o que redundaria em desemprego, baixos salários e desigualdade social.

O que os empresários pretendem e que seus intelectuais formulam "teoricamente" é a adequação funcional da escola, do sistema educacional, dos currículos às demandas do capital.

De tempos em tempos, sob maior ou menor resistência da classe trabalhadora, o Estado brasileiro acaba por tentar adequar funcionalmente a educação aos interesses burgueses. Foi assim, por exemplo, na chamada Reforma Capanema (na Era Vargas), na Reforma do Ensino no Regime Militar (através da reforma universitária, em 1968, e do ensino profissionalizante obrigatório, em 1971). Também foi assim na reforma da agora chamada educação profissional de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e da re-reforma de Lula, em 2004.

A matéria jornalística em questão apenas atualiza as demandas empresariais e aponta as velhas soluções.

O que o empresariado e seus intelectuais orgânicos, de fato, desejam - mas não ousam confessar - é ampliar crescente e permanentemente a acumulação privada de riquezas através da exploração (extração e apropriação de mais-valor) da classe trabalhadora.

Para a realização de tal desejo, precisam permanentemente (con)formar o cidadão produtivo. Isto é, precisam, de um lado, conformar o trabalhador às regras e crenças, aos usos e costumes, aos direitos e deveres, à moral hegemônica da sociedade burguesa, enfim, conformar o trabalhador à cidadania burguesa. E, de outro lado, precisam também de maneira permanente formar, qualificar, profissionalizar, isto é, dotar a classe trabalhadora de saberes, conhecimentos, habilidades e disposições subjetivas para a inserção no processo de trabalho capitalista. A perspectiva de (con)formação do cidadão produtivo flexível encontra-se literalmente inscrita na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96, ver, por exemplo, artigos 2º e 35). 

Mas, se - após a realização das "necessárias" adequações funcionais da educação às demandas dos empresários - as mazelas econômico-sociais permanecerem? Se após mais uma reforma educacional, mais uma reestruturação curricular, o desemprego, a baixa competitividade, a desigualdade social resistirem?

Ora, bastará apontar novamente o dedo acusador para os suspeitos usuais e proferir a sentença: "A educação precisa adequar seus cursos, currículos e valores às necessidades da empresa privada!".

Sem inovar, indústria patina e busca técnico

Mais trabalhadores no chão de fábrica, mais técnicos e engenheiros, menos operadores de máquinas, menos pesquisadores. Em crise nos últimos anos, a indústria tenta se modernizar e melhorar a competitividade, mas esbarra em sua reduzida capacidade para investir. Isso se refletiu nas mudanças na estrutura de emprego no setor.

As demissões de operadores dos mais variados tipos de máquinas superaram em muito as contratações desse tipo de profissional entre 2007 e 2013.

Érica Fraga, Folha de São Paulo, 10/08/2014
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