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Adolescência(s) no meio do caminho

Pandemia recoloca questões e aprofunda desafios para adolescentes. Como andam os direitos dessa população?
Leila Salim - EPSJV/Fiocruz | 02/08/2021 13h19 - Atualizado em 01/07/2022 09h42
Foto: Manuela Cavadas/Unicef

Foi quando viu sua rotina transformada e marcada por “solidão e completa clausura” que Caio César, de 18 anos, decidiu mergulhar na literatura. O estudante, que cursa o 2º ano da habilitação de Análises Clínicas integrada ao Ensino Médio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), teve recentemente um de seus contos premiado e selecionado para publicação em livro. A conquista, motivo de orgulho e estímulo para o jovem escritor, foi parte de um processo mais longo cujo início coincide com as primeiras medidas de isolamento social e a transição da dinâmica escolar para o formato remoto, em função da pandemia de Covid-19. Caio conta que, ao reconhecer um período de mudanças profundas, novas angústias e muita incerteza, encontrou na leitura e na escrita um caminho para reconstruir sua rotina e explorar seus gostos e potenciais.

“O que me impulsionou foi a vontade de viver diante do caos e da morte. A gente começou a ver tantas mortes e pensei: quero viver, mesmo que não esteja tão feliz”
Vitória de Oliveira

A experiência é semelhante à de Vitória Oliveira, de 17 anos, que cursa o 2º ano da habilitação de Gerência em Saúde da EPSJV/Fiocruz. “O que me impulsionou foi a vontade de viver diante do caos e da morte. A gente começou a ver tantas mortes e pensei: quero viver, mesmo que não esteja tão feliz”, conta, lembrando que a interrupção da intensa convivência na escola “com colegas e professores, fazendo trabalhos, comendo no bandejão, indo à biblioteca ou tocando violão no terraço foi uma mudança muito brusca”. A estudante, que é integrante do Grêmio Politécnico, entidade representativa dos estudantes da escola, acredita que nesse tempo conseguiu, em meio às muitas dificuldades, crescer em diferentes sentidos.

Histórias como essas, no entanto, são parte de um conjunto de experiências que ao mesmo tempo mostram o quanto a pandemia teve sua conta de tragédia dirigida aos adolescentes. André Sobrinho, sociólogo e coordenador da Agenda Jovem da Fiocruz (iniciativa de pesquisa, educação e ações nos territórios voltadas para a comunicação em saúde, em parceria com movimentos sociais), destaca o que há de específico nos impactos da pandemia sobre essa população. Ele lembra que os adolescentes, que já viam seus direitos ameaçados, experimentaram momentos muito distintos ao longo da crise sanitária. “Eles receberam, em geral, uma mensagem um tanto ambígua: foram, no início da pandemia, considerados menos vulneráveis. Então se dizia: ‘façam aquilo que os mais velhos não podem fazer, vão aos supermercados, farmácias, se ocupem das tarefas, mas cuidado para não se infectarem e contaminarem os outros. E continuem buscando sua inserção econômica’. As expectativas e demandas em relação ao trabalho, ao estudo e às tarefas seguiram, ao mesmo tempo em que as manchetes falavam em ‘geração perdida da Covid’, que não teria inserção educacional nem econômica”, pontua.

Responsável pelo acompanhamento dos estudantes com dificuldades – psicológicas, emocionais e materiais –, Fernanda Cosme, coordenadora do Projeto Escola Saudável da EPSJV/Fiocruz (criado em 2018 para oferecer apoio pedagógico e ampliar o diálogo entre a escola, os estudantes e suas famílias) conta que a crise sanitária agravou problemas que já existiam antes. “A preocupação com a renda e o trabalho no futuro e a necessidade de contribuição para o orçamento familiar forçam a entrada de adolescentes em um mercado de trabalho precarizado. Há alunos cujas famílias começaram a passar pela pandemia recebendo benefícios como o auxílio emergencial e, depois, foram excluídas dessa política pública. Isso empurra os estudantes a buscarem atividades remuneradas, mesmo que precárias, para contribuir com a subsistências das famílias”, destaca, reforçando que, também na EPSJV/Fiocruz, essas foram e continuam sendo questões relevantes que chegaram a impedir estudantes de permanecerem desenvolvendo suas atividades.

Gabriel de Souza, do 2º ano da habilitação de Biotecnologia da EPSJV/Fiocruz, narra sua experiência e reafirma como o período trouxe dificuldades sobrepostas: o isolamento, as tarefas domésticas e de cuidado que se avolumaram, a responsabilização por atividades que exigiam exposição maior ao vírus, a necessidade de entrada no mercado de trabalho e, depois, a transição para o ensino remoto. O estudante de 19 anos conta que, logo no início da pandemia, a família foi afetada quando sua mãe sofreu um acidente laboral e teve que parar de trabalhar: “Nesse momento, apenas meu pai seguiu trabalhando e as tarefas de cuidado com meus dois irmãos mais novos, que também estavam em casa em tempo integral, ficaram principalmente sob minha responsabilidade”, lembra.

Gabriel viveu exatamente a ‘dubiedade’ identificada por Sobrinho, já que ficou também responsável pelas idas ao supermercado e atividades externas, ao mesmo tempo em que se preocupava com a exposição ao vírus e a possibilidade de se infectar e contaminar a família – o que se agravava com a necessidade de apoio à avó, idosa. “Quem ficou responsável pelas compras de supermercado para minha avó também fomos nós. E eu tinha sempre aquela sensação de medo constante. Saía e me perguntava: ‘será que vou voltar bem?’ Depois de um tempo, precisei começar a trabalhar para ajudar financeiramente em casa. Trabalhei como garçom, então era uma exposição [à contaminação por Covid-19] grande, lidando diretamente com o público” diz. E completa: “Foi muito tenso, mas precisei fazer. Ao mesmo tempo, estar fora de casa trabalhando me permitia espairecer e me tirava da convivência familiar intensa. Estava sendo muito cansativo, mas emocionalmente não me afetou tanto quanto estar isolado o tempo todo em casa”, diz.

Menos sono e mais telas

Unicamp

Dados da Convid – Pesquisa de Comportamentos, realizada em 2020 – ajudam a entender o cenário. Iniciativa da Fiocruz realizada em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estudo investigou os impactos da pandemia na vida de adolescentes de 12 a 17 anos e revelou, por exemplo, que 30% dos participantes sentiram uma piora no estado de saúde durante a pandemia. O percentual foi maior entre as meninas: foram 33,8% delas, enquanto entre os meninos o total chegou a 25,8%. Alguns dos números mais relevantes são os relativos ao tempo de exposição a telas (computadores, tablets, smartphones, televisão e videogames) e à qualidade do sono: mais de 60% dos adolescentes relataram passar mais de quatro horas diárias diante de telas, indicando um aumento de cerca de duas horas em relação ao período anterior à pandemia. Enquanto isso, 36% dos participantes contaram ter enfrentado uma piora na qualidade do sono, sendo 23,9% deles adolescentes que não tinham problemas para dormir e os desenvolveram durante a pandemia.

A Convid foi aplicada através de um questionário virtual e um procedimento de ‘amostragem em cadeia’: os primeiros participantes da pesquisa deveriam convidar outros pelas redes sociais e compor, assim, uma sequência de recrutamento para a obtenção dos dados. Para ampliar o leque de entrevistados, os coordenadores da pesquisa contataram diretamente escolas públicas e privadas, que aplicaram os questionários entre seus alunos. No total, participaram 9.470 adolescentes entre junho e setembro do ano passado.

Para Celia Szwarcwald, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz) e coordenadora da Convid, os dados reforçam o entendimento de que a rotina durante a pandemia colocou novos problemas e intensificou outros já existentes para adolescentes: “Houve uma alteração no estado de ânimo. Os problemas com a qualidade do sono, por exemplo, não são comuns na adolescência e pudemos observar uma piora considerável nesse aspecto. Identificamos, também, problemas com aumento de sentimentos de tristeza, irritabilidade, nervosismo e mudanças de humor, que são mais comuns na adolescência e apareceram mais acentuados”, avalia, lembrando que o contexto econômico e as dificuldades financeiras de muitas famílias precisam ser levados em conta: “Muitos adolescentes experimentaram, por exemplo, problemas no estado de ânimo por conta da insegurança alimentar, uma realidade que atinge várias famílias brasileiras hoje”.

Ajudam, ainda, a entender o quadro geral os dados relativos ao sedentarismo: 43,4% dos adolescentes não praticaram atividade física por uma hora em nenhum dia da semana nesse período. Antes da pandemia, esse número era de 20,9%. Reforçando marcadores de gênero comumente identificados em pesquisas da área, os dados da Convid mostram que as meninas relatam mais alterações no estado de saúde e de ânimo. Elas foram o dobro entre os 31,6% dos adolescentes que se disseram tristes sempre ou na maioria das vezes, em comparação com os meninos. Os que se disseram preocupados, nervosos ou mal-humorados sempre ou na maioria das vezes foram 48,7%, mas se olharmos apenas para as meninas o número chega a 61,6%. “Essas diferenças por gênero acontecem na vida adulta. Mulheres relatam mais os problemas de saúde, têm maior percepção dos problemas depressivos do que os homens, frequentam mais os serviços de saúde, mas os homens têm uma expectativa de vida menor”, explica Szwarcwald, que é coordenadora também da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Ela completa: “Uma das razões para isso é o comportamento ainda marcado pelo machismo, que impede os homens de olharem para si, sua saúde e seus sentimentos. Esse comportamento se desenha desde a infância, com a velha ideia de que ‘menino não chora’, e se reproduz ao longo da vida de várias formas”.

‘Medicalização’ do sofrimento

Também as questões relativas à saúde mental ganham relevo quando se fala de juventude e, especificamente, de adolescentes. Para Nina Soalheiro, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz que atua nessa área, esse é mais um dos debates fundamentais para a garantia do direito à saúde que, no entanto, vem sendo tragado por uma perspectiva de mercado. “Os adolescentes lidam com a perspectiva de um futuro sem emprego, sem universidade pública, de precarização. Isso é muito duro. E, no meio disso tudo, vivenciamos aquilo que chamamos de uma ‘epidemia de diagnósticos’ em saúde mental”, diz. E explica: “Essa geração vem sendo vítima da medicalização da vida, que se apoia em uma cultura contemporânea de transformar comportamentos, emoções, sentimentos e relações em problemas médicos e psicológicos que se reduzem a diagnósticos”.

Segundo a pesquisadora, o que se observa é a apropriação do diagnóstico em saúde mental, que tem uma função importante, por uma lógica que generaliza a sua aplicação e simplifica questões muito complexas. “O fato de os jovens, de saída, já se dizerem deprimidos ao invés de infelizes ou tristes expressa essa cultura, que atinge a escola, as famílias e os adolescentes. O problema é que essa lógica produz uma identidade maior com o diagnóstico do que com a sua experiência de angústia, com suas adversidades, e, de alguma forma, impede que nós como sociedade pensemos as fontes sociais e políticas do sofrimento psíquico”, afirma. Nesse sentido, destaca Soalheiro, sua atuação junto com outros profissionais da EPSJV/Fiocruz tem sido no sentido de acolher essas experiências de sofrimento identificadas entre os estudantes e buscar desconstruir essa lógica, pensando a saúde mental como algo “não desvinculado das questões da vida, familiares, das histórias individuais, dos contextos de moradia e dos territórios”.

Tem horas que é caco de vidro, tem dias que eu acredito

“Tem horas que é caco de vidro / meses que é feito um grito / tem horas que eu nem duvido / tem dias que eu acredito”. Os versos do poeta Paulo Leminski, de 1987, parecem falar também do momento atual. Lembrando as dificuldades impostas pela nova realidade, Caio César destaca o quanto o início das aulas em formato remoto impactou sua rotina. “O baque inicial foi muito grande: perder o contato físico com a escola, com os professores que são também fonte de carinho e acolhimento e com nossos amigos gerou muitas situações negativas. E também o modelo de ensino remoto exigiu do estudante um protagonismo muito maior, para concentração e acompanhamento das aulas”, conta.

Os dados obtidos pela pesquisa Convid entre adolescentes sobre as novas dinâmicas de educação mostram que esse não foi um caso isolado. Entre os entrevistados, 59% indicaram a falta de concentração como uma das dificuldades encontradas no ensino remoto; 38,3% apontaram a falta de interação com professores também como problema relevante e 31,3%, a falta de contato com os amigos. Entre os adolescentes mais velhos, de 16 e 17 anos, chegou a 65,5% o número dos que enfrentaram problemas para se concentrar nas aulas. “É preciso lembrar que, além da dificuldade específica de estar por cinco ou seis horas em frente a uma tela assistindo aulas e se manter concentrado, muitos adolescentes não têm aparelhos adequados, precisam dividir computadores com a família, não têm privacidade e encontram um conjunto de outros problemas”, destaca Celia Szwarcwald.

"Quando as aulas voltaram em formato remoto eu me perguntava como conseguiria dar conta de tudo: ajudar em casa, cuidar dos meus irmãos, assistir aulas, estudar... Tudo em um momento em que eu estava trabalhando para contribuir com a renda familiar"
Gabriel de Souza

O cotidiano de Gabriel de Souza expressa uma adolescência vivida por milhões de jovens trabalhadores que formam a maioria entre os brasileiros de sua faixa etária. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios sistematizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostram que, em 2018, seis entre dez crianças e adolescentes brasileiros viviam privações de acesso a direitos básicos ou em pobreza monetária. Enfrentando a transição para o ensino remoto em um contexto de dificuldades que já vinham sendo acentuadas pela pandemia, Gabriel lembra que, com a retomada das aulas, não pôde seguir no emprego em que havia começado pouco antes: “Quando as aulas voltaram em formato remoto eu me perguntava como conseguiria dar conta de tudo: ajudar em casa, cuidar dos meus irmãos, assistir aulas, estudar... Tudo em um momento em que eu estava trabalhando para contribuir com a renda familiar”, conta. Ele reforça, ainda, o peso das desigualdades que se aprofundam nesse cenário: “Minha casa não é como a de alguns amigos, que têm um quarto para si, uma estante, uma escrivaninha e um computador. Isso dificulta.  Eu não tenho um espaço específico para estudar, sento no chão ou na cama e divido um mesmo quarto com meus irmãos. E ainda tem o ambiente com vizinhos barulhentos e obras acontecendo, além da necessidade de sair de casa para atividades externas que estão principalmente sob minha responsabilidade”, pontua.

O estudante exemplifica comparando com a experiência das aulas presenciais e lembra que, quando enfrentava dificuldades em algum conteúdo específico, podia contar com o apoio dos professores e recebia um tipo de orientação que não é facilmente transposto para o formato virtual. No mesmo sentido, relata ainda a diferença sentida quanto aos espaços de diálogo para vocalização das demandas e experiências dos estudantes: “Quando estávamos no dia a dia da escola, tínhamos reuniões com todas as turmas e os assuntos eram discutidos coletivamente. Agora isso também é mais difícil e sinto que é mais difícil para sermos escutados”, pondera.

Na EPSJV/Fiocruz, uma série de ações institucionais buscou orientar a transição para o ensino remoto e apoiar os estudantes na adaptação à nova realidade. O Projeto Escola Saudável passou a contar com canais remotos para atendimento aos alunos. Cosme, que desenvolve o projeto junto a Luiz Maurício Baldacci, lembra que também nesse caso é preciso levar em conta a diversidade dos perfis dos estudantes. As possibilidades de acesso à internet, à alimentação e a condições adequadas para o ensino remoto destoam bastante e precisam ser compreendidas. “Encontramos alternativas importantes, como a entrega aos estudantes de tablets e chips com acesso à internet para garantir o acompanhamento das aulas, o aumento do valor das bolsas de demanda social, a garantia da entrega de kits alimentos e também toda a reflexão sobre o novo processo pedagógico, que é muito mais complexo do que apenas fazer uma transposição do ensino presencial para o remoto”, conta. Atuando junto à Coordenação Geral do Ensino Técnico de Nível Médio (Cogetes), o projeto auxiliou no planejamento e readequação das atividades e conteúdos.

"No contexto da pandemia, fomos apresentados a uma realidade muito sombria. Espero que, disso tudo, possamos tirar para o futuro aprendizados sobre nosso senso de coletividade, sobre a necessidade de cuidado com nós mesmos e com o outro”
Caio César

Longe de minimizar ou mesmo romantizar as dificuldades impostas pela pandemia e a crise sanitária no Brasil, Caio reforça também as estratégias e possibilidades para seguir existindo e desenvolvendo seus interesses nesse momento. Foi durante a transição para o ensino remoto que ele decidiu inserir a literatura de forma mais intensa em sua rotina. “Com minha dinâmica anterior quebrada, encontrei a necessidade e a possibilidade colocar esse hábito de forma mais enraizada na minha vida. Comecei com o estudo de conceitos e movimentos da literatura e também de muita prática da escrita. Integrei isso ao meu dia a dia de forma sistemática, inserindo nos meus horários. Montei um esquema do que eu queria fazer quanto às leituras e exercícios de escrita e iniciei esse mergulho”, descreve. Após esse processo, o estudante decidiu que era a hora de buscar concursos literários para “por seu trabalho a prova”. E assim acabou chegando à editora Cartola, que selecionou seu conto ‘Canção de Lágrimas’ para publicação. Para o estudante, é a tríade formada pelos estudos, a literatura e a integração às tarefas domésticas que tem sustentado e possibilitado uma nova dinâmica de vida com espaço para realizações e conquistas durante a pandemia. “Minha rotina é muito pautada no estudo. Junto a isso, busco uma presença ativa nas tarefas domésticas, para que eu contribua também com o funcionamento da família, e desenvolvo minhas atividades de leitura e escrita. No contexto da pandemia, fomos apresentados a uma realidade muito sombria. Espero que, disso tudo, possamos tirar para o futuro aprendizados sobre nosso senso de coletividade, sobre a necessidade de cuidado com nós mesmos e com o outro”, diz.

Para Vitória, mesmo entre os “cacos de vidro” o período reforçou a compreensão de que adolescentes são sujeitos capazes de agir e criar. “Quando entramos em isolamento, paramos de andar de transporte público, de ver nossos amigos e passamos a experimentar uma convivência familiar tão intensa que podia fazer mal. Muitas brigas acabaram se intensificando, por exemplo. Mas nesse momento percebi como as juventudes são potentes e ativas”, diz, explicando que se encontrou ao participar de projetos nas áreas de igualdade de gênero, educação climática e também mantendo e mesmo estreitando vínculos com seu círculo de amizades através das redes sociais.

Como destaca Fernanda Cosme, no entanto, a pandemia significou um agravamento de desigualdades e distorções que já estavam antes na vida dos adolescentes. A restrição na perspectiva de acesso à educação pública, ao trabalho, ao lazer e muitos outros direitos se apresenta de maneira ainda mais intensa. Ela lembra ainda que as dinâmicas familiares envolvendo tarefas de cuidado que também recaem de maneiras específicas sobre os adolescentes têm impactos – como demonstrado na pesquisa Convid – mais expressivos entre as meninas. “Como as crianças também não estavam na escola e, por outro lado, muitos dos pais e responsáveis não tiveram seu direito ao isolamento social garantido e seguiram trabalhando, o tempo gasto com o cuidado de outras pessoas da família passou a fazer parte da vida de muitos estudantes de maneira mais intensa. Temos, então, sobrepostas as relações familiares, a diminuição da renda, a realocação de moradias e muitas questões sendo aprofundadas ao mesmo tempo. É para isso que precisamos olhar quando falamos da garantia de direitos de adolescentes na pandemia”, completa.

André Sobrinho, da Agenda Jovem, avalia que neste ano, com o chamado ‘rejuvenescimento’ da pandemia e o aumento de casos e infecções sintomáticas e mortes por Covid-19 entre os jovens, ganhou espaço um discurso basea-do em estereótipos que tende a criminalizar essa população sem levar em conta a complexidade de sua situação. “O discurso dominante insiste que os jovens estão se contaminando e morrendo porque vão a festas e se aglomeram. Mas a exposição da juventude ao coronavírus não se dá apenas por isso, e sim também em função desse chamado a assumir funções vitais em suas famílias e da necessidade de sobrevivência”, diz. E acrescenta: “Além disso, são numerosas as ações de solidariedade empreendidas e protagonizadas por jovens no contexto da pandemia. A Agenda Jovem tem parceria com uma organização chamada Levante Popular da Juventude que organizou uma série de campanhas de solidariedade em vários territórios brasileiros, em muitos estados. São jovens engajados na mobilização para reunir alimentos, insumos de higiene para distribuição e também vinculados aos movimentos socias de luta pelo direito à saúde e educação”, pontua.

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