O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 12 de dezembro proposta que define as atribuições profissionais dos agentes comunitários de saúde (ACS) e dos agentes de combate a endemias (ACE). A matéria aguarda apenas a sanção presidencial. Somado a isso, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), instância que reúne gestores da saúde das três esferas de governo, aprovou proposição de formar 200 mil agentes comunitários de saúde como técnicos de enfermagem. A questão é que, desde 2003, existe no Brasil um curso técnico de agente comunitário de saúde. “Não podemos ver o projeto aprovado na Câmara sem olharmos para a revisão da Política Nacional de Atenção Básica à Saúde (PNAB), que também projeta modificações importantes para o trabalho de ACS e ACE, e para o fato de, na mesma semana, a CIT pactuar um edital para o desenvolvimento da formação dessas duas categorias em técnicos em enfermagem”, avalia Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Para ela, a formação técnica dos agentes comunitários e de combate a endemias, cujos referenciais curriculares foram publicados em 2004 e 2011, respectivamente, sem que tenham ainda se tornado política nacional, sofre um duplo golpe. Isso porque o Projeto de Lei 6.437/16 que trata das atribuições dos ACS e ACE aprovado na Câmara não garante uma questão basilar: a formação técnica desses profissionais. Para Márcia, a proposta da CIT parece querer transformar mais da metade dos agentes comunitários — que atualmente somam em torno de 300 mil —, em técnicos de enfermagem, profissionais que, embora igualmente importantes, têm uma história e uma inserção muito diferentes: eles não têm um piso salarial, podem trabalhar em qualquer nível da atenção – e não exclusivamente na Atenção Básica – e atuam tanto no setor público quanto no privado, enquanto os ACS são trabalhadores exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS). “Cada uma tem suas especificidades, e agentes comunitários e de combate a endemias são profissionais que trabalham sob a ideia de clínica ampliada, da determinação da doença, sob a perspectiva de transformar vidas”, explica Marcia Valéria. Segundo a pesquisadora, são fenômenos que parecem articulados, como instrumentos de um mesmo processo político que tem como alvo a atenção básica e os agentes de saúde. “Estão em jogo o modelo de atenção e o papel desempenhado pelos agentes comunitários na construção de um cuidado ampliado, estruturado a partir da determinação social do processo saúde-doença. Todos são fundamentais para o SUS, mas não se pode deixar de considerar as relações entre o trabalho dos agentes comunitários e a ampliação do acesso, o território e a articulação entre prevenção, promoção e atenção à saúde”, destaca.
Principais mudanças
Na Câmara, foram aprovadas oito emendas do Senado ao Projeto de Lei (PL) 6.437/16, do deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE) — seis integralmente e duas parcialmente. Quanto à formação, o projeto de lei exige apenas o curso inicial de 40 horas. Aos profissionais passa a ser exigido o ensino médio também, mas aqueles que já atuam como agentes comunitários ou de combate a endemias e que não tenham concluído o nível médio poderão permanecer na atividade. Nas futuras contratações, em localidades onde não haja candidatos suficientes com ensino médio para o preenchimento das vagas, poderão ser aceitos agentes com ensino fundamental, contanto que concluam o ensino médio em três anos. Já a carga horária de um mínimo de 200 horas dos cursos bienais de educação continuada e aperfeiçoamento foi retirada do texto por uma das emendas aprovadas. “Ao não garantir a formação técnica, por exemplo, o PL abre espaço para propostas como a da CIT, deixando os profissionais vulneráveis”, observa Márcia.
Ela revela ainda que a proposta pactuada pela CIT contará com o apoio da Rede UNA-SUS (Universidade Aberta do SUS), e não se sabe, por exemplo, se a formação será ofertada na modalidade semipresencial ou de Educação a Distância (EaD). “Isto agrega outro problema, uma vez que o Conselho Nacional de Saúde tirou posição contrária à realização da formação profissional em saúde a distância”, lembra Márcia, informando ainda que o lançamento do edital e a elaboração da matriz curricular do curso estão previstos para dezembro deste ano, a seleção das instituições formadoras deve acontecer em janeiro de 2018 e o curso está previsto para iniciar em março de 2018. “Com quem tal proposta foi discutida? A Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) terá participação nesse processo? Os trabalhadores foram ouvidos?”, questiona.
Novas atribuições
Uma nova atribuição desses profissionais foi incluída no PL 6.437/16: verificação antropométrica (peso, altura, circunferências de cintura e de quadril) para o diagnóstico do estado nutricional (desnutrição, excesso de peso e obesidade), no intuito de avaliar os riscos para algumas doenças, como diabetes mellitus, doenças do coração e hipertensão. No projeto, em discussão há cerca de um ano, foi proposto pelo Senado e rejeitado pela Câmara, a realização de curativos.
As emendas aprovadas preveem ainda duas novas situações nas quais os agentes poderão atuar. Uma delas é na identificação e no encaminhamento, para a unidade de saúde de referência, de situações que, relacionadas a fatores ambientais, interfiram no desenvolvimento de doenças ou tenham importância epidemiológica. Os profissionais também poderão atuar na realização de campanhas ou de mutirões para o combate à transmissão de doenças infecciosas e a outros agravos, mas sem contar como hora extra. Continua a mesma definição de jornada de trabalho aprovada pela Câmara em maio deste ano, de 40 horas, das quais 30 horas semanais são para as atividades externas de visita domiciliar e outras ações de campo e dez horas semanais para atividades de planejamento e avaliação das ações, entre outras.
Outras mudanças
O PL das atribuições dos ACS e ACE passa a permitir o remanejamento do agente de uma área de atuação para outra se ele adquirir residência fora do bairro onde atua em equipe multidisciplinar de atenção básica à saúde. Hoje, a Lei 11.350/2006 determina que o agente comunitário de saúde resida na área da comunidade em que atua. Entretanto, o novo texto permite ao agente morar em local diverso também quando houver risco à sua integridade física ou de membro de sua família em decorrência de ameaça por parte de pessoas da comunidade em que atue.
Quanto à indenização de transporte ao agente, o texto foi alterado para retirar a referência a meio próprio de transporte, permanecendo o direito a receber por despesas com locomoção na forma de um regulamento. Quanto à carga horária, foi rejeitada a possibilidade de ela ser maior em caso de campanha ou de mutirão para combate à transmissão de doenças infecciosas e combate a surtos epidêmicos.
Comentários
Não aceitaremos isto!
O curso Técnico em Enfermagem
Aqui em Barrolandia no