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Câmara aprova projeto de redução do ICMS que pode impactar orçamentos de saúde e educação

Texto do PLP 18/22, que segue para sanção, foi aprovado com emenda do Senado que procura garantir pisos constitucionais da saúde e educação nos estados e municípios. Mas incertezas sobre possíveis impactos geram apreensão
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 15/06/2022 12h23 - Atualizado em 01/07/2022 09h40
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (14) um projeto de lei que, sob a justificativa de reduzir o preço dos combustíveis e conter a inflação, pode, segundo seus críticos, tirar recursos da saúde e da educação. Os deputados aprovaram o Projeto de Lei Complementar 18/2022, que estabelece um teto de 17% para a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, que poderá ser cobrada pelos estados sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público até o final de 2022. A alíquota de ICMS atualmente gira em torno de 29% sobre a gasolina e 24% sobre o etanol nos estados. Os deputados aprovaram uma emenda feita no Senado ao texto original do projeto, que garante que os entes federados que perderem recursos do ICMS sejam compensados pela União, e obriga estados, municípios e o Distrito Federal a manter a execução proporcional de gastos mínimos constitucionais com saúde e educação, incluindo os recursos do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Professores, na comparação com a situação em vigor anterior a aprovação do PLP 18/22.

A inclusão do trecho foi comemorada por entidades e movimentos sociais da educação, que temiam que a queda na arrecadação do ICMS decorrente da aprovação da lei refletisse negativamente na composição do Fundeb, que é composto, em parte, por 20% do montante arrecadado pelos estados com o imposto. Em nota divulgada antes da aprovação na Câmara, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação conclamou que os deputados acatassem a emenda do Senado, que segundo o texto “atenuará os efeitos perversos do PLP 18/22 à educação pública brasileira”.

Estimativas de impactos

De competência estadual, o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e também sobre serviços de comunicação. No ano passado, a receita com o imposto foi de R$ 643 bilhões, o correspondente a 86% da arrecadação dos estados, segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Pela lei, 75% do valor arrecadado fica com os estados e o restante é repassado aos municípios.

O imposto é responsável por 60% dos recursos que compõem o Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país. É também central para a composição orçamentária dos estados e municípios, que segundo a Constituição Federal precisam destinar parte do que arrecadam com educação e saúde. No caso dos estados, o percentual é de 25% e 12%, respectivamente; cada município, por sua vez, deve destinar 25% do seu orçamento para ações de educação e outros 15% para ações de saúde. 

Uma queda na arrecadação do ICMS implicaria inevitavelmente uma redução dos orçamentos estaduais e municipais no próximo ano, e portanto uma diminuição do repasse feito às ações de educação, notadamente aquelas financiadas pelo Fundeb, e de saúde. Por conta disso, organizações das duas áreas vêm acompanhando de perto o projeto desde sua tramitação inicial na Câmara, onde foi aprovado no final de maio sob críticas de entidades como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Em nota conjunta, elas manifestaram “apreensão” com o impacto que a aprovação do projeto pode ter para os investimentos na manutenção e desenvolvimento da educação básica. Segundo a nota, as perdas para educação com a redução das alíquotas de ICMS poderiam chegar a R$ 21 bilhões em um ano, sendo R$ 17 bilhões no Fundeb. 

O cálculo corresponde a 25% da perda total de arrecadação que estados e municípios podem ter com a aprovação do projeto, segundo o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). Segundo o órgão, a limitação do ICMS pode significar entre R$ 64,2 e R$ 83,5 bilhões a menos para os cofres estaduais e municipais.

O valor máximo estimado pelo Comsefaz se aproxima de uma estimativa feita pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), em nota divulgada no dia 14 de junho, antes da aprovação final na Câmara. Segundo a Fineduca, num cenário intermediário de perda de arrecadação devido à aprovação do PLP 18/22, os estados perderiam R$ 83,93 bi em recursos do ICMS. Com isso, a educação ficaria sem R$ 20,98 bilhões, sendo R$ 16,79 bi no Fundeb. A nota lembra ainda que tal redução impactaria também as universidades estaduais. Em São Paulo, estado que seria mais atingido pelas medidas do PLP 18/22 segundo a Fineduca, USP, Unicamp e Unesp perderiam juntas R$ 1 bilhão, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) teria uma diminuição de R$ 150 milhões no orçamento. Já no cenário “extremo”, segundo a Fineduca, haveria uma redução de R$ 149,27 bilhões na arrecadação do ICMS e uma consequente queda de R$ 37,32 bilhões para a educação, sendo R$ 29,85 bi no Fundeb.

Mas as estimativas variam muito. A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado fala em perdas mais modestas: entre R$ 46 bilhões (sendo R$ 34,5 bi para os estados e R$ 11,5 aos municípios) e R$ 53,5 bilhões (sendo R$ 40,1 bi para os estados e R$ 13,3 para os municípios). Com isso, as perdas para a educação seriam entre R$ 11,5 bi e R$ 13,37 bilhões.

Incertezas

“Toda a perda que houver, seja de R$ 80 bilhões, seja de R$ 50 bilhões, tem que calcular que 25% dessa perda vai ser na educação e, consequentemente, no Fundeb, porque o ICMS é o principal item de receita do Fundo”, alerta Nalu Farenzena, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente da Fineduca. Ela lembra que uma redução do repasse estadual ao Fundeb significa também uma diminuição no valor da complementação da União, que em 2022 deve ser de 15% do total do Fundo, de acordo com a lei que regulamentou o Fundeb, aprovada em 2020. Esse valor deve aumentar gradativamente ano a ano até chegar a 23% em 2026.

“Nós estamos falando de perdas em um país em que os recursos da educação básica já estão muito baixos. O gasto em geral na educação no nosso país representa 5% do PIB [Produto Interno Bruto], quando desde 2019 deveria representar 7%. Estamos falando de perdas em um país que não está cumprindo as metas do seu Plano Nacional de Educação, um país que precisa multiplicar recursos para a área”, aponta.

No dia 10 de junho, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), por sua vez, emitiu uma moção de repúdio ao PLP 18/22 na qual estimou que o SUS perderia mais de R$ 11 bilhões em recursos estaduais e municipais caso haja a redução do ICMS sem a contrapartida da União. O texto reivindica ainda alternativas para o enfrentamento da inflação. “O combate ao aumento de preços de combustíveis deve ser realizado com a mudança da política de preços da Petrobras (PPI), que vem auferindo lucros extraordinários e distribuindo elevadíssimos dividendos, inclusive aos acionistas minoritários, e não com a deterioração da alocação de recursos para o atendimento às necessidades de saúde da população, agora mediante o prejuízo ao financiamento dos Estados e Municípios, o que já tem ocorrido na esfera federal”, diz o texto. 

Nalu Farenzena destaca que a Fineduca é contrária ao PLP 18/22, mas defende que, caso ele seja aprovado, deve ser garantido o patamar atual de gastos com educação e saúde. Para ela, há muitas incertezas sobre a efetividade da proposta e também sobre se, de fato, as perdas serão repostas pela União. “Não há nenhuma garantia de que essas perdas vão ter algum resultado, por exemplo, em diminuição de preço de combustíveis. E as estimativas de perdas de arrecadação variam muito. Quais recursos serão transferidos [aos estados e municípios]? Quando serão transferidos? É tudo muito incerto”, alerta. Ela lembra que a arrecadação dos estados com o ICMS teve um crescimento em 2021 em relação a 2020, o que deveria significar um maior aporte de recursos para a educação. “Seria uma boa notícia. Significaria mais recursos para a educação. Mas toda vez que a gente tem condições de investir mais na educação, se tira do outro lado”, critica.