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Conae debate relação entre Educação e Saúde para o PNE

Em um dos colóquios da Conferência, interlocução entre as pastas foi posta como necessidade crescente para a formação adequada de profissionais para o SUS. Ministério da Saúde demanda maior participação na regulação dos cursos da área
Paulo Schueler - EPSJV/Fiocruz | 30/01/2024 11h48 - Atualizado em 30/01/2024 14h42
Da esquerda para a direita: Ricardo Russo Rafael (Uerj); Gulnar Azevedo (Uerj), Roberto Wagner Rodrigues (Sase/MEC), Naomar de Almeida Filho (UFBA) e Isabela Cardoso (SGTES) Foto: Paulo Schueler/EPSJV

O segundo dia da Conferência Nacional de Educação (Conae) foi marcado por colóquios na parte da manhã e plenárias entre tarde e noite. Ao todo, foram 38 colóquios que tratavam sobre os mais diversos temas dentro da educação brasileira, divididos entre os sete eixos principais que compõem a Conferência.

O colóquio “Saúde e Educação: contribuições para o Plano Nacional de Educação” fez parte da programação da manhã desta segunda-feira (29) na Universidade de Brasília (UnB) como parte do Eixo 2 dos debates da Conae, “A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios”. Organizado pela Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (Sase/MEC), o debate contou com as participações da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Isabela Cardoso Pinto; da reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gulnar Azevedo; do diretor da Faculdade de Enfermagem da Uerj, Ricardo Russo Rafael; e do Coordenador do Inovação, Tecnologia e Equidade em Saúde (Inteq-Saúde) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Naomar de Almeida Filho.

Mediando o evento, o diretor de Articulação Intersetorial do Ministério da Educação (MEC), Roberto Wagner Rodrigues afirmou que o tema da saúde sempre está presente nos encontros nacionais que têm a temática da educação. “A Saúde sempre está presente em nossos fóruns, ao lado de palavras como cooperação, interlocução, parceria. Isto não está traduzido de forma detalhada no Plano Nacional de Educação atual, estando vinculado a outros temas paralelos, como programas de transferência de renda, ao lado da assistência social. Não conseguimos avançar na integração dos bancos de dados das pastas de Saúde, Educação e Assistência Social, para a avaliação de realidades locais e formulação de políticas”, ressaltou. De acordo com Rodrigues, o colóquio proposto pela Sase busca consolidar uma formulação sobre a relação entre saúde e educação que possa constar do futuro Plano Nacional de Educação (PNE).

Ricardo Russo Rafael apresentou possibilidades de trabalho intersetorial entre saúde e educação, afirmando que governanças democráticas apresentam melhores indicadores de saúde. “Sergio Arouca já dizia que saúde é democracia. Os desafios passados ao longo dos últimos anos, notadamente no governo anterior, deixam claro que educação e saúde são indissociáveis, e que é preciso ‘borrar’ os limites entre estes campos. Embora isto para mim esteja claro, de 2020 para cá, por conta da pandemia, esta relação esteve mais presente nos debates acerca do uso da hidroxicloroquina e da necessidade de vacinação. Saúde e educação caminharam juntas no combate às notícias falsas. A pergunta se vacinas devem ser obrigatórias para as crianças, por exemplo, é dispensável e prejudicial à sociedade”, citou. Ainda de acordo com o professor, a realização de campanhas de vacinação nas escolas é algo positivo e que poderia ser retomado, já que, de acordo com ele, “tanto as escolas como as equipes de atenção primária de saúde são corresponsáveis pelo acompanhamento das crianças”. Para Rafael, a saúde deve ser vista como um recurso para a vida e não um objetivo de viver, e os marcadores de raça, classe e gênero devem ser pontos transversais. “No início da pandemia, nos perguntávamos o quão ‘democrática’ era a Covid-19. E ficou claro naquele período, diante da insuficiência do número de testes de diagnóstico, que a raça e a classe social foram marcadores de diferenciação no acesso à testagem. Mulheres pretas e pobres eram as que menos eram testadas, resultando em maior número de óbitos neste segmento de população”, indicou. Para ele, é preciso pensar interseccionalidades para além de classe, gênero e raça, e que incidam em políticas públicas de saúde e de educação. “Isto precisa incidir sobre os currículos escolares, tanto da educação básica quanto dos cursos de graduação. Não como disciplina isolada, mas como conteúdo transversal para a formação dos alunos”, defendeu. Outro tema que demanda atenção são as políticas para a população transsexual. “Fala-se muito sobre a defesa da infância, mas que infância é esta? A população trans não nasce com 18 anos, sofre bullying no ambiente escolar, negligência, abuso, violências, são expulsas de casa. Essas pessoas, durante suas infâncias, frequentaram os espaços escolares e de saúde, o que estes espaços fizeram por elas?”, questionou.

Isabela Cardoso defendeu que não se pode abordar educação, saúde e trabalho de forma dissociada. “A vida de quase 4 milhões de trabalhadores de saúde precisa ser considerada. As necessidades de saúde estão cada vez mais complexas e exigem novas práticas de trabalho e de formação, pautadas pelas necessidades de saúde da população, necessidades do Sistema Único de Saúde”, afirmou. De acordo com ela, é orientação da ministra da Saúde, Nísia Trindade, que as formulações de políticas de saúde precisam considerar a interlocução com outras pastas, como os ministérios do Trabalho e da Educação, por exemplo. “A força de trabalho em saúde é feminina, com grande participação de profissionais do Ensino Médio”, indicou. A secretaria apontou a necessidade de os ministérios de Educação e Saúde articularem a política de regulação da oferta de ensino voltada ao segmento de saúde. “Não basta os cursos cumprirem formalidades. Para além da revisão das diretrizes curriculares, é preciso termos indicadores para avaliação dos cursos. Quase 80% dos alunos da área de Saúde estão vinculados a instituições provadas de ensino. Estes currículos pouco abordam as necessidades e desafios do SUS”, criticou a secretária do Ministério da Saúde. Ainda abordando o tema da regulação do ensino privado, Isabela demonstrou preocupação com cursos da área de saúde que são ofertados integralmente na modalidade de Ensino a Distância (EaD). “A Enfermagem é o curso onde se encontra a maior oferta de cursos, seja Técnico ou de Ensino Superior, em EaD. Trata-se do segmento profissional que representa o maior contingente de profissionais do SUS”, afirmou. A secretária também apontou a necessidade de conteúdos de interculturalidade nos currículos obrigatórios de formação superior de profissionais da Saúde, e não apenas disciplinas optativas, além do respeito às necessidades e prioridades do SUS na oferta de cursos de pós-graduação e na disponibilização de editais de pesquisa e de distribuição de bolsas.

Gulnar Azevedo avalia que a pandemia da Covid-19 impôs a organização de um movimento que congregasse entidades de ciência e tecnologia com aqueles oriundos da saúde. Na época presidente da (Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar avalia que a capilaridade desta interlocução permitiu uma maior integração entre os movimentos da saúde e da educação que gerou, dentre outros resultados, uma orientação para a ocupação das escolas e o retorno às aulas presenciais com segurança sanitária. “Cerca de 178 mil escolas ficaram fechadas, com crianças oriundas de famílias cujos responsáveis em muitos casos não conseguiram se manter em isolamento”, comentou. Para ela, esta interlocução entre instituições mobilizou a participação popular por meio dos movimentos sociais que incorporaram as pautas e encaminhamentos sugeridos pelas entidades de Saúde e suas propostas para a retomada segura dos espaços de educação, como as escolas. O grande resultado, para a reitora da Uerj, foi a criação da Frente pela Vida, que engloba – além de saúde e educação, o segmento de assistência social. “Não podemos perder este espaço de interlocução”, defendeu Gulnar.

Em sua fala, Naomar de Almeida afirmou que era preciso aproveitar o espaço para fazer perguntas “incômodas”, e provocou os participantes do colóquio a refletirem porquê “apesar da insistente retórica de integração intersetorial, políticas públicas de saúde e educação em todos os níveis dos respectivos sistemas quase nunca se realizam mediante otimização, convergências e sinergia, nem mesmo em momentos de grave crise ou situações de urgência histórica” e porquê “apesar do discurso de modernização da administração pública responsável, as redes nacionais de educação básica e de atenção primária de saúde, sendo ambas as malhas institucionais do estado brasileiro de maior capilaridade territorial, muito raramente são planejadas conjuntamente e mais raramente compartilhadas na execução de seus programas”.

Para o professor, as redes de educação básica e de atenção primária à saúde precisam dialogar para a inovação e formulação de propostas que tragam melhorias territorializadas de saúde, para as populações atendidas em seus equipamentos (escolas e unidades básicas de saúde). Por fim, Naomar criticou a falta de integração entre os grandes bancos de dados dos ministérios da Educação e da Saúde, que dificultam a identificação de realidades locais e a consequente formulação de políticas focalizadas em territórios e populações específicas. “O Brasil já possui o CadÚnico [Cadastro Único para Programas Sociais], que é um enorme banco de dados nacional, mas ao mesmo tempo as bases da dados do INEP [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira] e do DataSUS, não alcançam um grau minimamente aceitável de interoperabilidade, e comumente ouvimos que a Educação precisa de dados da Saúde, e que a Saúde precisa de dados da Educação”, apontou.