Participação social, participação da comunidade, controle social, gestão participativa. Os conceitos, muitas vezes usados como sinônimos, guardam algumas diferenças entre si – especialmente no que se refere aos sujeitos envolvidos e objetivos. Mas todos estão relacionados a um mesmo eixo norteador: a perspectiva de atuação da sociedade organizada nos espaços de elaboração, fiscalização ou acompanhamento das políticas públicas de Estado. Muito identificado com a área da saúde, o controle social está presente em diversos setores do Estado sob diferentes formas, absorvendo parcelas significativas da prática de movimentos sociais e da atuação de alguns profissionais.
Neste ano, em que se realiza a 14ª Conferência Nacional de Saúde, o tema ganha ainda mais destaque: a mobilização para o processo da Conferência envolve, também, debates sobre as conquistas e limites desse tipo de mecanismo. Nesta matéria, a Revista Poli ouve pesquisadores, profissionais e militantes das áreas de saúde, educação e trabalho e busca combinar o balanço do controle social nesses setores com uma discussão conceitual. A relação entre Estado e sociedade, as concepções de classe social e cidadania, a mediação entre lutas parciais da classe trabalhadora e seu projeto histórico, entre outros temas, aparecem nessa discussão.
Origens e concepções do controle social
Uma primeira pergunta necessária a esse debate é: afinal, quem é essa sociedade organizada que deveria controlar o Estado? Na base dessa e de outras perguntas, estão alguns eixos que nortearam o próprio desenvolvimento da ideia de controle social no Brasil. “O controle social é um conceito originário das ciências sociais. Originalmente, significava o controle exercido pelo Estado sobre as chamadas ‘classes perigosas’. Mas esse sinal foi invertido quando os movimentos ligados à saúde se apropriaram do conceito, nos anos 1970, e o transformaram no controle da sociedade civil sobre o Estado e suas políticas. Isso foi feito, inicialmente, pela área da saúde, mas depois foi ampliado para outros setores e políticas públicas de Estado”. A afirmação é de André Dantas, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que atualmente desenvolve uma tese de doutorado sobre a história e os sentidos do controle social na saúde.
Gastão Wagner, professor de saúde pública da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), destaca que essa defesa do controle social foi formulada pelos movimentos de saúde brasileiros. “A ideia de que a sociedade civil, os movimentos sociais e os trabalhadores de saúde devem controlar o sistema de saúde foi uma originalidade que surgiu no Movimento da Reforma Sanitária brasileira . Nós incorporamos princípios que eram defendidos internacionalmente, como a universalidade, a integralidade e a equidade, e inserimos essa ideia de que, para o sistema funcionar, para não haver burocratização, para preservar o interesse do usuário e a qualidade no atendimento, deveríamos criar instâncias tripartites, com participação do Estado, dos usuários e dos trabalhadores do sistema, com caráter deliberativo e de fiscalização”, conta.
Ele explica, ainda, que esse modelo é originário de experiências locais, como os conselhos populares criados antes da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esses conselhos envolviam movimentos sociais, comunidades e populações locais, e isso foi incorporado nas deliberações da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e na criação do SUS na Constituição Federal de 1988. Essa ideia é muito radical do ponto de vista democrático: aponta que a gestão do sistema vai garantir uma forma de democracia direta de usuários e trabalhadores”, avalia o professor.
Francini Guizardi, professora-pesquisadora da EPSJV e autora da tese de doutorado ‘Do controle social à gestão participativa: perspectivas (pós-soberanas) da participação política no SUS’, destaca que termos usados como sinônimos – como participação e controle social – apontam, a partir de uma leitura mais rigorosa, diferenças importantes. Segundo ela, a concepção de participação se modificou ao longo do processo de implementação do SUS. “Na Constituição Federal de 1988, aparece a ideia da participação da comunidade. Isso vem da trajetória do movimento sanitário na conjuntura de lutas sociais travadas desde a década de 1970 e que ganharam mais espaço na década de 1980, com o fim da ditadura civil-militar. Mas o conceito de participação foi se modificando. Com a conjuntura da década de 1990, marcada pelo neoliberalismo e pela reorientação das políticas públicas, a mobilização apontou mais no sentido do controle social, a partir da compreensão de que era preciso fiscalizar e controlar o Estado para garantir a efetivação das conquistas obtidas”, explica.
Francini exemplifica, também, algumas das diferenças entre essas concepções de participação e controle social: “O núcleo do controle social é a questão da representação. Os conselhos de saúde, que são estruturas municipais, estaduais e federal, são importantíssimos para o debate, a proposição e o acompanhamento das políticas de saúde. Mas são mediados por critérios de representação da sociedade. Isso não aparecia na ideia de participação, que apontava a intervenção direta dos grupos e movimentos sociais”, diz. Ela lembra que essa trajetória tem ainda mais um capítulo, identificado com a noção de gestão participativa. “Essa ideia surge em 2003, com a criação da Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde. O objetivo foi trazer de volta a noção de participação para o cotidiano do sistema de saúde. Mas o debate tem sido muito orientado para a elaboração de formas de aprimoramento da gestão, e não para a radicalização democrática. E a gestão só vai se tornar mais democrática com um projeto político claro”, defende.
Lembra que, com o movimento sanitário, controle social passou a ser o controle da sociedade sobre o Estado? André Dantas faz uma ressalva: “Nessa formulação, há um entendimento apartado da relação entre Estado e sociedade civil, como se cada um estivesse de um lado. E isso tem várias implicações”, adverte. Ele explica: “O problema é a ideia de que a sociedade civil pode controlar o Estado. Essa formulação é compreensível porque foi feita no contexto de um Estado ditatorial. Toda a energia da luta estava direcionada, naquele momento, para a redemocratização do Estado. O fim último da luta dos movimentos sociais passou a ser o retorno do Estado a uma situação de normalidade democrática. A noção de controle social surge dessa leitura negativa do Estado”, avalia o pesquisador, que continua: “O Estado não é só, mas é também, e principalmente, um instrumento de dominação a serviço do capital. E mais: se não compreendermos Estado e sociedade civil como pólos apartados, mas sim integrados, veremos que as relações de dominação não se manifestam exclusivamente no âmbito do Estado. O controle social é importante e garantiu muitas conquistas, mas carrega essa imprecisão na origem: apostar que, no capitalismo, é possível que a sociedade civil exerça controle sobre o Estado e mude as regras do jogo por dentro da política institucional”, analisa.
Controlar o capital?
Cristina Paniago, professora e pesquisadora de serviço social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) acha que as experiências de controle e participação social, identificadas como tentativas de intervenção popular organizada no interior do Estado capitalista, têm “absorvido imensa energia militante”, e precisam ser analisadas criticamente. E, segundo ela, o ponto de partida dessa análise é justamente o questionamento sobre a possibilidade de se controlar o capital. “A partir dessa pergunta, o debate fica colocado sob outro prisma. Não trataremos de maneira restrita os espaços institucionais de participação social dentro do Estado, e sim pautaremos a discussão analisando os fundamentos do Estado. Precisamos perguntar se é possível trazer o Estado para realizar os interesses da classe trabalhadora”, propõe. E completa: “Isso não quer dizer que o Estado não possa atender parcialmente alguns interesses dos trabalhadores. Mas isso é restrito aos interesses que não colocam limites à acumulação de capital”, analisa.
Outro conceito fundamental na análise da professora sobre esse processo é o de classe social. Segundo ela, é equivocado pensar em um controle ‘da sociedade’ sobre o Estado sem levar em consideração os conflitos existentes dentro dessa própria sociedade. “Não é possível discutir a situação do indivíduo se não reconhecermos que vivemos em uma sociedade em que uma classe minoritária explora a classe majoritária da população. A posição em que cada indivíduo se situa nessa estrutura da produção e das relações sociais define as classes”, diz, destacando que o Estado é também instrumento de uma classe social.
Para Cristina, a compreensão que ignora essa divisão da sociedade em classes aponta para uma falsa dicotomia entre a ‘sociedade’, formada por ‘cidadãos’, de um lado, e o Estado, de outro. Segundo a professora, isso acontece porque, quando está ausente, a perspectiva de classe é substituída pela de cidadania. E o conceito de cidadania, diz, pressupõe um exercício político entre iguais, que, ao não identificar as contradições e disputas entre as classes, retira do cenário de lutas elementos importantes. “Temos que empreender uma luta de classes para a emancipação de todos os homens. Isso pode ser feito nos espaços possíveis da cidadania, mas jamais absorvendo os limites impostos por ela. Para conquistarmos a igualdade plena, temos que eliminar a desigualdade na base econômica da reprodução da riqueza na sociedade capitalista. A luta prisioneira da esfera política e democrática fica confinada às discussões sobre leis, concessões, conquistas ou retirada de direitos, sem nunca tocar na questão da dominação material que o capital e seu Estado fazem sobre os trabalhadores”, destaca.
É a partir dessa análise que Cristina Paniago, reivindicando as formulações do filósofo marxista húngaro István Mézsáros, aponta a impossibilidade de controle do capital – e, por isso, questiona o sentido das práticas de controle social. “Parto do pressuposto de que não é possível controlar o Estado de acordo com os interesses da classe trabalhadora. Nós precisamos, isso sim, criar uma outra forma de existência social, em que o controle seja feito pelos trabalhadores sobre toda a reprodução social – e não só sobre os espaços permitidos pelo Estado e pelo capital”, propõe.
Limites e conquistas
Mas o que se conquistou com o exercício do controle social no Brasil? Para André Dantas, a experiência concreta tem demonstrado que o Estado coloca uma parcela muito pequena das políticas ‘em jogo’, para serem ‘controladas’. “Ao fazermos esse balanço, não podemos cobrar do controle social algo que não está ao seu alcance, mas devemos partir dos exemplos concretos para entender que o controle social não é a forma de radicalização democrática que conduzirá, por si só, à transformação da sociedade”, avalia.
Situando esse processo na história recente brasileira, ele identifica o que chama de ‘colonização do controle social’: “A Constituição de 1988 trouxe uma série de conquistas aos trabalhadores, mas o Brasil não foi poupado da onda neoliberal dos anos 1990. E foi nesse contexto que se deu a implementação dos conselhos e mecanismos de controle e participação social. O capitalismo buscava neutralizar esse acúmulo de forças das lutas sociais dos anos 1970 e 1980, e isso pode ter sido facilitado pelo fato de o movimento social ter apostado que as formas de participação poderiam tornar esse Estado a seu favor. Assim, o controle social foi tomado de modo acachapante pela onda neoliberal”, analisa. Ele sintetiza: “O controle social foi influenciado pela ideia do chamado ‘terceiro setor ’, que coloca de um lado a economia (compreendida como o mercado), de outro a política (entendida como o Estado), e se apresenta, enquanto sociedade civil, como a solução mediadora dessa equação. Basta lembrar que esta concepção de participação está presente em documentos do Banco Mundial e de outros organismos internacionais a serviço do capital”, afirma.
Para Cristina Paniago, a experiência dos últimos 20 anos mostra que o exercício do controle social tem tido resultados muito pontuais e pouco significativos. Para a professora, o saldo maior da participação nos espaços institucionais é um prejuízo na organização popular autônoma. “Tenho acompanhado esses resultados com algum interesse, inclusive porque a área do serviço social é muito envolvida com atividades de controle, participação e mediação entre comunidade e Estado. O saldo político é prioritariamente de imobilização e esvaziamento das representações e organizações autônomas da classe trabalhadora, com sua canalização para dentro do Estado. A participação tem sido mais para administrar os conflitos, predominando o domínio institucional do Estado sobre os movimentos sociais”, analisa.
Gastão Wagner discorda. Para ele, a desmobilização dos movimentos sociais nas últimas décadas tem raízes mais profundas e não pode ser creditada à participação em instrumentos de controle social no interior do Estado. “Houve um esvaziamento geral dos movimentos sociais. O mecanismo de defesa dos brasileiros mais pobres foi trabalhar muito e votar em candidatos com perfil mais popular. Mesmo a juventude perdeu aquela identidade com a rebelião e as lutas. Estão todos muito adaptados ao jogo do sistema, buscando a ascensão social. Os sindicatos esvaziaram sua capacidade de negociação. Mas isso não é responsabilidade da atuação em conselhos e espaços de controle social, e sim fruto de uma conjuntura mais ampla. Se o movimento social estivesse forte, os conselhos seriam mais uma forma de pressão, e não de esvaziamento”, defende o professor.
Para o pesquisador, as críticas ao funcionamento do controle social seguem em outra direção. Como debilidades, ele identifica a burocratização dos instrumentos e sujeitos do controle social, além da priorização de elementos de gestão em relação aos debates estratégicos: “Ser conselheiro virou uma ‘profissão’. Há reeleição de pessoas, afastamento dos conselheiros em relação à sociedade e a utilização dos espaços para a defesa de interesses muito particulares. Os conselheiros tinham que se aproximar dos usuários e dos trabalhadores, pensando em definir diretrizes e fiscalizar as políticas”, propõe. Apesar de todos os problemas, ele não tem dúvidas sobre a importância dessa estratégia: “Os conselhos e conferências são arenas políticas. Mas, mesmo com as limitações, acho que é melhor existirem espaços debilitados do que não existir nada”.
Para Cristina, a prioridade deve estar em acumular forças, discutir profundamente os problemas sociais, o Estado, o capital e atuar na conscientização política dos trabalhadores em seus conflitos reais da luta cotidiana, na base das comunidades, dos sindicatos e das organizações sociais. “A partir do fortalecimento desses mecanismos de organização social, poderemos escolher as mediações mais adequadas para a disputa pelos objetivos da classe. O controle social e as formas de participação dentro do Estado podem ou não ser úteis ao fortalecimento dos trabalhadores, mas isso não pode ser um fim da nossa luta. A finalidade é a superação da atual forma de produção de riqueza, das classes sociais e desse Estado”. Ela completa: “Existem espaços na luta social hoje que são inevitáveis, e precisamos estar representados neles. Mas precisamos compreender qualquer espaço de atuação como um meio para nos aproximarmos de uma finalidade emancipatória”.
Na saúde: os conselhos e conferências hoje
Não é por acaso que as experiências e instrumentos de controle social na área da saúde já foram bastante citados nesta matéria. É que, como dissemos, a própria elaboração desse conceito se confunde com a história dos movimentos sociais de saúde no Brasil, que gerou as mais consolidadas e reconhecidas práticas de controle social no país. Mas como funcionam os conselhos de saúde hoje? E as conferências? Qual a opinião de quem participa dos mecanismos de controle social sobre esses espaços?
O controle social na saúde foi regulamentado pela Lei 8142, de 1990, que determina a participação da comunidade na gestão da saúde através das conferências municipais, estaduais e nacional de saúde, que ocorrem a cada quatro anos. Os outros espaços previstos pela lei para o controle social são os conselhos de saúde, que também existem nos municípios, estados e em nível nacional. Os conselhos se organizam através de um mecanismo de paridade que reserva 50% das vagas aos usuários do sistema de saúde, 25% aos seus trabalhadores e os outros 25% ao governo, através dos gestores e prestadores de serviço ao SUS. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) é uma instância deliberativa – a principal do SUS –, vinculada ao Ministério da Saúde, que tem as funções permanentes de formular, fiscalizar e acompanhar as políticas de saúde no Brasil.
Para Jurema Werneck, conselheira nacional de saúde e integrante da mesa diretora do CNS, a distribuição paritária dos conselhos reflete a identificação dos usuários como o foco principal das políticas de saúde. “Essa distribuição é pautada pelo reconhecimento da razão pela qual as políticas públicas existem: a sociedade. Mas, ainda assim, há formas de articulação política por fora dos conselhos, que envolvem outros setores e acabam, às vezes, dando peso maior a outros segmentos no momento de deliberações sobre as políticas”, diz. Ela exemplifica: “Há, por exemplo, interesses de grandes empresas e setores religiosos muito poderosos envolvidos na definição das políticas de saúde. E a disputa, muitas vezes, tem sido desigual. Esses grupos conseguem imprimir sua força sobre interesses da sociedade, mas por outro lado isso não acontece sempre: os setores comprometidos com os interesses da maioria da sociedade também têm conseguido defender suas posições”, diz.
Gastão Wagner destaca que, mesmo com uma legislação única, o funcionamento dos conselhos é muito heterogêneo no país. Para se ter uma ideia, hoje há mais de 79 mil conselheiros de saúde no Brasil, atuando nas instâncias municipais, estaduais e nacional. “Há estudos que apontam que 50% dos conselhos têm funcionamento precário, 30% funcionamento regular e somente 20% funcionam como previsto na lei. Mas, mesmo com as debilidades, é uma arena política importante”, avalia o professor. Ele aponta, ainda, que as conferências de saúde, que julga como importantes espaços do controle social, vêm perdendo sua eficácia política. “São muitas deliberações, o que dificulta a discussão dos grandes e relevantes temas. Para ser mais objetiva, acho que a próxima conferência deveria se centrar nas discussões sobre se as principais estratégias do Ministério da Saúde correspondem às expectativas dos brasileiros”, sugere.
Na educação, debate ainda é incipiente
O tema do controle social ainda está em ainda está em construção na área da educação. A afirmação é de Andréa Gouveia, professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Grupo de Trabalho de Estado e Política Educacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Ela aponta, no entanto, que debates travados desde os anos 1980 sobre a necessidade de participação popular na concepção da política, produção e controle dos resultados da educação conquistaram a afirmação do princípio da gestão democrática da escola pública na Constituição de 1988.
A professora destaca que a área da educação tem mais tradição, no que se refere ao controle social, na atuação em conselhos escolares, que contam com a participação da comunidade para a elaboração dos projetos político-pedagógicos das unidades escolares. “Há também experiências locais e municipais, com a criação de conselhos gestores, mas isso não é unificado nacionalmente como na área da saúde, já que o Brasil não tem um sistema nacional de educação”, explica Andréa. Ela lembra que a constituição de um sistema nacional foi o tema da primeira Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em abril de 2010, outro espaço de controle social na educação. “Já tínhamos experiências de conferências municipais e estaduais sendo realizadas por iniciativa de governos específicos. Em 2009, nas etapas preparatórias da Conae, tivemos pela primeira vez uma chamada nacional, com participação do governo federal, para espaços municipais, estaduais e nacional pensados de forma integrada. Mas isso é ponto de chegada de longo processo de muitas experiências e muita demanda da comunidade educacional por um espaço onde tivéssemos a voz das comunidades no planejamento das política”, destaca.
Na avaliação de Andréa, ainda que a Conae tenha sido um importante passo, o processo como um todo ainda é muito disperso e descontínuo – o que não possibilita que se faça uma caracterização de que as políticas de educação sejam fruto de formas de participação social organizadas. “Há alguns casos, como os conselhos voltados especificamente para o Fundef, o Fundeb e a merenda escolar, em que o tema do controle social é mais explícito”, diz. O mecanismo para acompanhar o Fundeb, a que se refere Andréa, é o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb. “Esses conselhos, do Fundeb e da merenda escolar, são espaços importantes de compreensão dos sindicatos, dos pais e mesmo dos professores e secretarias de educação de que parte importante da definição das políticas de educação passa pelo financiamento”, opina.
No entanto, a pesquisadora da UFPR aponta que a principal fragilidade para o exercício do controle social na área da educação é a pulverização de espaços. A opinião é compartilhada por Antônio Freitas, que compõe a Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE). Para ele, o CNE tem procurado constituir-se como um espaço de participação da sociedade, mas a representação popular junto ao conselho fica prejudicada por conta da fragmentação entre as estruturas existentes. “Haveria mais participação se conseguíssemos integrar a atuação dos conselhos municipais e estaduais entre si e com o CNE”, avalia. Órgão colegiado integrante do MEC, o CNE exerce funções normativas, deliberativas e de assessoramento ao ministro.
Na opinião de Antônio Freitas, a autonomia do órgão está resguardada mesmo com a relação próxima ao ministério, já que as decisões do CNE, apesar de homologadas pelo MEC, são formuladas de maneira independente do Ministério.Ele explica, ainda, que a composição do Conselho Nacional se faz a partir de indicações de entidades representativas da sociedade, como sindicatos, organizações estudantis, sociedades científicas e outras. Essas entidades são escolhidas pelo MEC e pela Presidência da República e fazem suas indicações aos 11 cargos de cada uma das câmaras do Conselho (composto pelas câmaras de Educação Básica e de Ensino Superior. Cabe também ao MEC e à Presidência a escolha final entre os indicados para o CNE.
Para Andrea Gouveia, o Conselho tem sido um espaço de debates importantes, que se fazem autonomamente ao MEC. “Mas os conselheiros não são eleitos diretamente por seus representados. Então, do ponto de vista pressuposto pela democracia participativa, não vejo na estrutura do Conselho hoje essa possibilidade. Ele é muito mais um órgão assessor de interpretação da legislação, importante, que consegue fazer alguns debates como diretrizes para carreira, insumos mínimos para a qualidade da escola e outros que são importantes, mas ainda é muito tímido em pensar um espaço entre Estado e sociedade civil que pudesse ser força mais contundente de intervenção na política”, pondera. Ela lembra, ainda, que a Conae criou uma estrutura pensando no exercício do controle social, o Fórum Nacional de Educação. “Esse Fórum já foi nomeado, e é composto por uma série de entidades que estavam na comissão organizadora da Conferência. Esse pode ser um embrião de espaço que não é de apoio legislativo, mas sim de disputa da política. Uma das propostas é que o Fórum construa conferências a cada quatro anos, e aí haveria acompanhamento constante e mais geral da política educacional. Mas ele ainda não começou a funcionar”, conta Andrea.
Trabalho: primeira conferência em 2012
Assim como no campo da educação, a área de trabalho e emprego não possuiu estruturas consolidadas historicamente para o exercício do controle e participação social. Segundo o sociólogo e professor da Universidade Federal de Campina Grande Roberto Véras, a própria trajetória de elaboração de políticas públicas diretamente voltadas ao tema do trabalho e do emprego é tardia no Brasil, o que debilita também a garantia de participação e controle em relação a essas políticas. “No que se refere às políticas públicas de emprego, trabalho e renda, a experiência mais relevante de participação e controle social se expressa no sistema Codefat, o Conselho Deliberativo do FAT. Por ocasião da Constituição de 1988, foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), inicialmente para viabilizar o financeiramente do Seguro Desemprego (uma das mais importantes conquistas sociais daquela edição da Carta Magna). Em 1990, foi instituído o Codefat, com o propósito de gerir os recursos do FAT, em termos colegiados e de modo tripartite e paritário, contando com representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo”, explica Véras. A composição desse conselho, segundo o professor, se dá com indicações das centrais sindicais para a representação dos trabalhadores e das confederações de empregadores.
O professor conta ainda que, em 2004 e 2005, o Ministério do Trabalho e Emprego organizou, respectivamente, o I e o II Congresso Nacional do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda. Esses congressos envolveram gestores de políticas de trabalho, membros de comissões de emprego, intelectuais e organizações representativas da sociedade. “Ambos os congressos incluíram momentos preparatórios nos grandes municípios e em todos os estados da federação. Constituíram-se, assim, em momentos de mobilização e discussão privilegiados sobre a formulação de um horizonte mais estratégico para as políticas de emprego/trabalho no país. Por outro lado, as políticas públicas de emprego, trabalho e renda não superaram sua condição histórica fragmentada e seu caráter de ‘programa’, não se constituindo, ainda, em ‘políticas de Estado’”, lamenta. Ele conclui apontando que, apesar dos avanços, ainda não é possível se falar na existência de um Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda no país, nem em uma dinâmica de participação e controle social mais efetiva.
Uma iniciativa que vem sendo apontada como um passo importante para a constituição dessa dinâmica é a I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (CNETD), convocada no final de 2010. Segundo Mário Barbosa, assessor especial do ministro de Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e responsável pela coordenação geral da Conferência, a escolha do tema está relacionada a um compromisso assumido pelo Brasil junto à Organização Internacional do Trabalho. “Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva firmou um compromisso de cooperação técnica com a OIT para a implementação de uma agenda para o trabalho decente no Brasil”, conta.
Barbosa explica que a Conferência terá estrutura tripartite – com representação dos trabalhadores, empregadores e governo – e poderá absorver, também, até 10% de representação de segmentos da sociedade civil envolvidos com o tema. “A etapa nacional, que ocorrerá de 2 a 4 de maio de 2012, será precedida por conferências nos estados e, sempre que possível, nos municípios. O calendário de conferências estaduais vai de agosto e outubro deste ano, diz. Em relação a outras instâncias de controle social para além da conferência, Mário Barbosa conta que, em 2011, foi criado o Conselho Nacional de Relações de Trabalho, com estrutura tripartite, que pode ser mais um espaço para a participação social “Há, também, a participação da sociedade em áreas específicas, como a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil”.
Para José Dari, professor de economia da Unicamp e integrante do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), é preciso pensar sobre a efetividade dos espaços de participação criados pelo processo de democratização do Estado brasileiro. “Muitas vezes, a participação nos espaços abertos pelo Estado é mais formal do que real”, critica. No que se refere à realização da Conferência Nacional em 2012, o professor reconhece avanços na abertura de um espaço de discussão como esse, mas chama atenção para o conteúdo do debate que será travado. “Precisamos pensar sobre esse conceito de trabalho decente. Na minha opinião, é um conceito que está em disputa na sociedade, porque o que se considera como decente é o padrão que a sociedade julga minimante civilizatório para uma relação de emprego. E a definição do que é um trabalho digno na sociedade depende de quem olha”, analisa. Ele aponta algumas perspectivas: “Na nossa compreensão, trabalho digno é aquele com proteção social, que respeita a liberdade de organização dos trabalhadores, contribui para diminuir a relação assimétrica entre capital e trabalho e cria condições, do ponto de vista da remuneração, para vida digna do trabalhador. E, para isso se viabilizar, temos que apontar para iniciativas de desenvolvimento do país capazes de gerar ocupações de qualidade e, também, para o fortalecimento da regulação pública do trabalho, enfrentando situações como, por exemplo, os 17 milhões de brasileiros que vivem sem carteira de trabalho assinada”.
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Especial Conferência Nacional de Educação
Reportagem publicada na revista Poli nº17, de maio/junho de 2011.