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As críticas à base para formação docente

Proposta voltada para a educação básica foi avaliada na 39ª Reunião da Anped, que aconteceu entre os dias 20 e 24 de outubro, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 30/10/2019 10h54 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

Na semana em que o Conselho Nacional de Educação (CNE) encerrou a consulta pública sobre as Diretrizes Curriculares e a Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica, o tema foi amplamente discutido durante a 39ª Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). O evento aconteceu entre os dias 20 e 24 de outubro, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói.

O texto de referência elaborado pela Comissão Bicameral de Formação Inicial e Continuada de Professores do CNE propôs alterar uma resolução sobre o assunto, a número 2, aprovada pelo próprio Conselho em 2015. A consulta acabou no dia 23 de outubro, e deu oportunidade para que o setor conhecesse mais a fundo as mudanças propostas. As avaliações dos pesquisadores, contudo, não são nada positivas.

Para Luiz Dourado, da Universidade Federal de Goiás (UFG),  o documento ignora a diversidade em um país continental como o Brasil, além de minar  a autonomia pedagógica. “O texto quebra a proposta da resolução 2/2015 quando assume outra compreensão de docência. Trata-se de uma concepção de mundo, de homem e de sociedade instrumental e pragmática. Além disso, o texto entende que os espaços de governança são os institutos, quando na verdade são os projetos institucionais, que devem ter identidade própria para pensar as licenciaturas. Essa base nacional não respeita professores e estudantes ao desconsiderar as instâncias colegiadas”, lamentou.

No mesmo debate, Gisele Masson, professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, analisou que está em curso na esfera municipal um "forte" movimento  para rebaixar a exigência de formação de nível superior para os professores – principalmente, para aqueles que atuam na educação básica. “O PNE [Plano Nacional de Educação] diz que até 2024 todos os profissionais da educação deveriam ter formação em nível superior. No entanto, a lei do piso salarial, de 2008, define que um profissional que tem apenas o nível médio pode ter carga horária semanal de 40 horas. E essa tem sido uma estratégia dos municípios: rever os planos de carreira e passar a exigir nível médio para pagar apenas o piso, considerando que se o profissional tivesse formação superior ele precisaria ter um vencimento acima do piso”, explicou. Outro elemento problemático, em sua opinião, é a existência de fundações privadas que vem direcionando a formação docente.

Também por isso, afirmou Masson, não é possível pensar a política de formação e valorização docente de forma descolada de um conjunto de questões que atravessam a sociedade brasileira. Segundo ela, a educação se tornou foco central no debate dos setores conservadores, que perpassa três categorias: ciência, religião e mercado. “Precisamos pensar em como determinadas classes e grupos sociais atuam politicamente no cenário educacional brasileiro, de modo a definir projetos educacionais distintos e por vezes associados”, incentivou.

A precarização também é um problema, alertou Masson. “O próprio ministro da Educação, ao propor o Future-se, se posiciona pela contratação de professores nas universidades sem concurso”, observou. Assim, segundo ela, se multiplicam novas formas de contratação, como professor horista ou mesmo através de aplicativos de celular nos quais o pagamento é feito por aulas avulsas. “Em Santa Catarina teve até caso de leilão para contratar por menor valor os docentes”, contou.

Para Masson, é fundamental defender as metas do PNE, as diretrizes de formação inicial dos professores e mobilizar politicamente os profissionais da educação. “Hoje, os professores das redes municipais de educação básica são os mais fragilizados do ponto de vista da valorização e mobilização. Os cursos de formação de professores precisam qualificar esses profissionais, para que ao assumir a profissão de docente, tenham clareza sobre planos de carreira, formas de mobilização e luta pela sua valorização”, concluiu.

Em outra análise, Helena de Freitas, professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrante da diretoria da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), ressaltou que está em curso uma ideia de que o problema da formação docente é que os jovens que tiram uma nota média de 400 no Enem, considerada baixa, optam pelo curso de licenciatura. “De fato, temos muitos jovens com dificuldades de compreender e produzir textos, mas é preciso preservar a presença dessa juventude nos cursos de licenciatura não pela nota, mas porque é ela que pode desenvolver um compromisso social, político e ético como a sua classe”.

Lucília Lino, presidente da Anfope, analisou que o cenário brasileiro não é de ataque a um programa específico e, sim, à educação. Mais especificamente, à formação de professores. “Por isso os ataques destroem todos os programas de formação, que já começam a ser descontinuados desde 2014, mas mais profundamente em 2016. Agora, estamos enfrentando essa proposição de revogar a resolução 2/2015”, lamentou. Segundo ela, os ataques visam descaracterizar a escola e a universidade como espaços de formação em detrimento de uma lógica de privatização com fundações privadas.

Lino apontou que o parecer sugere a carreira do professor no modelo usado pela Austrália. Entretanto, ela alertou que depois da reformulação da carreira docente, o desempenho dos alunos caiu no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) naquele país. “Vão só destruir a carreira docente e não melhorar o desempenho dos alunos. Seremos totalmente incompetentes, sem nenhuma condição de ministrar uma aula sem o apoio do material didático oferecido por essas fundações – e é esse o real e efetivo interesse do governo”, concluiu.

Comentários

O texto faz uma referência como se fosse minha: "Para Luiz Honorato da Silva Júnior, da Universidade de Brasília (UnB), o documento ignora a diversidade em um país continental como o Brasil, além de minar a autonomia pedagógica. “O texto quebra a proposta da resolução 2/2015 quando assume outra compreensão de docência. Trata-se de uma concepção de mundo, de homem e de sociedade instrumental e pragmática. Além disso, o texto entende que os espaços de governança são os institutos, quando na verdade são os projetos institucionais, que devem ter identidade própria para pensar as licenciaturas. Essa base nacional não respeita professores e estudantes ao desconsiderar as instâncias colegiadas”, lamentou." Devo informar que nunca afirmei tal coisa, inclusive porque não pensa desta maneira. Creio haver um engano. Atte, Luiz Honorato