A 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente chegou ao fim no dia 9 de maio, em Brasília. Marcada como a edição mais diversa já realizada, o evento contou com a participação de uma delegação composta por 56% de mulheres, 58% de pessoas negras, 7% pessoas com deficiência e um terço de indígenas e representantes de populações tradicionais.
No último dia, as 100 propostas de cada um dos cinco eixos temáticos — votadas na noite anterior — foram ranqueadas por prioridade pelos delegados presentes. Cada participante pôde selecionar, dentre todas as propostas, as dez que considerava mais importantes, independentemente do eixo temático.
A proposta mais votada refletiu a diversidade e a urgência do público presente: “Construir o plano nacional de regularização fundiária e cogestão socioambiental de territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais e periféricas junto a um amplo sistema de áreas protegidas acelerando demarcação e homologação de territórios indígenas, titulação de territórios quilombolas, fiscalização e proteção contra crimes ambientais e valorização do conhecimento ancestral”.
Em seguida, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, presente em todos os dias da Conferência, recebeu o documento final pelas mãos de dois delegados: Edineto Moreira e Ailton Ferreira. Entre os presentes na solenidade de encerramento também estavam a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ).
Em entrevista coletiva à imprensa, Marina ressaltou a importância das propostas apresentadas em diálogo com a justiça climática, “que deve se expressar de forma transversal em todas as políticas, precisando estar em todas as frentes para proteger os mais vulnerabilizados”.
Ela também apontou a relevância do tema para os próximos debates eleitorais. “Eu espero que, nas eleições de 2026, a pauta da emergência climática seja colocada com muita força, para que a sociedade dê sustentabilidade política para os temas que estão desafiando o século”. Segundo a ministra, o engajamento público é essencial para que a justiça climática se torne uma prioridade na agenda governamental. “Na hora que o cidadão tiver consciência de que esse tema não pode não ter resposta, indicadores de resultados, com certeza eles entrarão como prioridade na plataforma dos governos”, destacou.
Nesse sentido, Marina reforçou que a responsabilidade climática deve transcender orientações ideológicas. “Eu sempre digo que você pode até ter uma ideologia de centro, de direita, de esquerda, progressista, conservadora. O que você não pode é ser negacionista. E, independente do espectro ideológico, todos terão que ser sustentabilistas”, afirmou.
Grupos Temáticos
Estiveram presentes na 5ª CNMA 1.182 delegados, responsáveis por debater as proposições de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Organizados em 50 Grupos de Trabalho (GTs) que ocorreram simultaneamente, cada participante escolheu as dez propostas que julgava mais relevantes. No penúltimo dia, durante uma grande plenária, foram selecionadas 20 prioridades para cada eixo temático.
Essas proposições irão subsidiar a implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que será apresentada na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em novembro. A 5ª CNMA também se consolidou como um importante momento de mobilização social em preparação para a COP30. Para Sara Ribeiro, consultora do Instituto Internacional Arayara, “a Conferência Nacional de Meio Ambiente é como se fosse a COP do Brasil, porque dela irão sair, realmente, todos os clamores da sociedade brasileira”.
Rogério Rocco, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Rio de Janeiro, também destaca a relevância do encontro. “Trata-se de uma oportunidade valiosa para que os coletivos organizem as propostas que o país levará à conferência internacional”, ressaltou.
Mitigação
Entre as pautas defendidas no eixo de mitigação — voltado à redução e remediação dos impactos ambientais — destacaram-se a promoção da agricultura sustentável, os sistemas agroflorestais, a recuperação de áreas degradadas, o reflorestamento, a gestão ambiental e o combate ao desmatamento.
Por isso, a proposta priorizada pelos delegados neste eixo foi o fomento à agricultura sustentável e regenerativa em todo o território nacional, com foco na agricultura familiar e na regularização fundiária. A iniciativa prevê a adoção de sistemas agroflorestais, práticas agroecológicas, uso de adubos orgânicos e bioenergia, além da recuperação de áreas degradadas com incentivo à apicultura, meliponicultora e manejo integrado dos territórios.
Para além dessa proposição, na abertura da 5ª CNMA, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, apresentou algumas das iniciativas brasileiras relacionadas ao tema: “O Brasil foi o segundo país do mundo a apresentar sua NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada], o compromisso de redução de emissão de gases de efeito estufa. Tendo 2005 como referência, até 2035, prevemos a redução entre 59% e 67% das emissões. É uma proposta ousada, mas factível”, afirmou.
Adaptação e Preparação para Desastres
Planejamento urbano, infraestrutura adaptada para suportar inundações e enchentes, planos de contingência, gestão de riscos, além de propostas para criação de um fundo orçamentário e mecanismos de financiamento climático, estiveram entre os temas discutidos por esse eixo ao longo da Conferência.
Durante a primeira palestra magna, realizada em 7 de maio, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Carnevalli Durigan, anunciou a intenção do governo federal de propor um fundo global voltado à proteção de florestas tropicais. “Estamos trabalhando para, na COP deste ano, poder oferecer um fundo de proteção de florestas tropicais. Queremos fazer com que a mobilização de capital não vá para a guerra, mas para a preservação de florestas. Essa é a nossa bandeira que será levantada na COP30”, afirmou.
Nesse eixo, a proposta priorizada prevê o fortalecimento das brigadas florestais, por meio da criação de um Sistema Nacional de Brigadas Populares. A proposta prevê a formação de grupos voluntários, independentes e comunitários, com brigadistas capacitados continuamente para prevenção e combate a incêndios. O sistema contaria com financiamento público e atuação articulada entre municípios, estados, União e setor privado.
Justiça Climática
Esse foi um dos eixos mais debatidos durante a Conferência. Entre os principais temas propostos estiveram o apoio à agricultura familiar, a universalização do saneamento básico, a promoção da saúde pública, a segurança alimentar, além da garantia da participação social e dos direitos humanos.
A segunda palestra magna, realizada no dia 8 de maio, tratou da emergência climática sob a perspectiva dos povos indígenas e das periferias urbanas — populações que, segundo Cristiane Pankararu, representante indígena pelo Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), são "quem vai conviver com os impactos diretos e imediatos da emergência climática”.
Na palestra anterior, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também ressaltou a importância da equidade no enfrentamento da crise climática. Para ela, “é possível fazer o enfrentamento da emergência climática com os princípios da justiça climática, para que os países, regiões e pessoas mais vulnerabilizadas — como as mulheres, as pessoas pretas, LGBTQIA+ e a população indígena — não paguem o maior preço”.
A proposta priorizada pelos delegados foi a construção de um plano nacional de regularização fundiária e cogestão socioambiental de territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais e periféricas. A medida inclui a criação de um amplo sistema de áreas protegidas, com ações de aceleração da demarcação e homologação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas, fiscalização contra crimes ambientais e valorização do conhecimento ancestral.
Transformação Ecológica
O eixo considerou temas como gestão de resíduos, economia circular, infraestrutura sustentável, além de legislações e políticas voltadas às mudanças climáticas. No entanto, o destaque ficou para os debates sobre a transição energética, que dominaram as discussões desse grupo.
O documento-base publicado pelo Ministério do Meio Ambiente destaca que esse processo “combina com esforços para aumentar investimentos, com iniciativas como o maior uso de biocombustíveis, estímulo à produção de energia eólica e do chamado hidrogênio verde, apoio à chamada bioeconomia, com restauração de florestas, e mais tecnologia”.
Ainda na cerimônia de abertura da 5ª CNMA, o vice-presidente Geraldo Alckmin destacou os esforços do governo federal para incentivar a produção e o uso de biocombustíveis — como etanol, biodiesel, mamona e soja. Ele também ressaltou a importância da recém-aprovada Lei do Combustível do Futuro (Lei 14.993/2024), voltada à promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono. A nova legislação prevê a criação de programas nacionais para o desenvolvimento do diesel verde, de combustíveis sustentáveis para a aviação e do biometano, além do aumento da proporção de etanol e biodiesel nas misturas com gasolina e diesel, respectivamente.
A proposta mais votada desse eixo ressalta o fortalecimento de políticas de apoio à agricultura familiar agroecológica, com incentivo ao uso de sementes crioulas na formação de estoques públicos. A medida prevê a oferta de crédito subsidiado adaptado às diversas realidades do campo, assistência técnica, e avanço da Reforma Agrária Popular. O foco está no cooperativismo, na soberania alimentar, na resiliência climática e na geração de renda — ao mesmo tempo em que contribui para a redução do desmatamento e do uso de agrotóxicos.
Governança e Educação Ambiental
Entre os temas debatidos por esse eixo estiveram a proposta de formalização da educação ambiental, a criação de políticas públicas voltadas à formação profissional e à governança socioambiental, além do fortalecimento dos saberes tradicionais e de práticas sustentáveis nas comunidades.
Durante sua apresentação na palestra magna do dia 7 de maio, o cientista brasileiro Carlos Nobre defendeu a inclusão da educação para o enfrentamento da emergência climática nos currículos do ensino fundamental e médio. Para ilustrar a importância dessa proposta, citou a experiência do Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil (Nupdec) de Jaboatão dos Guararapes (PE) e do programa Cemaden Educação, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.
“Em maio de 2022, uma forte chuva na Grande Recife levou à morte de 240 pessoas. Porém, nessa comunidade, as crianças conseguiram retirar centenas de moradores de áreas de risco. Casas desabaram ali, mas ninguém morreu”, relatou. Pluviômetros artesanais criados em 400 escolas durante o projeto, auxiliaram as crianças e adolescentes a medirem o volume de chuva e identificarem o momento de evacuar a região.
A proposta mais votada destacou a destinação de, no mínimo, 5% do orçamento da União, estados e municípios para ações relacionadas à emergência climática. Os recursos seriam voltados à execução da Política Nacional do Meio Ambiente, com ênfase em gestão, fiscalização, restauração florestal e educação ambiental e climática.
Outras atividades
Palestras magnas realizadas nas manhãs dos dias 7 e 8 de maio mobilizaram o público em torno dos principais temas da 5ª CNMA. Além da ministra Marina Silva, os debates contaram com a participação de autoridades, pesquisadores e militantes.
A primeira palestra, “Emergência Climática: o desafio da transformação ecológica”, reuniu o secretário-executivo Dario Durigan e o pesquisador Carlos Nobre. No dia seguinte, a mesa foi composta exclusivamente por mulheres: Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI); Cristiane Pankararu, liderança indígena; e Gabriela Santos, diretora e cofundadora do Instituto Perifa Sustentável. Elas discutiram o tema “Os desafios da justiça climática no contexto da emergência climática”.