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Dois meses de ocupação

Entre a violência das desocupações forçadas, vitórias conquistadas e até a exoneração do secretário de Educação, o movimento de ocupação das escolas estaduais do Rio de Janeiro chega à reta final
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 20/05/2016 10h48 - Atualizado em 01/07/2022 09h46
Grafite feito pelos estudantes da ocupação do Colégio Estadual Visconde de Cairú Foto: Maíra Mathias

As últimas semanas foram agitadas para os secundaristas do Rio de Janeiro. Prestes a completar dois meses em 21 de maio, o movimento de ocupação das escolas estaduais viveu uma verdadeira roda-viva. Em meio a um intenso calendário de negociações com a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc), os alunos tiveram que se organizar para resistir aos vários episódios de expulsão à força pelo movimento contrário, o ‘Desocupa’, e administram tensões com entidades estudantis que provocaram os primeiros rachas no comando geral das ocupações.

Ao mesmo tempo, conseguiram vitórias marcantes, como o compromisso assumido pelo governo de dar fim aos sistemas de avaliação Saerj e Saerjinho, a aprovação de um projeto de lei que prevê a eleição direta para as direções das escolas, e até a queda do próprio secretário estadual de Educação, Antonio Neto, e de seu chefe de gabinete, Caio Castro. O Portal EPSJV foi às escolas ocupadas e perguntou aos secundaristas qual o balanço que eles fazem do movimento inédito no cenário da educação do estado.

Mendes: símbolo das ocupações

Tudo começou no dia 21 de março. O Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes foi o pontapé para o movimento das ocupações no Rio de Janeiro, seguindo o rastro de outros estados, como Goiás, São Paulo e Espírito Santo e acendendo o pavio para Ceará, Rio Grande do Sul e, de novo, São Paulo – atualmente ocupados. A escola da Ilha do Governador foi ocupada cerca de duas semanas depois que o Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio (Sepe) decidiu entrar em greve. O movimento de solidariedade aos docentes rapidamente se espalhou por outros colégios, ganhou pauta específica, agenda própria e chegou ao fim de abril somando 68 escolas. 

Foi também no Mendes que alguns dos episódios mais significativos do movimento das ocupações aconteceram. O último deles culminou na exoneração do secretário estadual de Educação, Antonio Neto, a partir da saída do ex-chefe de Gabinete da Seeduc, Caio Castro – que estava na linha de frente das negociações. No seu lugar, entrou Wagner Victer, que como presidente da Faetec, já respondia pelo governo nas negociações com o movimento das ocupações das escolas técnicas estaduais, as ETECs. Na segunda-feira, 12 de maio, o Ocupa Mendes e a Seeduc convocaram uma coletiva de imprensa para anunciar o fim da ocupação no colégio. Castro foi expulso do auditório onde acontecia a entrevista pelos estudantes após ir de dedo em riste na direção de uma professora que da plateia o chamou de “fascista”.

Mendes: um dos alvos do Desocupa

O Ocupa Mendes já havia sido alvo de dois ataques do movimento Desocupa Mendes. Assim como os vários “ocupas”, ao longo de abril foram surgindo os respectivos “desocupas”. Essa reação, visibilizada através de páginas próprias no Facebook, vinha dos alunos que não concordavam com as ocupações e “queriam voltar a ter aulas”. Mas no meio do caminho, os alunos das ocupações foram reunindo provas de que muitos diretores e professores das escolas apoiavam os desocupas e passaram a denunciar que alguns incitaram a violência. No dia 20 de abril, a própria Seeduc convocou alunos para uma passeata do Desocupa através de sua conta no Twitter. Já Castro Lima em diversas postagens no Facebook incentivou “pais”, “alunos”, “comunidade” e “professorada” a “retomar suas escolas”: “se quisermos mesmo, entramos nessas escolas invadidas e a [sic;] trazemos de volta para a comunidade; para os verdadeiros alunos”. A Justiça acabaria determinando multa de R$ 10 mil para cada postagem feita e não apagada de membros da Seeduc em apoio ao Desocupa ou ao Ocupa.

O primeiro ataque do movimento Desocupa Mendes aconteceu no dia 6 de maio. No mesmo dia, o então diretor do Mendes, Marcos Madeira, foi fotografado conversando na rua do colégio com o movimento de desocupação. Madeira foi exonerado do cargo depois do segundo ataque do Desocupa, que aconteceu em 10 de maio. Ao mesmo tempo em que acontecia a expulsão dos alunos, a Seeduc recebia o comando geral das ocupações, o que foi interpretado pelos alunos como ação orquestrada.

“A gente conseguiu essa reunião com o secretário só depois da ocupação da Seeduc [em 5 de maio]. Até então, ele não aceitava falar com a gente. Então fomos até lá. Eles trancaram tudo, apagaram a luz, mas a gente ficou lá até consegui essa reunião do dia 10. E aí foi um absurdo porque ao mesmo tempo em que estávamos na reunião, eles estavam tentando desocupar o Mendes. Eu creio que foi uma tática deles”, avalia Pablo Spinelli, 15, que cursa o 1º ano no Mendes e participa do comando geral.

O Portal EPSJV foi ao Mendes no dia seguinte ao ataque, descrito pelos alunos como “traumatizante”. “Eles queriam levar um aluno da ocupação para dentro de uma sala e fazer ele de refém. Disseram que só iam liberar ele quando nós tirássemos tudo que era nosso e fossemos embora da escola. Só que conseguimos medir forças com os garotos que estavam levando ele, e puxamos de volta. Eles, insatisfeitos, pegaram o André [outro aluno] e levantaram, ameaçando jogar ele do segundo andar. Eu puxei ele pela perna para não jogarem. Fiquei apavorado. E todo mundo tinha corrido para dentro da sala com muito medo, porque eles falaram que iam tirar um dali pra machucar”, conta João Victor de Souza, 15, do 1º ano.

Segundo os relatos dos alunos da ocupação, o grupo que invadiu a escola não era composto só por alunos em nenhuma das duas ocasiões. “Tem pessoas do Desocupa que eu conheço que dizem ser a favor da paz e do diálogo, mas tem muitas pessoas de fora e pessoas que são a favor da agressão. A primeira vez veio muita gente. Nessa segunda vieram umas 80 pessoas, uma quantidade menor. Mas as pessoas vieram com mais vingança, queriam bater mesmo, sem pena. Foi o ápice”, conta Lucas Ribeiro, 17, do 3º ano.

Diante da desocupação violenta, os alunos questionam a postura do governo em relação à atuação da Polícia Militar. “Depois que o Desocupa entrou, eles fizeram um cordão de isolamento no portão, receberam ordem para não deixar a gente reocupar. Mas por que será que eles não impediram o Desocupa de invadir daquele jeito, já que [os policiais] estavam aqui o tempo todo?”, questiona Lucas.

Os alunos da ocupação passaram boa parte da noite e da madrugada sentados na rua, encarando o cordão de isolamento. Lucas foi um dos alunos que conseguiram reocupar a escola: “Começou a chegar muitos carros de polícia na frente do colégio. A gente começou a fazer hora porque a gente sabia que estava vindo um papel que legitimava as ocupações”, lembra Lucas, mencionando o documento resultado da audiência de conciliação que também acontecia naquela terça, 10, e foi formulado pela 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. “Mas o documento menciona os colégios ocupados e o nosso colégio naquele momento não estava mais ocupado. Então a gente precisava entrar para esse papel valer e proteger a gente. Ficamos distraindo a polícia na frente do colégio, enquanto algumas pessoas entraram por trás, pelo portão de carga. Entramos escondidos e a partir daí a ocupação era legítima”,

Os alunos tiveram o cuidado de filmar toda a ação de reocupação para que os estragos da briga não recaíssem sobre eles. “Há essa possibilidade de inverterem a situação ou então generalizarem, falando que os alunos do Mendes que quebraram, não só o movimento Desocupa.Mas existem muitos vídeos que provam que eles estavam quebrando. Eles tiraram carne do freezer para estragar, derrubaram portas, destruíram a biblioteca da ocupação, roubaram uma caixa de som da ANEL [Assembleia Nacional dos Estudantes Livre], espalharam tudo. E a gente registrou para que essa destruição não recaísse em cima da gente”.

Ocupa Mendes

Posição oficial da Seeduc

Na primeira nota oficial que aborda as ocupações, emitida em 13 de maio, a Seeduc “pede que alunos, pais e professores do ocupa e desocupa repudiem qualquer ato de violência”. A Secretaria afirma que “não apoia nem o movimento de desocupação nem o de ocupação” e “entende que a manutenção dos dois movimentos não trará benefícios à sociedade”.

Para o Ocupa Chico Anysio, a nota comete alguns equívocos. “A Seeduc coloca os movimentos Ocupa e Desocupa no mesmo nível, como se ambos fossem protagonistas de atos de violência. Ora, é de conhecimento geral, e temos exaustivas provas de que a violência ocorre por parte somente do movimento Desocupa, que em atos covardes agridem os alunos de forma desproporcional em verdadeiros atos criminosos”, escreveram os alunos na página do Facebook.

Na mesma nota, a Seeduc garante que “não autorizou, desde o início, a presença de policiais nas unidades”. Os alunos da ocupação do Chico Anysio também rebatem: “Isso não condiz com a realidade que enfrentamos no dia 8 de abril, quando por volta de oito policiais armados entraram dentro da escola, intimidando os estudantes que queriam apenas ter o seu direito de se reunir em assembleia garantido”. Foi graças a uma liminar da Justiça do Rio de Janeiro, concedida no dia 11 de abril, que a reintegração de posse do Mendes pedida pelo governo estadual – na maior parte dos casos cumprida pela PM – não aconteceu.

Desocupação do Central, ameaças no Cairú

Ao mesmo tempo em que acontecia a coletiva na Ilha do Governador, os alunos do Colégio Estadual Visconde de Cairú tentavam evitar que o Desocupa entrasse. A situação era ainda mais complicada porque os estudantes lidavam com o movimento Desocupa de outra escola, o vizinho Colégio Estadual Central do Brasil. “Por volta de 30 pessoas tentaram invadir o Cairú. Nenhuma delas era aluno daqui. Eram alunos do Central e também pessoas que não são da nossa faixa etária, alguns vestidos com uniforme como se fossem de alguma torcida organizada”, conta Eloíza Bernardino, 17 anos, estudante do 2º ano do Cairú e representante da escola no comando geral das ocupações.

Quando acaba a entrevista, uma aluna com uniforme Central portando um megafone se aproxima para falar com Eloíza. Sem o gravador ligado, ela conversa com o Portal EPSJV. Explica que os alunos do Central “culpam” os estudantes do Cairú pela ocupação, como se um colégio tivesse influenciado o outro. Vendo o clima de ajuda mútua entre as escolas do Méier, eles também ameaçaram outro colégio ocupado próximo, o C.E. Hispano Brasileiro João Cabral de Melo Neto. Segundo ela, ao receberem a ameaça de que o Desocupa iria aparecer no colégio de madrugada “para dar porrada”, os alunos da ocupação decidiram sair do prédio “para garantir nossa segurança e integridade física”, disse.  Os alunos do Ocupa Central transferiram a ocupação para a Diretoria Regional da Metropolitana 3 naquele mesmo dia, 16 de maio. A ideia era pressionar o governo a dar uma resposta incisiva à multiplicação de ameaças do Desocupa que também seriam registrados naquela semana em outras escolas, como C.E. Paulo Freire, C.E. André Maurois, C.E. Pandiá Calógeras.

Cícero Júnior, 17, do 3º ano do Cairú tentou conversar com o grupo que ameaçava invadir a escola naquela manhã. “Fomos dialogar, falamos que mesmo se desocupasse agora não teríamos aulas porque as férias foram antecipadas, os professores estão em greve. Ou seja, continuaria do jeito que está. Mas o pessoal continuou falando, agredindo verbalmente, até que chegou outra pessoa, que não estava falando com a gente, e tacou cinco pedras na nossa direção. O pessoal veio bem agressivo. A maioria que estava ali era só pra brigar mesmo”, relata.

“O pessoal do Desocupa quer a desocupação. Mas o que mais eles têm de pauta? Nada. Se a gente não tivesse ocupado as escolas não iria ter essa mudança que a gente está vendo, o governo está sendo obrigado a se mobilizar. E esse pessoal da desocupação só fortalece a tendência do governo de não revitalizar as escolas públicas. Se botar na balança, eles estão ajudando o governo”, avalia Jadson Vieira, 18, do 2º ano do Cairú. “É imaturidade, porque a gente está lutando pelos nossos direitos, pela melhoria do que é nosso. Assim como a gente vai ter os frutos disso, eles também vão”, completa Cícero.

Dali, o Portal EPSJV seguiu para o Central do Brasil, na tentativa de entrevistar alguém do Desocupa. Chegando lá, uma mulher que se identificou como professora do Central aguardava do lado de fora a abertura do portão. Três alunos abrem o portão e um deles aceitou falar com a reportagem. “Nossa escola é uma escola modelo, não precisa ter ocupação aqui”, começou a explicar o jovem. Imediatamente, outra aluna pediu que ele parasse de conversar, puxou ele para dentro e se dirigiu à reportagem: “A gente chamou vocês [mídia] várias vezes e agora que a gente conseguiu desocupar vocês vêm aqui? Não, obrigada”, disse já batendo a porta na cara da reportagem.

Maíra Mathias

Decisão pela ocupação

O Cairú foi ocupado no dia 4 de abril, quando os alunos deliberaram em assembleia pela ocupação. “Nossa assembleia foi legítima. A maior parte do auditório votou que sim, seria necessária a ocupação para que houvesse melhoria no colégio entre outras coisas”, diz Cícero. No Colégio Estadual Doutor Francisco de Paula Paranhos, em Iguaba, na região dos Lagos, a decisão também foi tirada em assembleia no dia 7 de abril. “Os votos foram unânimes”, contam por Facebook os alunos do Ocupa Paranhos. Segundo eles, o cenário da educação pública ao longo de todo o estado do Rio é muito semelhante: “Vemos que todas as escolas sofrem dos mesmos problemas, como a alimentação, a infraestrutura, o currículo mínimo que a cada dia está mais escasso. Em muitos colégios a direção não dá a devida atenção aos alunos”, enumeram.

Por ser a única escola ocupada em Iguaba, o Paranhos sofre pressão. “Ameaças de pais e alunos, alguns professores são contra a ocupação e motivam os alunos que não concordam a desocupar. Tivemos casos de pedir a segurança pública, pois um professor incitava a violência contra o nosso movimento. De certa forma, nos sentimos ameaçados pelo motivo de nem todos concordarem, mas deveríamos pensar coletivamente e levar em conta que a ocupação é para benefício de todos, e não só de quem está na escola lutando”, relatam.

Embora não sejam unanimidade na comunidade escolar, as ocupações foram ganhando adesão de vários segmentos da sociedade. Nas páginas do Facebook dos vários ‘ocupas’, é comum a divulgação de calendários diários e semanais de atividades culturais. Ganhou destaque na mídia o show da cantora Marisa Monte em apoio ao Ocupa André Maurois, na Gávea. Mas para além de nomes conhecidos, as ocupações também se notabilizaram pela grande quantidade de atividades pedagógicas que conseguiram atrair e organizar. “A importância da ocupação vai além, porque a gente está tendo mais aula na ocupação do que se estivesse funcionando”, constata Eloíza Bernardino.

Ocupa Cairu

Organização dos ‘ocupas’

Outras características marcantes das ocupações do Rio que já tinham ficado conhecidas também em Goiás e São Paulo (releia a matéria de capa da Poli n.44) são a autogestão e o viés autonomista e horizontal da organização estudantil. À medida que foram deliberando pela ocupação em assembleia, os alunos foram se dividindo em grupos para dar conta de determinadas tarefas como limpeza, alimentação, comunicação, segurança e por aí vai. “Depois da nossa assembleia, nos reunimos para fazer um planejamento porque não adianta ocupar e não ter uma organização. Sem organização nada vai pra frente”, lembra Cícero, do Cairú.

Para coordenar as diferentes pautas específicas de cada escola e construir uma agenda de reivindicações gerais e um calendário de negociações unificado, os estudantes resolveram criar um comando geral das ocupações. “A gente ocupou em assembleia local na escola. Vamos desocupar também por decisão da assembleia local. Não é o comando geral que vai definir isso. A gente vai discutir as propostas do comando geral e cabe aos estudantes decidirem se querem continuar ocupando para tentar conseguir mais coisas ou se cabe desocupar e construir outras formas de pressão para continuar a luta. Não é uma coisa que vem de cima para baixo”, esclarece Pablo Spinelli, do Mendes de Moraes.

Contudo, é justamente no comando geral que a tensão entre o autonomismo e a presença das várias entidades estudantis que apoiam o movimento e querem participar dele fica mais visível. No dia 13 de maio, uma sexta-feira, o comando geral se reuniu para discutir o saldo da negociação com a Seeduc e o episódio de violência no Mendes. Logo depois, vários ocupas – Mendes, Cairú, Instituto de Educação Rangel Pestana (IERP), em Nova Iguaçu – divulgaram notas que afirmavam que não se sentiam mais representados pelo comando. “Viemos a público esclarecer, assim como outras escolas de luta, que somos independentes! Não participamos e não reconhecemos mais nenhuma decisão do comando de escolas ocupadas. O mesmo abafa a voz do estudante, atrapalha e atrasa a luta dos secundaristas. Comando este formado por UBES, AERJ, AMES, ANEL, UJS, que estão mais interessados em ganhar militantes e levantar suas respectivas bandeiras, do que construir e fortificar o movimento de ocupação no estado do Rio de Janeiro”, dizia a nota do Ocupa Mendes. O Ocupa IERP ia pelo mesmo caminho: “Não nos sentimos representados no comando das escolas ocupadas pelo fato de esse ‘comando’ atuar de forma centralizadora, atropelar propostas e impedir a fala dxs alunxs entre outras ações, visando a votações que beneficiem o governo, como por exemplo uma desocupação, veiculada inclusive essa semana no jornal O Dia”.

Eloíza Bernardino, do Cairú, explica que o comando foi pensado e instituído como forma de integrar os ‘ocupas’, com duas vagas para cada escola.  “Agora se o representante da escola era aluno e também militava em algum movimento, não tínhamos conhecimento. Mas acabou que aconteceu”. Ela lembra que a presença dos movimentos nas reuniões do comando chegou a ser discutida e votada. “Fizemos duas votações. Se os representantes de movimentos teriam direito a voz e se teriam direito a voto. Barramos o voto. E eu também votei para não terem direito à voz – mas a maioria disse sim. E deu nisso. Eles estão influenciando, colocando rédeas no movimento, falando até onde se pode ir ou não. As lutas políticas, inclusive disputas entre movimentos, são levadas pelos militantes para dentro do comando geral das ocupações”, descreve. Contudo, a secundarista avalia que na reta final das ocupações, o mais importante é concluir as negociações e seguir disputando o comando por dentro. “Aqui no Cairú a gente sente que todas as escolas vacilaram em dar voz para representantes de movimentos nas nossas reuniões. Mas aconteceu. E agora que a gente tem que concluir esse calendário de negociações, não dá para falar que a gente não valida o comando”.

Vitórias do movimento

Mesmo em meio às ameaças de expulsão pelos ‘desocupas’ e às tensões com entidades estudantis e partidos políticos no comando geral, a avaliação unânime dos secundaristas que conversaram com o Portal EPSJV é que o movimento das ocupações é vitorioso. No dia 12 de maio, a Alerj aprovou o Projeto de Lei 584/15, que permitirá que a escolha do diretor de unidade escolar seja pelo voto da comunidade escolar (professores, pais e alunos). Na negociação com a Seeduc, além de garantir a eleição, os secundaristas conseguiram reduzir de 60 para 40 dias o prazo em que os pleitos vão acontecer nas escolas ocupadas. No restante da rede, as eleições devem acontecer em 2017.

O movimento também conseguiu acabar com o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro, o Saerj, e com o Saerjinho – voltado para o 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental – que, segundo os estudantes, estava direcionando o conteúdo pedagógico para um currículo mínimo, voltado exclusivamente para os exames de larga escala. “O fim do Saerj é uma vitória enorme para a gente. Vínhamos lutando muito por isso. É uma vitória pedagógica. Porque o ensino estava totalmente voltado para a prova. E conseguimos também a substituição por um simulado a partir de 2017, uma espécie de pré-Enem. Essa avaliação vai ser super importante porque vai ser feita pelo próprio corpo docente das escolas”, explica Pablo Spinelli. Na negociação, a Seeduc argumentou que como o Saerj já estava pago, ele ainda vai acontecer este ano, mas se comprometeu – inclusive depois da entrada de Wagner Victer – que será o último. Ainda no campo pedagógico, outra reivindicação atendida é de que as disciplinas de Filosofia e Sociologia passem a ter dois tempos no 1º ano. A medida foi publicada em resolução pela Seeduc.

Outros pontos que se confundem com a pauta de negociação com os professores – que em 17 de maio decidiram pela continuidade da greve até nova assembleia, marcada para o dia 24 – é o abono das greves ocorridas entre 1993 e 2016 (publicada em decreto); a concessão de licença especial para docentes (publicada em resolução); o fim do pagamento de bônus por metas pré-estabelecidas, dentre outros.

Para Pablo Spinelli, falta uma solução concreta para o problema de infraestrutura das escolas: “Muitos colégios são precários, desumanos, fora da realidade. Na negociação, eles diziam o tempo inteiro que não tinha dinheiro. Mas tem dinheiro para a Olimpíada, tem dinheiro para o VLT, então tem que ter dinheiro para a educação”. O aceno da Seeduc de disponibilizar R$ 15 mil por escola para reformas foi interpretado pelos estudantes como insuficiente. “Se não vai ter mais Saerjinho esse ano, cadê esse dinheiro? São milhões. Vamos investir na educação. A gente não quer R$ 15 mil. As escolas precisam de muito mais do que isso”, defende.

Já Eloíza Bernardino lembra que os secundaristas ainda estão em luta pelo passe livre nos transportes públicos. “A Seeduc diz que passe livre não é com ela. Mas o RioCard é mais uma coleira eletrônica. A gente só quer que eles cumpram a lei que eles mesmo fizeram que é: todo estudante uniformizado tem o direito ao passe livre. Essa lei existe no papel, mas não na realidade porque se a gente não tiver o RioCard a gente não passa”. De acordo com nota da Seeduc, o governo vai continuar trabalhando com o cartão e limitando a 60 créditos por mês por aluno. O único avanço é bem tímido: ao invés da recarga nos terminais instalados nas escolas acontecer semanalmente, passará a ser mensal.

Para quem visitou as escolas e acompanhou as páginas dos ‘ocupas’ no Facebook em meio à conturbada conjuntura da política nacional, é impossível não depositar no movimento uma boa dose de esperança. Em entrevista ao portal IHU, o pesquisador Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que “a ocupação de escolas é o filho mais legítimo de Junho de 2013”. Na nota em que agradece às outras escolas e anuncia a desocupação, o Ocupa Mendes deixou o seguinte recado: “Ocupar é apenas um dos meios de lutar por seus direitos, conseguimos grandes avanços com este ato. O Mendes iniciou o movimento pensando em toda rede estadual, em que, inúmeras escolas estão completamente sucateadas e abandonadas pelo poder público. Avançamos sim, porém não terminamos e sim só começamos a lutar por uma educação de qualidade. (...) Somos sim uma escola modelo, modelo de luta, e pra sempre será. A ocupação deixou um incrível legado e não acabou, será eterna”.