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Ensino Médio Integrado

Escola Politécnica apresenta no Fórum Mundial sua proposta pedagógica de formação profissional integrada
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 29/05/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46
Professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz apresenta experiência do curso de gerência em saúde Foto: Cátia Guimarães (EPSJV/Fiocruz)

Uma formação que privilegia o ensino médio integrado sem abrir mão da integração com outras modalidades de educação profissional: esse foi o cenário apresentado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) no 3º Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, na mesa-redonda ”Estratégias curriculares para a formação integral de trabalhadores técnicos de nível médio”. Foram debatidas quatro experiências, de componentes, cursos e áreas diferentes, que expressam o esforço coletivo da Escola na defesa do princípio da integração.

Politecnia e currículo

Responsável pela apresentação do componente curricular Introdução à Educação Politécnica (IEP), que atravessa todo o curso técnico integrado ao ensino médio oferecido pela Escola, a professora-pesquisadora Valéria Carvalho começou questionando o sentido da ideia de trabalho como princípio educativo como orientador do currículo. “Pela perspectiva da classe dominante, significa a submissão dos trabalhadores à dicotomia entre trabalho manual e intelectual”, disse, explicando que, na prática, isso se expressa numa educação que apenas reproduz o que já foi pensado e, consequentemente, se adéqua ao mercado de trabalho. É na resistência a esse modelo hegemonicamente oferecido aos trabalhadores, como fruto do conflito e da contradição, que nasce, segundo Valéria, a educação politécnica, como uma concepção de formação de sujeitos críticos e atuantes, que se reconheçam como sujeitos históricos de transformação da sociedade. “Politecnia não é só ter visão crítica para ficar apreciando a realidade. Ela não se desvincula da dimensão utópica de transformação da sociedade”, explicou, completando: “Mesmo que se saiba que não estamos num chão histórico favorável a esse posicionamento crítico”.

Essa breve discussão conceitual foi necessária porque, segundo a professora-pesquisadora, é essa concepção que embasa a IEP. Trata-se de um componente curricular que se estrutura a partir de quatro eixos teóricos: trabalho, política, ciência e saúde. Ela exemplificou como se dá o esforço de promover uma apropriação mais crítica do conhecimento mostrando como, no eixo trabalho, são discutidos conteúdos que partem da dimensão ontológica do trabalho para problematizar o trabalho no capitalismo e se aproximar do contexto mais atual até chegar ao debate sobre o trabalho em saúde. A IEP prevê também a construção de um Trabalho de Integração (TI), que resulta de um esforço de pesquisa e iniciação científica realizado pelos alunos ao longo de todo o ano. Para dar conta dessa organização distinta, foi criado um formato próprio também para a avaliação: tentando romper com a perspectiva pontual e meritocrática, os alunos são mobilizados a construir um portifólio, que reúne todas as reflexões que ele foi fazendo ao longo das discussões.

Exemplo de outra iniciativa que, apesar de mais específica, funciona como elemento de integração curricular e fomento à percepção e atuação crítica na EPSJV é a oficina de leitura e produção textual. “Nós somos sujeitos linguísticos. Nosso convívio social se dá na língua que, assim como a sociedade, é dinâmica e palco de conflitos e disputa de projetos”, explicou Viviane Ramos, professora-pesquisadora da EPSJV, que falou sobre a experiência. E completou: “Esse componente curricular é central para uma instituição que, como a Escola Politécnica, quer desmontar a ideologia”.

A oficina integra diferentes cursos da EPSJV, de várias modalidades. O objeto de estudo dos alunos é o texto, que passa a ser entendido, segundo Viviane, como espaço de pesquisa e de autoria. “Tentamos levar os alunos a refletirem sobre como se diz o que é dito”, resumiu.

Teoria na prática

A aposta numa formação crítica voltada para a mudança foi abordada na mesa-redonda organizada pela EPSJV também a partir de exemplos práticos de esforço contra-hegemônico nos cursos da área da saúde. Apresentando uma experiência do Curso Técnico de Gerência em Saúde Integrado ao Ensino Médio, o professor-pesquisador Marcello Coutinho ressaltou como, no senso comum, costuma-se associar a gestão ao mundo empresarial. “Nós buscamos formar o aluno numa perspectiva crítica que visa transformar não só o seu processo de trabalho como também a sociedade”, disse. Ele mostrou a estrutura curricular do curso, organizada a partir de quatro eixos temáticos, mas dedicou sua fala a apresentar um deles, chamado “práxis de gestão em saúde”, que é uma experiência recente, introduzida na última reformulação feita pela Escola. Trata-se de um componente desenvolvido do segundo ao quarto ano do curso, culminando com uma relação próxima, mas independente, com a prática de estágio. Em todos os anos, os alunos são orientados por no mínimo três professores e o trabalho final é sempre uma proposta de intervenção. Ao longo dos três anos, o aluno vai do estudo e atuação no nível local, de um território específico, até o nível regional, que abrange todo um estado. Nesse trajeto, os alunos exploram, por exemplo, a partir de visitas técnicas às unidades de saúde, orientados por um roteiro previamente definido. Eles são divididos em três grupos que vão estudar aquele território e aquele serviço a partir da perspectiva do gestor, do usuário e dos profissionais. “Gestão não acontece só no gabinete, o usuário e o profissional também precisam participar da gestão”, explicou. Nessa experiência, os alunos identificam problemas que vão muito além do que poderia prever uma concepção restrita de gestão. Segundo o professor, eles conseguem, por exemplo, perceber na prática a dificuldade de se fazer controle orçamentário nas unidades de saúde que não são geridas diretamente pelo Estado e sim por Organizações Sociais (OS). E isso se torna motor de um debate crítico sobre os modelos de gestão. Outro exemplo destacado é que, quando passam a estudar o nível estadual da gestão em saúde, eles se deparam com questões como a disputa entre partidos que governam os diferentes municípios envolvidos em cada região.

Como se trata de uma experiência nova, o terceiro e último momento dessa trajetória “começou a nascer” em março deste ano e ainda está em construção, mantendo uma interface direta com os campos de estágio. “A ideia é o aluno não só conhecer e vivenciar, como também propor. Ser gestor é também propor soluções, ancorado, inclusive, nas perspectivas do usuário”, resumiu.

Integração além do ensino médio integrado

EPSJV/FiocruzUma formação integral, mesmo que não seja integrada: assim a professora-pesquisadora Mariana Nogueira caracterizou a experiência do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde que a EPSJV desenvolve há sete anos. O curso, organizado na forma de itinerários formativos, é voltado para trabalhadores inseridos no Sistema Único de Saúde (SUS) que já cursaram o ensino médio, mas nem por isso o currículo deixa de ser integrado, articulando as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura. E aqui, exatamente por se tratar de um curso para trabalhadores, Mariana fez questão de destacar que a defesa do trabalho como princípio educativo não pode se confundir com o “aprender fazendo”. Assim, não se naturaliza, por exemplo, que a experiência cotidiana do aluno no seu local de trabalho seja suficiente para a prática profissional que compõe a formação. Os ACS são, então, levados a refletir sobre a sua prática em outro território, que apresente características diferentes daquele onde ele atua. Um trabalhador de uma área urbana, por exemplo, pode se ambientar numa zona rural ou ser levado a conhecer um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para discutir a organização social e reivindicar questões relativas à moradia que se assemelham às lutas nas favelas onde parte significativa dos ACS do Rio de Janeiro atua. Visitas a museus e a conselhos de saúde são outras formas de práticas profissionais contempladas no curso.

Exemplo de sucesso dessa vivência foi uma iniciativa de agentes comunitários de saúde egressos do curso da EPSJV que ajudaram a organizar um coletivo no Complexo do Alemão, no Rio, para discutir e intervir nos problemas do território, uma experiência que foi premiada na Mostra de Atenção Básica organizada pelo Ministério da Saúde no ano passado. Até para negociar a liberação de carga horária de trabalho para poderem participar do curso, os ACS são incentivados a se aproximarem dos movimentos sociais da área, especialmente o sindicato da categoria, num processo que vincula a formação com a luta pelos seus direitos.