A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou no último dia 12, durante debate promovido na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), o documento “Saúde na Rio+20: desenvolvimento sustentável, ambiente e saúde” . Elaborado para ser um documento de contribuição da Fiocruz para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, que acontece em junho no Rio de Janeiro, o documento foi fruto do trabalho do GT Fiocruz sobre Saúde na Rio+20, formado por pesquisadores da instituição.
Segundo o coordenador do GT, Paulo Buss, o documento é uma resposta da Fiocruz à ausência da saúde no Rascunho Zero do relatório final da Rio+20, divulgado pela Organização das Nações Unidas no início de 2012. “Esse era o principal defeito que víamos nesse documento, e isso nos preocupou muito. A questão do desenvolvimento e do ambiente, resultante do modo de produção e consumo, é condicionante da saúde humana. Essa conexão entre desenvolvimento, ambiente e saúde é uma das que nós mais trabalhamos aqui no documento”, afirmou Buss. Segundo o coordenador do GT, além dessa dimensão, o documento explora, sob a perspectiva da saúde, os dois eixos centrais da Rio+20: economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza e governança para o desenvolvimento sustentável. “Estamos seguros que esse documento possui muitas lacunas, mas ele tem intenção de ser um primeiro passo para um debate que pretendemos fazer não só até a Conferência, mas também ao longo de todo o ano”, disse Buss.
Críticas
Algumas dessas lacunas já foram apontadas pelos próprios pesquisadores e professores da Fiocruz presentes ao debate de lançamento do documento. Marcelo Firpo, pesquisador da Ensp, apontou algumas questões que, segundo ele, o documento deveria ter discutido. A primeira delas, afirmou, é a relação entre saúde, ambiente e desenvolvimento com temas como a democracia e as relações de poder, de modo a ampliar e radicalizar o conceito de governança. A segunda questão, disse Firpo, é que, ao falar da economia verde, “o documento não entra no elemento central, que mobiliza inclusive os documentos atuais e a forma de organização da cúpula dos povos: os conflitos ambientais. Esse modelo de desenvolvimento que é criticado produz morte, sofrimento, doença, injustiça e violências de direitos humanos”, disse Firpo, que coordena o Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil . Para ele, faltou ao documento uma problematização, sob a ótica da saúde, do modelo de desenvolvimento brasileiro, “baseado no crescimento econômico escorado na produção de commodities rurais e minerais, na articulação de elites e burocracias nacionais e internacionais em torno do agronegócio, dos grandes empreendimentos, das grandes siderúrgicas e suas tragédias”, disse. O pesquisador também sentiu falta de uma postura mais crítica da Fiocruz em relação ao que ele chamou de elemento central da economia verde, que é a mercantilização da natureza. “Isso se expressa inclusive na questão do mercado de carbono, que é uma discussão fundamental, ainda que não seja diretamente a nossa, mas que temos que pelo menos citar e entender”, ressaltou Firpo.
Silvio Valle, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), sugeriu a inclusão no documento de uma referência aos impactos para a saúde da biotecnologia. “Temos hoje no Brasil a produção de soja transgênica, milho transgênico; temos mosquitos transgênicos para serem liberados no Brasil, vacinas veterinárias com vírus vivo transgênico. Isso tem a ver com saúde”, apontou Valle, e completou: “Minha sugestão é que a Fiocruz entre nesse debate sobre transgênicos, de acesso ao patrimônio genético, sob o enfoque da saúde, o que nos dá liberdade para que possamos discutir esse tema sem maniqueísmos”.
Contribuições
Para fazer frente às críticas, o documento ficará disponível para quem quiser consultá-lo e dar contribuições no site da Fiocruz sobre a Rio+20. Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da EPSJV, no entanto, apontou que o site não oferece orientações para quem deseja contribuir e fazer alterações no documento. “A metodologia para o recebimento dessas contribuições não está clara: não existe orientação de como as pessoas podem contribuir; não há data de término e o espaço para contribuição não é adequado para propor supressões ou alterações no documento. A falta de resposta a essas questões é um obstáculo para quem quer contribuir”, afirma Pessoa. Ele também sugere que as contribuições sejam divulgadas no site e que elas sejam sistematizadas em um documento separado. “É preciso que haja um documento com todas as contribuições e as autorias e uma síntese delas, para que possamos ver se essa síntese abriu ausculta às contribuições apresentadas”.
Segundo Francisco Netto, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (Vpaaps/Fiocruz) e membro do GT Fiocruz, as sugestões são pertinentes, e o GT está atualmente buscando maneiras de incorporá-las ao site. “O problema na verdade é tecnológico, temos que ver como é possível fazer de um jeito que as contribuições estejam visíveis para todos, mas estamos com uma equipe muito restrita para isso. Por enquanto o que temos é um email para o recebimento das contribuições, que serão depois analisadas pelo GT, que vai avaliar quais serão incorporadas ao documento e como isso será feito”, diz Netto. O endereço para enviar contribuições é sauderiomais20@fiocruz.br. "Não dá para falar em prazo para recebimento sem que o site esteja pronto para receber essas contribuições", assinala Silvio Valle, e completa: "O que foi dito durante o lançamento do documento é que o site seria o canal para que as pessoas pudessem fazer as contribuições, mas até agora isso não foi viabilizado. É preciso que as contribuições fiquem visíveis no site, não é suficiente apenas abrir um email para recebê-las".
Para Alexandre Pessoa, também gera preocupação o prazo reduzido de recebimento das contribuições, que se estende só até a primeira semana de maio, já que, segundo Netto, a ideia é que o documento esteja pronto para ser apresentado em um seminário que ocorrerá em Brasília no dia 15 de maio, que reunirá representantes do Ministério da Saúde e da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) para discutir saúde na Rio+20. “Temos pouco tempo, estamos próximos da Rio+20 e temos que garantir que esse documento tenha uma qualidade que expresse um pensamento critico convergente com a missão da Fiocruz e como uma ciência engajada e para isso precisamos mobilizar um número grande de pesquisadores e movimentos sociais para que contribuam”.
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