Na última semana foi lançada em Brasília uma Frente Parlamentar Mista em Apoio ao Ensino Técnico e Profissionalizante. Participam da iniciativa cerca de 200 parlamentares. O Secretário de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do Ministério da Educação (MEC), Eliezer Pacheco, participou do lançamento e saudou a iniciativa, já que, com o apoio dos deputados e senadores, é mais fácil o governo dar prosseguimento ao projeto de expansão da educação profissional, como afirma o próprio secretário. Mas quais são as propostas para o ensino profissional que a Frente irá defender?
Por e-mail, o coordenador da Frente Parlamentar, deputado federal Marçal Filho (PMDB/MS), explicou à EPSJV que um dos objetivos da iniciativa é "ampliar o debate sobre a relevância do Ensino Técnico e Profissionalizante para o Brasil, instruindo a população da necessidade que a presença do técnico de nível médio representa para o mundo do trabalho, sobretudo em função do crescente aumento das inovações tecnológicas e dos novos modos de organização da produção". A Frente deve ainda, segundo ele, "propor mudanças na legislação para proporcionar a ampliação da participação popular nas decisões políticas relacionadas ao tema".
Para a deputada federal Fátima Bezerra (PT/RN), presidente da comissão de educação e também membro da Frente, a iniciativa é bastante ampla e plural e não é possível dizer qual é a concepção de educação profissional que a orientará. "A Frente é um espaço de articulação importante na defesa das propostas e projetos aqui nesta Casa voltados para a expansão e fortalecimento da educação profissional. Ela tem esse caráter de parceria e de fortalecer a luta que abraça. Essa questão de concepção e conceitos, isso será feito no debate", diz.
Diferentes concepções
Há concepções diferentes sobre o ensino técnico profissionalizante. Uma visão recorrente é a que acredita que se trata de uma forma de garantir emprego à população e, sobretudo, de propiciar ao mercado mão de obra qualificada. Há, no entanto, outra concepção, que acredita que a educação profissional necessita estar aliada ao processo de escolarização e garantir uma formação que quebre a separação entre a teoria e a prática e possibilite o desenvolvimento pleno da capacidade crítica dos estudantes. De acordo com o secretário Eliezer Pacheco, é esta segunda concepção, que se materializa principalmente no Ensino Médio integrado à educação profissional, que tem orientado as políticas públicas propostas pelo MEC. "Nós temos o ensino médio integrado como prioridade. Não obrigamos o ensino médio integrado, porque achamos que na educação nada que seja obrigado funciona. Mas priorizamos, através de financiamento, de incentivos pedagógicos, que as nossas unidades e outras unidades que dialogam conosco adotem o ensino médio integrado, porque é a nossa visão de formação cidadã. Essa política continua cada vez mais forte na Secretaria de Educação Profissional do MEC e a tendência, como vem acontecendo nos últimos anos, é que cada vez se amplie o número de matrículas vinculadas ao ensino médio integrado", declara.
O professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Claudio Gomes, lembra que, historicamente, a educação é atrelada aos modelos de desenvolvimento em curso, o que atualmente significa estar em consonância com interesses produtivos que perpetuam a desigualdade. Para ele, é de forma contrária a manutenção dessa condição de desigualdade que a Frente Parlamentar deveria atuar. Ele explica: "dentro dessa concepção não se espera que a educação profissional produza governantes, se espera que essa educação produza trabalhador médio e subalterno. Porque os governantes, dirigentes, gestores, os cargos de liderança do setor produtivo, não serão ocupados pelos trabalhadores vindos da educação profissional. Esses cargos continuaram sendo ocupados pelas elites. Então, estamos fazendo educação profissional na verdade como uma forma de garantir esses patamares de desenvolvimento que se quer, preservando as desigualdades entre os novos trabalhadores e os dirigentes. É uma forma de perpetuação da desigualdade garantindo formação profissional e até emprego também, mas dentro dessa subalternidade e desigualdade", questiona.
O professor ressalta que há um discurso muito comum quando se fala em ensino técnico, que considera a escola como salvadora do desenvolvimento do país e que precisa ser questionado. "O que se fala muito: ‘precisamos de força de trabalho qualificada, não temos, e aí não crescemos, não desenvolvemos, não enriquecemos, porque não temos o trabalhador para o trabalho que se cria. Então, o Brasil está perdendo possibilidade de crescer. Aí vem a escola como salvadora. Mas essa escola só produzirá esse trabalhador médio e subalterno", reforça.
De acordo com Eliezer Pacheco, a Setec também não tem este pensamento. "Temos a compreensão que não é papel do estado formar mão de obra para o capital, o papel do Estado é formar cidadãos que eventualmente possam ser técnicos. Não é por acaso que os institutos se chamam Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Podemos acrescentar até a palavra cultura aí, nessa triangulação, porque a cultura também está muito presente em todas as nossas instituições", destaca.
Claudio ressalta, no entanto, que o Programa Nacional de Educação (PNE 2011-2020), proposto pelo próprio Ministério e em processo de discussão no Congresso Nacional, não expressa essa prioridade que o MEC afima ter. "Eu não vejo isso no PNE, praticamente não se fala em ensino médio integrado, se fala apenas no caso de populações indígenas e quilombolas e na Educação de Jovens e Adultos", pontua.
Para Fátima Bezerra a forma de não deixar com que a educação profissional sirva apenas para atender os anseios do mercado por mão de obra é combinar dois aspectos. " O caminho é combinar o que ela tem de melhor: a boa formação geral, com uma sólida formação profissionalizante".
Legislação
Para Eliezer, embora a Frente Parlamentar possa cumprir um papel importante no apoio à expansão e reestruturação da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, essas políticas não dependem mais de mudanças na legislação, já que as alterações necessárias foram feitas na gestão presidencial passada, quando também foi criada uma frente parlamentar de apoio ao ensino técnico. Ele lembra que havia um decreto (nº 2208/97), que foi derrubado durante o último governo, que proibia o ensino médio integrado. "Era uma insanidade de o governo anterior proibir o ensino médio integrado. Que um governo eleito democraticamente priorize esta ou aquela política é legítimo, ele é eleito para definir suas prioridades. Mas chegar ao ponto de proibir realmente é um contra-senso", afirma.
Fátima Bezerra lembra, no entanto, de outro projeto de lei que está em discussão e pode ajudar nesse debate sobre as concepções de educação profissional. Trata-se do projeto de lei que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE). "Eu, particularmente, defendo o fortalecimento da educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade. Acho que o governo, nestes últimos oito anos, deu um passo muito importante com o plano de expansão da rede de educação profissional", destaca.