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História e geografia dos Determinantes Sociais da Saúde

Relembrando Carta de Ottawa e Declaração de Alma-Ata, sessão ministerialdestaca relação entre as iniquidades de saúde e as desigualdades sociais.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 21/10/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Em novembro de 2011, o mundo comemora os 25 anos da Carta de Ottawa , documento resultante da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em 1986 na cidade canadense. “Este encontro é o melhor presente de aniversário que a Carta de Ottawa poderia receber”, opinou ilona Kickbusch, do Graduate Institute da Suíça, referindo-se à Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde, que acontece agora no Rio de Janeiro. Segundo ela, embora usasse outra terminologia, elencando oito “pré-requisitos”, o documento tratou, pela primeira vez, daquilo que hoje se reconhece como determinação social da saúde. Ilona destacou que o conceito de promoção da saúde presente naquele momento ressaltava a importância do empoderamento das pessoas que, segundo ela, teve inspiração na obra do brasileiro Paulo Freire. “E isso permaneceu nesses 25 anos”, disse.

Mas a Carta de Ottawa não foi o único ‘antepassado’ dos determinantes sociais lembrado na sessão ministerial ‘Reflexões sobre Determinantes Sociais em Saúde’, realizado no dia 20 de outubro. Michael Marmot, que atualmente é professor de epidemiologia da Universidade de Londres, lembrou que, em algumas das apresentações que fez do relatório elaborado pela comissão de determinantes sociais em saúde da OMS, presidida por ele, foi questionado sobre a função daquele documento: afinal, a Declaração de Alma-Ata , de 1978, já não tinha dito tudo aquilo? A primeira resposta de Marmot foi que, mesmo que tudo já tivesse sido dito, tratava-se de um assunto tão importante que valeria repetir. Mas não era esse o caso: “Nesses 30 anos, houve muitas novas evidências. Os princípios dos determinantes sociais estavam em Alma-Ata, mas essas evidências não”, defendeu. Ele destacou ainda a importância de se observar o que aconteceu depois de Alma-Ata como, por exemplo, o modelo de desenvolvimento que se institui a partir do Consenso de Washington. “A maioria dos relatórios desse tipo acabam no lixo. Esse veio parar no Rio de Janeiro. Aqui, neste encontro, estão a Declaração de Alma-Ata, a Carta de Ottawa e o relatório da comissão de determinantes sociais em saúde”, comemorou.

Mas, para Paulo Buss, membro da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais em Saúde do Brasil e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, a diferença entre os eventos de 1978 e 1986 e o de determinantes sociais em saúde não é só histórica. Para ele, a ‘geografia’ social desse processo também merece destaque. “Ottawa e Alma-Ata traziam visões eurocêntricas. A discussão dos determinantes sociais da saúde é muito diferente. Na circunstância atual, discutimos os determinantes sociais por uma perspectiva do sul”, disse. Segundo ele, a importância dessa abordagem está em reconhecer a relação entre saúde e democracia. “Começamos a discutir sistemas universais de saúde quando saímos da ditadura. As políticas sociais de cunho universal tocadas pelo poder público são as únicas capazes de produzir saúde. Isso pode ser óbvio para muitos, mas não é para as democracias recentes”, explicou.

Saúde e desigualdade

Marmot enumerou alguns argumentos que têm sido usados para se contrapor ao conceito de determinantes sociais da saúde. Um deles, segundo o professor, é a ideia de que saúde é uma responsabilidade individual. “As evidências são claras: essa perspectiva aumenta a desigualdade. Precisamos é criar as condições para empoderar as comunidades e as pessoas”, defendeu. Outro argumento comum, de acordo com Marmot, é que a pobreza e a desigualdade sempre vão existir e, por isso, as políticas de saúde não podem se guiar por esse tipo de determinação. Segundo ele, novamente as evidências falam por si. E o exemplo veio do Brasil, que diminuir significativamente seus índices de mortalidade infantil. “Podemos reduzir as desigualdades de forma muito rápida”, concluiu. E completou: “Essa não pode ser a desculpa”.

Paulo Buss seguiu a mesma linha. “Só podemos reduzir as iniquidades de saúde reduzindo as iniquidades e desigualdades sociais em geral”, opinou, ressaltando, por exemplo, que não será possível manter-se o padrão de consumo atual nos próximos anos. Por tudo isso, ele defendeu que as questões de saúde não podem se restringir à agenda dos ministros responsáveis por essa pasta. Para que ganhe uma perspectiva global, sua proposta é que a discussão sobre necessidade de redução das desigualdades sanitárias e das desigualdades sociais que as determinam seja levada à Assembleia das Nações Unidas. E a ideia tem prazo: antes de 2015.

Atualidade do tema: crise

“Eu não consigo pensar em determinantes sociais de saúde fora de uma perspectiva política”. A frase é de Paulo Buss, que destacou a atualidade dessa relação a partir da crise “econômico-financeira” em curso. Isso porque, segundo ele, ela traz grandes chances de aumento das iniquidades sociais. “Essa é uma crise de modelo. Temos que sair dela com um novo modelo capitalista”, defendeu. E questionou: “Eu gostaria de entender como uma crise do capital financeiro tornou-se uma crise dos Estados nacionais. Tomou-se dinheiro do contribuinte para resolver o problema do capital financeiro. E agora não há mais dinheiro para as políticas sociais”.

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