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Impactos do modelo de desenvolvimento

Seminário na EPSJV mostra exemplos das consequências à  saúde humanae ambiental de grandes empreendimentos e experiências de resistência das comunidades atingidas.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 01/06/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Com uma pergunta que traz a reflexão sobre o desenvolvimento atual do país, o Ciclo de Debates ‘Quem sustenta o desenvolvimento sustentável? realizou o seminário Os Impactos sociambientais e à saúde decorrentes dos grandes empreendimentos no RJ: os atingidos pela TKCSA, Comperj e Porto do Açu', no dia 29 de maio, no auditório Joaquim Alberto Cardoso de Melo, da EPSJV/Fiocruz. Participaram da atividade o pescador e presidente do grupo Homens do Mar, Alexandre Anderson de Souza, o professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Marcos Antônio Pedlowski e o professor-pesquisador da EPSJV Alexandre Pessoa. O seminário foi mediado pelo também o professor-pesquisador da EPSJV André Burigo.

Alexandre Anderson iniciou sua participação apresentando o movimento Homens do Mar e como ele tem atuado para combater o efeito nocivo que a Petrobras, principalmente por conta do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), tem causado à pescaria artesanal. "Estamos em uma luta pela vida. Hoje parece que a legislação não vale para as grandes empresas. Exemplo disso são os barcos rebocadores que ficam próximos à praia, os dutos de condução de gás e óleo localizados em posição acima do permitido", exemplificou.

Entre os muitos problemas ocasionados pela poluição da Baía de Guanabara estão a perda do sustento familiar, a extinção da atividade, poluição desenfreada e, até mesmo, a morte de pescadores líderes do movimento de combate às ações da empresa. "Tivemos muitas perseguições como barco furados por armas de fogo, redes rasgadas, companheiros assassinados, mas isso não nos desencoraja, vamos resistir até o fim", reforçou.

Alexandre apontou também a variedade e quantidade de peixes reduzida (cerca de 28 espécies de peixes estão extintas do local) por conta da poluição, além da área de exclusão da pesca causada pelo espaço ocupado pelo empreendimento. "As áreas em que passam os dutos ficam impossibilitadas para pesca. Além de ficarem em posições proibidas que impedem a mobilidade dos barcos, os locais trepidam e mudam a temperatura da água". Segundo Alexandre, todos os locais que foram instalados os terminais são os melhores locais para a atividade da pesca. "Nos expulsaram dos locais onde pescávamos há 200 anos para instalar os terminais porque é lá que se encontra o melhor fluxo de água, e, com isso, não é necessário fazer drenagem, ou seja, o investimento é menor", contou.

O pescador lembrou que antigamente a atividade abrangia cerca de 78% do espelho d'água e que hoje ocupa apenas de 12%. Além disso, Alexandre ressaltou que as multas pagas pela Petrobras foram convertidas em ações do Estado como asfalto e escola para diferentes regiões, mas a comunidade afetada não viu nenhum tido de ressarcimento. "Ainda não recebemos nada, só ficamos com o impacto. Antes, de 22 a 23 mil famílias viviam da pesca e hoje o número não chega a 9 mil famílias por conta de tantos impactos", relembrou.

A Baía de Guanabara tem cerca de 300km2 e banha sete municípios do Estado do Rio de Janeiro, entre eles, São Gonçalo, Magé, Niterói e Ilha do Governador. Em 2010, cerca de 1,3 milhões de óleo foram derramados no local, por conta de um rompimento do duto da Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ligado ao Terminal Ilha D´água. O óleo vazado, além da grande quantidade, segundo Alexandre Anderson, estava em uma temperatura de 90º, quando é permitido apenas 60º.

Porto do Açu

Ainda no Estado do Rio de Janeiro, o professor Marcos Antônio Pedlowski relatou o drama vivido pelos moradores do município de São João da Barra, que abriga o Porto do Açu do Grupo EBX. De acordo com o professor, a realidade vivida atualmente é de um desenvolvimento baseado no licenciamento ambiental "fast food", ou seja, um modelo desenfreado no qual o Sistema de Licenciamento Ambiental do Rio de Janeiro (Slam) do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) intitula como ‘mais rápido e ágil' em seu próprio material de divulgação.

Pedlowski apresentou ainda a situação dos moradores da região que foram desalojados de suas propriedades e transferidos para a Vila da Terra, em outubro de 2011, por meio de um projeto de assentamento rural originado da parceria entre a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN), a Prefeitura de São João da Barra e a LLX, empresa de logística do Grupo EBX. "A Vila da Terra foi construída nas terras da antiga Usina Baixa Grande e os moradores, que ainda não têm posse definitiva, estão impedidos de cultivar culturas permanentes. Além disso, 16 famílias foram reassentadas, mas, o número total de famílias afetadas com o Porto do Açu checa a 150", explicou.

O professor denunciou ainda que o Grupo EBX elegeu o Instituto Bioatlântica para fazer a gestão de território das áreas impactadas pelo complexo do Açu. No entanto, a ONG tem como diretor do conselho consultivo Eliezer Batista, pai de Eike Batista, dono do Grupo EBX. "O que vemos aqui é um conflito de interesses muito sério. É questão entre pai e filho", enfatiza.

TKCSA

O caso da Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) não é diferente, Alexandre Pessoa mostrou quais danos foram causados à população de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele citou alguns pontos já levantados no relatório elaborado por pesquisadores da EPSJV, ENSP e da Uerj que mostra, por exemplo, que substâncias tóxicas como silício, enxofre e manganês têm sido emitidos pela siderúrgica. Além disso, Pessoa citou também as agressões ao meio ambiente e desrespeito à legislação trabalhista praticadas pelo empreendimento.

"A ThyssenKrupp é alemã e nem o próprio país aceitou a instalação da empresa. Outros países na América Latina, como o Chile, também rejeitaram sua instalação. Mas, baseado na política de incentivos fiscais brasileira, para compensar os prejuízos à população, a empresa oferta ações de responsabilidade socioambiental. No entanto, essas ações trazem uma série de distorções em relação ao papel do Estado e o das empresas sobre o território", explicou.

Na evento, os estudantes, representantes de movimentos sociais e organizações ambientais, professores-pesquisadores presente assistiram também ao documentário Desenvolvimento a Ferro e Fogo.