A Lei de Alimentação Escolar do Brasil completou 15 anos no dia 20 de junho. Para marcar esse momento, um evento virtual organizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com o apoio do Programa de Cooperação Sul-Sul, desenvolvido entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Itamaraty, e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), fez o balanço dos 15 anos da Lei n°11.947/2009. A transmissão foi feita ao vivo no YouTube pelo canal oficial do FNDE e contou com a presença de diferentes representantes do governo brasileiro e de países da América Latina e Caribe.
Instituído em 1955, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi fortalecido através dessa lei, que incluiu a educação alimentar e nutricional no currículo escolar. Isso garantiu o acesso à alimentação saudável e nutritiva diariamente nas escolas públicas, de educação básica e no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), sendo uma estratégia de segurança alimentar e nutricional para crianças e adolescentes.
Durante o evento, a coordenadora do PNAE, Karine Santos, apresentou os dados de 2024 do programa. Atualmente, com o orçamento de R$5,5 bilhões, 150 mil escolas e 40 milhões de estudantes são beneficiados. O PNAE também abrange 40 mil agricultores familiares, destinando R$1,6 bilhões a eles. O programa conta com 80 mil Conselheiros de Alimentação Escolar (CAEs) e oito mil nutricionistas. A presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba, aproveitou a ocasião para lançar o Prêmio CAE de Participação Social 2024, que busca destacar a participação dos Conselheiros na execução do PNAE no Brasil.
Na ocasião, a socióloga e primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva, falou sobre a importância do programa no combate à fome e da garantia do direito humano de alimentação adequada. Como embaixadora da Alimentação Escolar Brasileira, Janja também destacou a necessidade de assegurar alimentos saudáveis e garantir a segurança alimentar para a redução das desigualdades, reforçando o compromisso do presidente Lula em tirar novamente o Brasil do mapa da fome.
Além disso, outros representantes destacaram a influência da lei brasileira pela sua influência na implementação de políticas e programas de alimentação escolar em toda América Latina. “Hoje, comemoramos o aniversário de uma lei que tem sido inspiração e modelo para todos os países. A legislação brasileira estabeleceu as bases da integralidade em que deve ser pensada a alimentação escolar”, pontuou a Gestora de Alimentação Escolar na República Dominicana, Ana Carolina Baez.
Refeições mais ricas
Se antes a refeição na escola era marcada por alimentos processados, agora conta com pratos mais saudáveis. “A merenda escolar era conhecida como um macarrão com salsicha. Era o possível, sem nenhuma organização nutricional. Hoje, não é assim, a alimentação tem que ter um responsável técnico, as escolas têm que ter um nutricionista responsável por assinar aquele cardápio”, explica a nutricionista da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Taísa Machado.
Nesses 15 anos da lei, que ampliou e aperfeiçoou o PNAE, não foi só a alimentação dos estudantes que melhorou, a agricultura familiar também contou com um importante apoio que permitiu avanços. A professora do Instituto de Alimentação e Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Vanessa Schottz, analisou, através da pesquisa-ação “Comida de verdade nas escolas do campo e da cidade”, que também existe o incentivo de diversificação da produção de alimentos para esses grupos. “Para que esse cardápio possa ser diversificado, incentiva-se que a agricultura familiar diversifique a sua produção. Então, entendemos a importância que essa compra pública tem”.
Além da alimentação escolar ter se tornado mais rica, passou a ser inserida nas práticas culturais alimentares da comunidade em que os estudantes fazem parte. “Em relação às escolas, a gente também percebe que há muitos ganhos, como a possibilidade de fornecer uma alimentação culturalmente referenciada, de diversificação do cardápio com alimentos regionais”, observa Vanessa.
Outro avanço importante do PNAE é conseguir trabalhar a educação alimentar e nutricional com os estudantes, aponta Taísa. “Trazer o agricultor para o ambiente escolar e o aluno entender todo esse processo, do campo à mesa, saber como é a luta do campo, dialogar sobre as questões da reforma agrária, enriquece muito essa troca”, ressalta a nutricionista.
Além disso, Vanessa acrescenta que “os grupos da agricultura familiar e da agroecologia, que conseguem comercializar continuamente para o PNAE, passaram a diversificar e adotar outras estratégias de comercialização e acesso a mercados, ampliando a disponibilidade de alimentos saudáveis para a população brasileira”. Outro apontamento da pesquisa é na “necessidade ampliar e fortalecer um conjunto amplo de políticas públicas, como a questão da terra, por exemplo, de garantir uma terra contínua, pública e gratuita, comprometida com a agroecologia, com a autonomia das mulheres, da juventude e com fortalecimento dos povos e comunidades tradicionais”.
Agricultura familiar
Uma das novidades que a Lei de Alimentação Escolar trouxe para o PNAE foi o repasse de, no mínimo, 30% de recursos do FNDE para a aquisição de produtos da agricultura familiar, priorizando assentamentos de reforma agrária, comunidades tradicionais indígenas e quilombolas. Ainda durante sua fala no evento online, a coordenadora do programa, Karine Santos, destacou que o primeiro monitoramento das compras de produtos da agricultura familiar apontou a média de aquisição nacional entre 7 e 8,5%. Em 2022, o levantamento mostrou o alcance médio de 45%.
No ano passado, a Lei 14.660 passou a priorizar também grupos formais e informais de mulheres. Pelo menos 50% da aquisição de alimentos da agricultura familiar deve ser feita no nome delas. Com base na pesquisa em que participou, Vanessa considera que possibilitar o acesso de grupos informais ao programa, fortalece sua organização política, autonomia econômica e gestão. Ela acrescenta que, em alguns casos, essas mulheres conseguem se formalizar e se organizar para lutar por políticas públicas.
A professora aponta a necessidade de ajustes para viabilizar o acesso desse público ao PNAE. Por exemplo, a substituição da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) pelo Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), que possibilita mais transparência e segurança, com a utilização de informações declaradas pelo agricultor familiar validadas por informações já existentes em outras bases de dados do governo federal. Outro avanço recente é a tentativa de desburocratizar e ampliar o acesso de povos e comunidades tradicionais. A Nota Técnica nº 3744623, de 2023, orienta que as entidades executoras do PNAE aceitem o registro do Número de Identificação Social (NIS) do Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) desses grupos prioritários, quando não for apresentado o DAP ou o CAF.
Vanessa considera que um espaço importante de discussão é o Comitê Gestor coordenado pelo FNDE. “Tem sido um espaço importante de diálogo e de monitoramento pela sociedade civil do programa, inclusive de incidência também no desenho desses mecanismos de compra”. Esse Comitê instituiu um Grupo Consultivo que apoia a elaboração das ações para aprimorar a parceria entre alimentação escolar e agricultura familiar. Criado em 2010, o Grupo deixou de funcionar no período do governo Bolsonaro e voltou à ativa com o retorno do presidente Lula ao governo federal.
A professora sinaliza dois Grupos de Trabalho importantes dentro do Comitê: um para discutir a questão do acesso das mulheres e outro para pensar a entrada de povos indígenas e comunidades tradicionais. “Ambos buscam identificar mecanismos que ampliem o acesso e aspectos que precisam ser aperfeiçoados em um conjunto de políticas públicas”. Entre essas ferramentas está “a dispensa de registro sanitário quando se trata de produção indígena para povos indígenas e produção de povos comunidades tradicionais para povos e comunidades tradicionais, a partir do conceito de autoconsumo e de parentalidade estendida”, aponta Vanessa sobre a Catrapovos Brasil, uma iniciativa do Ministério Público Federal, em parceria com a sociedade civil, com o objetivo viabilizar o acesso de povos e comunidades tradicionais ao mercado institucional PNAE, do Plano de Aquisição de Alimentos (PAA).
EPSJV
Antes de 2020, a EPSJV destinava 100% da verba do PNAE para a compra de alimentos da agricultura familiar. Para Taísa, o fomento da agricultura local e a compra de alimentos agroecológicos contribuíam para a boa qualidade da alimentação dos estudantes. Entre os anos de 2019 e 2020, a EPSJV recebeu alguns apontamentos da auditoria interna da Fiocruz e do Conselho Regional de Nutrição em relação ao fluxo de produção e espaços do serviço de alimentação da Escola. Com isso, a cozinha da Escola está em obras, não sendo possível o preparo dos alimentos no espaço.
Atualmente, a alimentação acontece por meio de refeições transportadas, que têm a qualidade e o controle de temperatura monitorados pela nutricionista. Para complementar a nutrição dos estudantes, é oferecido suco de uva integral. “Nesse momento da terceirização de alimentação, conseguimos cumprir com o PNAE através da compra de sucos integrais de uva”, conta Taísa.
A compra de alimentos provenientes da agricultura familiar tem o potencial de promover a aproximação entre escolas e agricultores. “Esta é a riqueza que temos: a agricultura familiar brasileira, os povos e comunidades tradicionais, e a diversidade de alimentos que ainda caracteriza o Brasil”, defende a pesquisadora Vanessa.