Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

MEC lança o Programa Escola em Tempo Integral

Iniciativa prevê assistência técnica e financeira para a criação das matrículas em tempo integral - igual ou superior a sete horas diárias ou 35 horas semanais. Estados e municípios já podem aderir
Paulo Schueler - EPSJV/Fiocruz | 15/08/2023 11h14 - Atualizado em 15/08/2023 13h19

O Ministério da Educação (MEC) lançou o Programa Escola em Tempo Integral. Instituído pela Lei  14.640, de 31 de julho de 2023, o programa é coordenado pela Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, o programa tem como objetivos fomentar a oferta de matrículas em tempo integral; elaborar, implantar, monitorar e avaliar Política Nacional de Educação Integral em tempo integral na Educação Básica; promover a equalização de oportunidades de acesso e permanência na oferta de jornada de tempo integral; melhorar a qualidade da educação pública, elevando os resultados de aprendizagem e desenvolvimento integral de bebês, crianças e adolescentes; e fortalecer a colaboração da União com estados, municípios e o Distrito Federal.

Parte desses objetivos estão previstos na meta 6 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Lei nº 13.005/2014) e devem ser cumpridos até 2024, como a oferta de “educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica”.

Passados quase 10 anos do lançamento do Plano, o relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas PNE 2022 mostra outra realidade: ao invés de subir, o percentual de matrículas em tempo integral na rede pública caiu de 17,6% para 15,1% entre 2014 e 2021. Ainda de acordo com o documento – elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – as escolas de tempo integral eram apenas 22,4% das unidades escolares existentes na rede em 2021. Para que a meta elaborada no já longínquo 2014 seja cumprida dentro do prazo, até 2024, será necessário um crescimento de 27,6% na oferta até o próximo ano.

Com o Programa Escola em Tempo Integral, o Ministério se compromete a ofertar assistência técnica-pedagógica e financeira aos entes da federação – estados, municípios e Distrito Federal – “considerando propostas pedagógicas alinhadas à Base Nacional Comum Curricular” e a “priorização das escolas que atendam estudantes em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica”. O orçamento inicial a colocado à disposição pelo Governo Federal é de R$ 4 bilhões.

Visando assegurar a qualidade e a equidade na oferta do tempo integral, o Ministério estruturou o programa em cinco eixos - Ampliar, Formar, Fomentar, Entrelaçar e Acompanhar.

Durante o evento de lançamento do Programa, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que o MEC avalia lançar editais de projetos inovadores da educação em tempo integral. “Vamos disponibilizar 50% dos recursos nesse primeiro momento, para a preparação das escolas, e mais 50% após a implantação das novas matrículas. A nossa meta para este ano é de 1 milhão de novas matrículas”, afirmou Santana.

A adesão ao programa e pactuação de metas junto ao MEC deve ser feita através do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (Simec) e conta com apoio das representações de secretários estaduais e municipais de Educação. Durante o lançamento do programa, o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e também secretário de Educação de Sud Mennucci (SP), Luiz Miguel Garcia, avaliou a novidade como “importante, necessária, urgente e emergencial”.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretário estadual de Educação do Espírito Santo, Vitor de Angelo, elogiou o diálogo do MEC com os secretários antes da consolidação do programa e a disposição do Governo Federal em acatar sugestões feitas por estados e municípios. Em entrevista à Agência Brasil o mesmo afirmou que “as pesquisas disponíveis mostram que as escolas em tempo integral têm uma performance em termos de indicadores educacionais melhor que as escolas de tempo parcial, tanto pela simples ampliação de jornada, como pelo fato de que tendo mais horas é possível que essas escolas e essas redes desenvolvam atividades diferenciadas de maior impacto na aprendizagem dos estudantes e na diminuição do abandono”.

‘Escola’ x ‘Ensino’ integrais

Para a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, Andressa Pellanda, mais que “escola” é preciso pensar em uma “educação” integral. “A educação integral é caracterizada por uma escola que inclua em seu currículo e em suas práticas pedagógicas diárias, a vivência de temas ligados à cidadania, ética, diversidade, características regionais do país, cuidados com a saúde. Uma escola que propicie a prática de esportes e o acesso à cultura; que valorize a comunidade em que está inserida e contribua para a socialização, a valorização do outro e das diferenças e o desenvolvimento de vínculos imprescindíveis para o desenvolvimento pessoal da criança, do adolescente e do jovem, e para a sua vida em sociedade. É, portanto, o lugar e o tempo primordiais de garantia da formação dos sujeitos, conforme previsto na Constituição Federal de 1988: para o trabalho, para a cidadania e para a plenitude”, diz Andressa.

A Campanha participou das consultas para a elaboração da nova política embora ainda não tenha sido convidada pelo MEC para a série de webinários que debaterão sua implementação até 05 de outubro de 2023. “De toda forma, estamos em diálogo com a coordenação de educação integral da Secretaria de Educação Básica do MEC para seguimento da política. Fizemos contribuições sobre temas como financiamento, infraestrutura, valorização dos profissionais, permanência para estudantes, e indução de enfrentamento às desigualdades - o programa acerta muito nesses dois últimos e os demais dependerão não só do Legislativo como também de esforços coordenados do MEC com outros setores e entre seus programas, além da cooperação com estados e municípios”, avalia.

Desafios orçamentários e estruturais

O assessor da Vice-Direção de Ensino e Informação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Rafael Bilio, avalia que a oferta de ensino em tempo integral deve vir acompanhada de investimentos em infraestrutura que possibilite à escola oferecer espaços aos alunos para desenvolverem diferentes atividades ao longo das 35 horas semanais. “Necessitamos observar a expansão e construção de quadras poliesportivas, de laboratórios para o ensino de Física, Química e Biologia, além de aumentar a oferta de atividades culturais e desportivas no chamado contraturno”, avalia Bilio, complementando que a captura da atenção de crianças e adolescentes ao longo da jornada de sete horas diárias não pode ocorrer apenas com a disponibilização de ferramentas digitais, como computadores e tablets.

Andressa concorda que a mera ampliação da carga horária não é suficiente. “Não basta ampliar a jornada escolar para todos, oferecendo mais horas em uma escola com instalações precárias, pouco equipada, com professores sem formação inicial e continuada adequadas e sem remuneração digna. Se a meta é ampliar a jornada com qualidade, é preciso buscar um novo olhar para a escola e uma carreira diferenciada, remunerada dignamente, plena de novos desafios para o professor e demais profissionais da educação”, ressalta Pellanda.

O desafio vai além da valorização salarial. Segundo Bilio, poucos são os municípios e estados que cumprem a meta 18 do PNE, de disponibilização de 1/3 da carga horária docente para planejamento de aulas, além de tempo disponível para pesquisa. “A maioria ocupa quase que a integralidade da carga horária com atividades de interação em sala de aula”, observa.

Em relação ao orçamento, tanto o Fundeb, quanto o piso nacional da educação devem ficar de fora do chamado Arcabouço Fiscal, em discussão no Congresso Nacional, para não impactar negativamente o orçamento disponível para os programas complementares e do Governo Federal. “O Fundeb adquiriu uma vitória apenas momentânea, mas precisamos nos manter vigilantes para que ele não entre no novo arcabouço fiscal, porque isso produziria impactos enormes na educação brasileira”, ressalta Bilio.

Mesmo fora de qualquer tipo de “arrocho fiscal” estruturante de longo prazo, Bilio atesta que o Programa Escola em Tempo Integral tem como parâmetros de fomento a computação de novas matrículas realizadas no Censo Escolar e o Fundeb para alocar recursos, conhecido como valor anual mínimo por aluno. “Esse valor precisaria ser aumentado, pois não será suficiente para as ações de ampliação da educação em tempo integral. É preciso encarar o aspecto do Orçamento”.

Reduzir desigualdades e construir o futuro

Pellanda ressalta que, entre 2014 e 2022, a evolução na cobertura de atendimento em tempo integral nas escolas públicas apresentou padrões “preocupantes” em suas desigualdades de nível socioeconômico, regional e localização urbana ou rural. “Nordeste e Norte, que já figuravam entre os estados com menor nível do indicador em 2014, apresentaram quedas acima da média nacional, configurando quadro de defasagem crescente. O mesmo ocorre com a zona rural em relação à urbana. Analisando as regiões, podemos ver o quão baixos são os índices de escolas atendendo em tempo integral na região Norte. Dos sete estados, apenas o Tocantins se destaca positivamente, enquanto o restante se encontra abaixo do nível de 10%. Também chama a atenção que apenas São Paulo, Maranhão e Piauí mostram crescimento neste indicador, com o Rio Grande do Norte, Pernambuco e Mato Grosso tendo quedas fortíssimas que os deixam abaixo da média nacional. Esses são impactos associáveis à mudança nas políticas públicas com o fim do Mais Educação, incluindo também uma queda no atendimento nas redes municipais e estaduais, assim como uma substituição do atendimento no Ensino Fundamental em prol do Ensino Médio”.

Ainda de acordo com ela, entre os alunos, é visível a desigualdade sofrida pela população indígena, que, em 2020 -- último ano para o qual foi possível obter dados até a presente data -- estava 10 pontos percentuais abaixo da média nacional, com apenas 5%. “Também é visível a produção de um desfavorecimento das populações não-brancas, que sofreram impacto desproporcional no desatendimento, diz Andressa.

Para o assessor da EPSJV/Fiocruz, o direcionamento de recursos para populações em condições de vulnerabilidade não pode ser encarado como solução.

“O programa pode reduzir essa vulnerabilidade e o fomento já traz essa focalização, mesmo que sem especificar se a prioridade será dada aos alunos da educação infantil, fundamental ou do ensino médio. Por sua vez, não basta aumentar o tempo que as crianças permanecem na escola, mas permitir outros espaços de socialização e atividades que elas possam compreender os fundamentos técnicos e científicos que foram socializados pela humanidade ao longo dos últimos séculos”, avalia Bilio.

Essa permanência de desafios ainda não superados – seja os de 90 ou 10 anos atrás – demandarão ação política organizada, indica Bilio. “Passamos por vários desafios nos últimos anos. Em ordem de importância, citaria a desconstrução que o Ministério da Educação sofreu, ao deixar de lado a indução e oferecimento de assistência técnica aos estados e municípios, algo que deixou de existir na educação básica. Em segundo lugar está a Emenda Constitucional 95, que estabelece o teto de gastos. O valor anual mínimo do aluno não cresceu significativamente ao longo dos anos, apesar da necessidade de ampliação de equipamentos culturais e esportivos nas escolas. Em terceiro, precisamos manter a guarda com o tema do arcabouço fiscal, e pensar o Fundeb como fomentador não apenas da Escola em Tempo Integral, mas de outras ações complementares e integradas que possam ajudar na educação pública, como no fomento e aquisição de equipamentos tecnológicos”.

Por fim, ele propõe que o próximo PNE deve ser encarado com ousadia. “Precisamos avançar nas metas e que elas sejam ousadas, pois os desafios exigem. Não podemos apenas regressar ao que foi decidido em 2014, mas exigir do MEC e das secretarias estaduais e municipais o compromisso com a Educação”, concluiu.

Educação Profissional

Para Rafael Bilio, o item do Programa Escola em Tempo Integral que menciona estratégias articuladas para o Ensino Médio à Educação Profissional poderia ser mais claro. “Foi sutil o uso do termo ‘articulação’ e não ‘integração’, o que pode esvaziar o sentido e a proposição do Ensino Médio Integrado, contrário à nossa luta histórica e a forma como ele foi proposto no decreto 5154/2004, que revoga o decreto 2208 de 1997. A redação do Programa retoma elementos presentes no decreto de 1997, porque menciona apenas a articulação à Educação Profissional Técnica, que poderá utilizar a sistemática prevista no programa de que trata a Lei 12.513/2011, que institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Isso abre brecha para que possa ocorrer oferta de matrícula por entes privados, notadamente o chamado ‘Sistema S’, seja pelo concomitante ou pelo subsequente. Isso não está descolado da Reforma do Ensino Médio, principalmente no rito itinerário formativo relacionado à Educação Profissional. É preciso recolocar o Ensino Médio em Tempo Integral integrado à Educação Profissional também como possibilidade”, apontou.