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O papel da saúde na agenda de reivindicações das ruas

Debate durante Congresso da Abrasco analisou as principais demandas relacionadas à  saúde durante manifestações.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 18/11/2013 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A saúde nas manifestações que vêm ocorrendo no Brasil desde junho foi objeto de debate no dia 16 de novembro, durante o VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). ‘A reemergência da mobilização social no Brasil e o lugar da saúde na agenda de reivindicações’ foi o tema da mesa, da qual participaram o presidente da Abrasco, Luiz Eugênio Portela, o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Paulo Fábio Dantas Neto, e o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), Paulo Roberto de Abreu Bruno.

Para Luis Eugênio Portela, as manifestações de rua são a eclosão de uma insatisfação com a baixa qualidade dos serviços públicos nas cidades brasileiras, principalmente nas áreas de transporte, saúde e educação. “Isso não aconteceu de uma hora para outra. No congresso da Abrasco no ano passado identificamos claramente uma insatisfação latente na sociedade, que no caso do SUS era muito evidente: falta de financiamento, a qualidade da atenção e a dificuldade de acesso são coisas que incomodam quem precisa dos serviços de saúde”, apontou. Segundo ele, o saldo das manifestações foi positivo para o SUS. “O SUS não fazia parte da agenda nem do movimento social nem do Governo, e as manifestações obrigaram a saúde pública a entrar na agenda. A Central Única dos Trabalhadores [CUT] não tinha nada sobre saúde entre seus dez pontos de luta, informou Luis Eugênio, que completou:  Agora a saúde está na pauta, as diversas centrais sindicais que compõe o CNS estão acatando a exigência uma conferência de saúde do trabalhador. Outro resultado foi que o projeto pedindo 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde, que é insuficiente, mas importante, conseguiu mais de 2,2 milhões de assinaturas. Isso está tramitando no Congresso com uma forte oposição do governo federal”, disse.

Como resultado concreto das manifestações, o presidente da Abrasco apontou o programa Mais Médicos. “Faltam médicos e a população sofre com isso, mas podemos e devemos aproveitar esse movimento para avançar na implantação do SUS igualitário e estatal. Assim como o movimento da Reforma Sanitária soube sintonizar sua bandeira, cabe a nos a competência para sintonizar a luta pela implantação de um sistema universal igualitário com a luta do movimento social”.

Paulo Fabio Dantas Neto, professor da UFBA, por sua vez, fez uma leitura sobre a rejeição da política e dos partidos políticos tradicionais que surgiu em muitas das manifestações. Contrapondo as manifestações de 2013 com as mobilizações sociais que marcaram o processo de redemocratização na década de 1980, Dantas Neto considerou que os ataques aos partidos e instituições políticas representaram a culminância de um processo de afastamento entre as reivindicações populares e as pautas de partidos e sindicatos desde o fim da ditadura. “Segundo ele, com isso, muitas das manifestações acabaram perdendo força política, descambando para um embate entre polícia e o que ele chamou de “estetas da catarse social”. Segundo ele, esse é um termo usado pelo filósofo italiano Antonio Gramsci para “designar o momento primário de reivindicações sociais que antecede o processo de mediação realizado pela grande política”. Essa, defendeu, “é fundamental para que as demandas se desenvolvam, mas não suficiente”. Para o professor, metabolizar protestos e elaborar projetos racionais com base nos interesse coletivos é obra da política. “Em todas as democracias contemporâneas, os partidos têm papel imprescindível, mas perderam representatividade como canalizadores de demandas civis, com a competição cada vez mais acirrada com que são levados a operar no interior do sistema político”, disse Dantas Neto. No entanto, ele rejeitou a ideia de que a reforma política proposta pelo governo como resposta às manifestações tenha sido uma demanda das ruas. “A reforma política é pauta das elites e não do movimento das ruas. Atualmente em nome da governabilidade pretende-se reduzir o universo dos partidos que operam no interior do sistema político. Essa é uma pauta da elite, a oligarquização do sistema partidário, com a qual corre-se o risco de atirar no lixo única coisa que conta em termos de ampliação do espaço democrático. A população pede que as instituições funcionem, não sua substituição, essa é a minha leitura”, avaliou Dantas Neto.  

O pesquisador Paulo Bruno, da Ensp/Fiocruz, fez um resgate de algumas das manifestações ocorridas nos últimos dez anos no Brasil, procurando mostrar as demandas comuns entre elas, bem como a maneira violenta com que foram reprimidas pelo Estado por meio do emprego das forças de segurança. “Uma pesquisa do Ibope que procurou mostrar as principais reivindicações das manifestações deste ano apontou que em terceiro lugar estava a saúde, com 12,1 % das demandas.  Nessas manifestações a questão da saúde aparece como denúncia: a crítica à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares [EBSERH], ao Ato Médico, a  de demandas por hospitais e por um padrão de saúde ‘padrão Fifa’. Nas favelas, como na Rocinha, as pessoas iam as ruas para dizer que queriam saneamento, e não teleférico”,informou. Preso no Rio de Janeiro, durante uma manifestação no dia 15 de outubro, Dia dos Professores, e acusado, entre outros crimes de formação de quadrilha, Paulo Bruno, que concedeu entrevista exclusiva à EPSJV/Fiocruz sobre o caso, lembrou também do problema da repressão policial e da condição dos presídios brasileiros, que também devem ser estudados à luz da saúde. “Houve um uso massivo de bombas de efeito moral, e carecemos de estudos dos efeitos para a saúde desses gases, além disso, também há o problema das balas de borracha, que deixaram várias pessoas cegas. Precisamos ter um olhar mais cuidadoso sobre isso. E também as prisões, pela condição dos cárceres, o terror psicológico, as más condições de higiene, carência de água, tudo isso constitui um conjunto de elementos para se pensar”, lembrou o pesquisador.