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PEC da Blindagem e PL da Anistia: o que as políticas sociais têm a ver com isso?

Representantes de entidades e movimentos sociais ligados à Saúde, Educação e Trabalho defendem que as pautas legislativas contestadas nas ruas no último dia 21 de setembro teriam efeito negativo também sobre essas áreas
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 26/09/2025 12h56 - Atualizado em 26/09/2025 13h04
Foto: Marcelo Camargo/ABr

Fim das emendas parlamentares que alimentam o ‘orçamento secreto’, mais recursos para a Saúde, aprovação do Plano Nacional de Educação e do Sistema Nacional de Educação, fim da escala 6X1, isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e regulação da Inteligência Artificial: como você leu na primeira reportagem do Portal EPSJV/Fiocruz sobre as manifestações que ocuparam as ruas do Brasil no último domingo (21/11), essas foram as pautas legislativas que representantes de entidades dos campos da Saúde, Educação e Trabalho elencaram como as prioridades sobre as quais o Congresso Nacional deveria se debruçar para atender aos interesses da população brasileira em relação a essas áreas. A ideia da matéria era fortalecer – e ampliar – o recado que a sociedade enviou ao Parlamento, reivindicando a prioridade de pautas de interesse popular. Mas a reportagem também pediu que os entrevistados fizessem uma análise sobre as iniciativas que motivaram os protestos e que, vistas superficialmente, não têm relação direta com nenhuma dessas três áreas de políticas sociais. “As iniciativas parlamentares que foram contestadas nas ruas neste fim de semana, nomeadamente a PEC da Blindagem e a votação da anistia ou dosimetria com redução de pena para os envolvidos no 8 de janeiro, afetam de alguma forma o campo da Saúde, da Educação e do Trabalho?” foi a pergunta feita pela reportagem. Como você lerá a seguir, os argumentos foram os mais variados, mas a resposta foi unânime: sim.

“A Saúde é prejudicada duplamente: porque uma parte dos recursos de investimento são sequestrados a partir desse mecanismo [das Emendas Parlamentares] e porque a reputação do sistema de saúde fica comprometida quando nós temos promessas não cumpridas, serviços de má qualidade e insumos para a saúde que não são entregues”
Romulo Paes de Sousa, Abrasco

Para o presidente da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Romulo Paes de Sousa, a relação é direta: afinal, as Emendas Parlamentares, que, na sua avaliação, expressam um “desequilíbrio na concentração de poder associado a um uso inadequado de recursos públicos, com baixo nível de controle”, são uma das razões pelas quais muitos parlamentares estão hoje sendo “investigados por órgãos de controle e mesmo pela Polícia Federal”. “E grande parte dessas emendas que estão hoje em tela, sendo observadas, analisadas, estão ligadas à Saúde”, diz, argumentando que esse cenário está na origem da Proposta de Emenda Constitucional nº 3/21, conhecida como PEC da Blindagem. “De certa forma, é uma antecipação que muitos parlamentares estão fazendo para que não venham a ser processados e eventualmente condenados por essa malversação do recurso público”, analisa, ressaltando que “a Saúde tem tudo a ver com as manifestações de rua” recentes. Ele conclui: “A Saúde é prejudicada duplamente: porque uma parte dos recursos de investimento são sequestrados a partir desse mecanismo [das Emendas Parlamentares] e porque a reputação do sistema de saúde fica comprometida quando nós temos promessas não cumpridas, serviços de má qualidade e insumos para a saúde que não são entregues”.

“Temos que ficar atentos para o que pode acontecer nos estados e nos municípios desse país”
Francisco Batista Junior, Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde

O representante da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, Francisco Batista Junior, segue caminho parecido, mas destaca outros aspectos que vão além das Emendas Parlamentares, envolvendo “os processos de privatização e terceirização da força de trabalho” e da gestão da rede de serviços. “Não há a menor dúvida que a Saúde tem sido um dos espaços privilegiados para casos de corrupção, desvios e denúncias as mais variadas”, diz, argumentando que a PEC da Blindagem funciona como um mecanismo de proteção a políticos envolvidos nesses processos. Ele comemora que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado tenha “enterrado” essa proposta no dia 24 de setembro, depois das manifestações de rua, mas fala da importância de a população se manter alerta: “Temos que ficar atentos para o que pode acontecer nos estados e nos municípios desse país”.

“As Emendas Parlamentares hoje têm movimentado recursos públicos fundamentais não só para a Educação, mas também para a Saúde Pública e a segurança pública"
Miriam Alves, Anped

O ‘orçamento secreto’, que funciona a partir das Emendas Parlamentares, é também o gancho principal que a presidente da Anped, a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, Miriam Fabia Alves, aponta entre a PEC da Blindagem e os problemas da Educação do país. “As Emendas Parlamentares hoje têm movimentado recursos públicos fundamentais não só para a Educação, mas também para a Saúde Pública e a segurança pública, [recursos] que estão na mão dos interesses privados e privatistas de parlamentares, bem como de grupos que se interessam e conseguem capturar recursos”, diz, defendendo que esse dinheiro deveria estar “no bolo dos recursos orçamentários”, em vez de serem “disputados ‘no balcão’”. Argumentando que todo esse processo “traz prejuízos para o financiamento da Educação”, ela lembra, por exemplo, que o país “passou longe” de alcançar a meta de investimento de 10% do PIB, o Produto Interno Bruto, em Educação que consta do Plano Nacional de Educação (PNE) atual. “A contestação da PEC da Blindagem, da anistia e da dosimetria, como querem alguns, diz para nós da importância de defender a transparência no uso do recurso público e do combate à corrupção, pauta tão importante no Brasil, mas, ao mesmo tempo, que a Educação não seja penalizada quando a gente tira recursos para iniciativas privadas e privatistas”, conclui.

"Os golpes afetam diretamente a Educação”
Heleno Araújo, CNTE

Além de listar as dificuldades que a área enfrenta por falta de investimento, Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), argumenta que “os golpes afetam diretamente a Educação”. Referindo-se ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ele cita a Emenda Constitucional 95, que estabelecia um teto para os gastos federais, como resultado do “golpe de 2016”, que teve efeitos diretos sobre a Educação pública. “Se esse golpe de 8 de janeiro de 2023 tivesse vingado, estaríamos destroçados”, analisa.

“Enquanto a Câmara e o Senado se debruçarem sobre normas que beneficiam a poucos, a Educação de milhões de brasileiros continuará esperando na fila. Por outro lado, as ruas mostraram que não estão inertes e que podem falar bem alto sobre as demandas populares"
Andressa Pellanda, Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, concorda que “as iniciativas parlamentares contestadas nas ruas” no dia 21 de setembro “afetam profundamente o campo da Educação”. “Essas pautas representam um sequestro da agenda nacional e um esvaziamento da qualidade política do Congresso. Mais grave ainda, elas sinalizam um projeto de poder que privilegia a impunidade e a manutenção no poder de uma elite e a autoconservação da classe política em detrimento dos direitos sociais. Este ambiente mina a credibilidade das instituições e desvia os recursos e a atenção necessários para financiar as metas educacionais”, argumenta, concluindo: “Enquanto a Câmara e o Senado se debruçarem sobre normas que beneficiam a poucos, a Educação de milhões de brasileiros continuará esperando na fila. Por outro lado, as ruas mostraram que não estão inertes e que podem falar bem alto sobre as demandas populares. E nossa entidade está do lado da educação e dos direitos dos 99%”.

“Quando a Câmara vota blindagem, está dizendo que a dor da classe trabalhadora pode esperar. Quando discute anistia, está dizendo que a precarização da vida não é prioridade. E isso precisa ser exposto com todas as letras”
João Victor Felix, movimento VAT

A comparação feita nas ruas, entre o tempo que o Congresso Nacional estava dedicando a pautas de interesse de poucos, e a (falta de) prioridade dada aos temas que melhoram a vida da população é o ponto de partida para a relação que João Victor Felix, coordenador geral e advogado do Movimento VAT, Vida Além do Trabalho, estabelece entre a contestação da PEC da Blindagem e do PL da Anistia e a defesa dos direitos trabalhistas. “Cada vez que o Congresso gasta energia blindando políticos ou reduzindo penas de quem atacou a democracia, ele deixa de priorizar a vida real do povo. O espaço e o tempo que deveriam estar dedicados a pautas centrais, como Saúde, Educação e condições dignas de Trabalho, são tomados por projetos que só interessam a grupos específicos. Isso escancara uma escolha política: proteger privilégios em vez de garantir direitos”, diz. E completa: “Quando a Câmara vota blindagem, está dizendo que a dor da classe trabalhadora pode esperar. Quando discute anistia, está dizendo que a precarização da vida não é prioridade. E isso precisa ser exposto com todas as letras”.

“Quando a gente tem um país em que a democracia sofre ataques e é reduzida, os direitos trabalhistas, os direitos de organização dos trabalhadores, também são diminuídos”
Adriana Marcolino, Dieese

A diretora técnica do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Adriana Marcolino, concorda que “os congressistas estão gastando um tempo gigantesco na tramitação desses projetos quando deveriam estar tratando de projetos de fato de interesse da sociedade”, mas vai além, argumentando que essas medidas afetam o “campo do trabalho” simplesmente por representarem um “ataque ao Estado Democrático de Direito”. “Quando a gente tem um país em que a democracia sofre ataques e é reduzida, os direitos trabalhistas, os direitos de organização dos trabalhadores, também são diminuídos”, denuncia.

A reportagem entrou em contato também com o Cebes, Centro Brasileiro de Estudo em Saúde, o Sinasefe, Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica Profissional, e a CUT, Central Única dos Trabalhadores. O primeiro respondeu ao contato, mas não conseguiu mandar as respostas a tempo e os outros dois não retornaram.

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Complementando as manifestações que tomaram as ruas do país no último fim de semana, representantes de entidades das três áreas elencam propostas legislativas que devem ser priorizadas pelos parlamentares