Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Profissionais que fazem a vacinação: a importância da formação

Conhecimento sobre imunização e atualização constante garantem mais segurança à população
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 11/01/2021 13h07 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

Conhecer a vacina, a faixa etária para a qual ela é indicada, o número de doses em que é aplicada, saber orientar o usuário sobre os possíveis efeitos colaterais: esses são alguns requisitos que se esperam dos profissionais de saúde que estão na ponta, atendendo a população que vai ser imunizada. “Coisas erradas podem acontecer? Sim, por falta de conhecimento”, resume Marluce de Almeida, técnica de enfermagem aposentada, que trabalhou mais de 25 anos em centrais de vacina do município do Rio de Janeiro, responsáveis pelo armazenamento e distribuição das vacinas entre as unidades de saúde. Jurema Santos, auxiliar de enfermagem do Rio, concorda: “Em imunização, qualquer descuido pode dar em erro. Precisa haver cuidado em todas as etapas: desde o registro na caderneta até o [momento de] chamar a pessoa certa e aplicar o imunobiológico certo. E também, agora, no registro feito no sistema [de informação] do SUS”.

Por isso, Marluce defende que, para garantir um bom resultado da vacinação, os profissionais precisam de uma formação mais sólida na área de imunização, acompanhada por cursos de atualização permanentes. Ela considera como fundamental para o seu trabalho o Curso de Especialização Técnica em Rede de Frio que, tal como Jurema, ela fez durante um ano e meio na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fiocruz. “Com direito a trabalho de conclusão apresentado a uma banca que nos fazia perguntas e que a gente estava preparada para responder”, orgulha-se.

Junto com a coordenação e outros profissionais da rede municipal de saúde, a técnica ajudou a tocar um projeto que previa uma atualização mensal dos trabalhadores que lidavam com vacina sobre aspectos diversos, como condições de armazenamento e identificação da seringa adequada, entre vários outros. Isso sem contar as informações sobre cada vacina nova que entrava no calendário. “O conhecimento tem que ser contínuo. Não dá para fazer [a formação] hoje e pronto, acabou”, defende.

Ela conta que, mesmo com todo esse investimento em formação, a dificuldade era grande. E a principal razão, segundo Marluce, era a alta rotatividade dos profissionais. “Talvez por serem terceirizados, muitos não ficavam muito tempo empregados”, conta, acrescentando que o rodízio dos trabalhadores dentro da própria unidade era outra faceta desse mesmo obstáculo. “Você está na sala de vacina, aprendeu aquilo. Aí, daqui a pouco, tiram você dali, colocam na clínica médica. Você passa meses lá. Quando retorna, já entrou outra vacina [no calendário] e você não sabe nada sobre ela. Onde aprender?”, ilustra. O assessor técnico do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems) completa: “Há 25 anos você formava um auxiliar de enfermagem, tinha quatro vacinas, a pessoa dominava. Hoje você tem nove vacinas só até [a criança] completar um ano de idade, já são 44 imunobiológicos”, diz Alessandro, ressaltando que o “aumento de complexidade” do Programa Nacional de Imunização ao longo dos anos “se transfere para a ponta automaticamente” e que isso “gera medo nas pessoas”.

Marluce explica que esse conjunto de conhecimentos é necessário também para a produção de informações e o acompanhamento da cobertura vacinal. No seu trabalho, por exemplo, ela precisava conferir os formulários de API, Avaliação do Programa de Imunizações, que registra todas as vacinas aplicadas em cada unidade de saúde, discriminando por dose e idade, entre outros campos. “Nós tínhamos que entrar em contato com a unidade para esclarecer, por exemplo, por que a tríplice viral tinha sido feita numa criança de nove meses. Muitas vezes era erro de digitação. Mas, se tivesse sido feito errado, nós sabíamos qual foi a criança e enviávamos aquela informação para a vigilância acompanhar”, exemplifica, ressaltando que, sem conhecimento, todo esse processo fica comprometido.

A atualização constante dos profissionais se faz necessária também em função de um problema que, como você leu na reportagem principal desta revista sobre este tema, tem atrapalhado o bom funcionamento do PNI: a falta de vacinas no mercado, que obriga os gestores a improvisarem para não falhar na imunização. Alessandro Chagas, do Conasems, exemplifica: se a vacina pentavalente está em falta, muitas vezes se utiliza a tetra acompanhada de outra. E todas essas mudanças precisam chegar ao profissional de saúde da ponta.

No caso de uma vacina nova como a que provavelmente virá para a Covid-19, esse cenário ganha elementos extras. Marluce conta que, na sua experiência, toda vez que entrava uma vacina nova no calendário, surgiam pessoas manifestando medo de tomá-la. “Desde que me entendo por técnica de enfermagem é assim”, diz, lembrando que parte desse discurso era reproduzido por quem teve reações à vacina. “Será que na hora em que foi tomar a vacina ela recebeu alguma orientação sobre as reações [esperadas]?”, questiona. E vai além: “Será que o técnico hoje consegue distinguir o que é uma reação adversa e o que é [consequência de] uma vacina que foi feita errada? Não sei. Precisa ter conhecimento para isso”. Por isso, Marluce ressalta que os governos precisam explicar aos profissionais tudo que for possível sobre a Covid-19: ensinar sobre o vírus, o contexto da pandemia, os objetivos da vacinação, entre outros aspectos. “Quero frisar a importância do conhecimento na área da saúde não só para os médicos, mas principalmente para nós, técnicos, que somos a ponta, que somos a porta, onde [o usuário] chega primeiro”, conclui. Argumentando que “até para fazer registro é preciso entender um pouco daquela vacina com que se está trabalhando”; Jurema também faz um apelo: “Essa vacina específica [da Covid-19] vai precisar de muita capacitação”.

Embora o Ministério da Saúde tenha divulgado uma versão preliminar do plano de imunização para a Covid-19, o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) alerta que o processo de formação dos profissionais só pode começar quando se definir qual ou quais vacinas serão aplicadas no país. “Tem vacina de duas doses com intervalo de oito semanas, tem vacina que são duas doses com intervalo de duas semanas, tem vacina que dose única, de três doses... A depender da vacina que seja incorporada pela União para ser distribuída aos estados, a gente vai ter uma resposta diferente, portanto, um treinamento diferente”, explica Carlos Lula.

Leia mais

Convencimento da população, universalização e sistema de informação para regular as doses aplicadas são alguns dos desafios que a pandemia traz para o PNI
Programa Nacional de Imunização, cuja portaria de criação completa 45 anos em 2021, é uma experiência exitosa reconhecida internacionalmente e enfrentará mais um desafio na vacinação contra a Covid-19