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Projeto de lei cria programa para enfrentar consequências da pandemia na educação

Entre as ações previstas estão o pagamento de bolsas para agentes de busca ativa de estudantes que abandonaram estudos, atividades de reforço em português e matemática e investimentos na instalação de internet de alta velocidade nas escolas
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 08/10/2021 13h41 - Atualizado em 01/07/2022 09h41
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Um grupo de 11 deputados federais, integrantes da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, apresentou no dia 4 de outubro um projeto de lei que cria programa voltado para enfrentar os efeitos da pandemia de Covid-19 no campo da educação. Trata-se do PL 3.411/21, que institui o Programa Emergencial de Aprendizagem dos Estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e Médio, e de Acolhimento da Comunidade Escolar das Redes Públicas de Educação Básica (PEAA). Segundo seus autores, o programa, com vigência de cinco anos, está dividido em três eixos: busca ativa, voltada ao enfrentamento do abandono e da evasão escolares; recomposição da aprendizagem; acolhimento à comunidade escolar, com iniciativas de apoio ao retorno à rotina presencial; e o que os autores do PL chamam de “recomposição da aprendizagem”, com o desenvolvimento de estratégias de ensino-aprendizagem para estudantes dos anos finais do ensino fundamental e médio com dificuldades e defasagens, especialmente em língua portuguesa e matemática.

No texto em que justificam a pertinência do PL, os deputados argumentam que a realização de atividades remotas nas escolas públicas em todo o país por conta da pandemia de Covid-19 se deu de forma emergencial e, na maior parte dos casos, sem preparo, o que em parte ajuda a explicar o agravamento da situação de abandono escolar no país, bem como as “dificuldades de aprendizagem”. “Esse quadro aprofundou ainda mais as desigualdades educacionais, no que se refere à falta de equipamentos, acesso à internet e de recursos educacionais digitais na maioria das escolas públicas, tão necessários para a consecução das atividades remotas. Dados do Censo Escolar do INEP [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira] apontam que, em 2020, apenas 57% das escolas públicas de ensino fundamental possuíam internet banda larga; 32,1% internet para alunos; 46,8% computador de mesa para alunos, e somente 7,3% dos alunos tinham acesso a tablets”, diz a justificativa.

O relatório ‘Cenário da Exclusão Escolar no Brasil: um alerta sobre os impactos da pandemia de Covid-19 na Educação’, divulgado no início do ano pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que 5,5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem acesso à educação em 2020. A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2020, o documento afirma que o percentual de jovens entre 6 e 17 anos que não frequentavam a escola quase dobrou em 2020 em relação a 2019, antes, portanto, da crise sanitária, passando de 2% para 3,8% no ano passado. A taxa corresponde a cerca de R$ 1,4 milhão de crianças e adolescentes, que, somados aos 4,1 milhões de estudantes que, embora matriculados não tiveram acesso às atividades escolares por conta das dificuldades do ensino remoto, somam os 5,5 milhões estimados pelo Fundo.

“A ocorrência da pandemia da Covid-19 piorou a situação do abandono escolar, por conta das escolas fechadas por longos períodos, e o desestímulo para continuar os estudos, principalmente daquele(a)s sem condições de manter o aprendizado em casa, considerando a falta de acesso à internet e a recursos educacionais digitais. Trazer de volta à escola esses milhões de crianças e adolescentes que abandonaram os estudos é um desafio e responsabilidade dos governos e de toda a sociedade brasileira”, diz a justificativa do PL 3.411/21.

O projeto de lei prevê a destinação de R$ 311 milhões para a concessão de bolsas através do Programa para: agentes de busca ativa e acolhimento, que seriam prioritariamente estudantes concluintes dos cursos de graduação em Serviço Social, Psicologia e Pedagogia, “sob supervisão de professores das escolas de educação básica envolvidas, orientação de profissionais de psicologia e serviço social e com o apoio de diretrizes e materiais orientadores”; professores de língua portuguesa e matemática, para a realização de atividades pedagógicas de reforço escolar; para estudantes concluintes de cursos de licenciatura, para atendimento individualizado e reforço pedagógico, por fim, para professores que ficariam encarregados de acompanhar e supervisionar as atividades dos estudantes concluintes dos cursos de licenciatura e dos agentes da busca ativa.

O projeto prevê ainda apoio técnico e financeiros às redes de educação básica para aquisição de recursos educacionais digitais, instalação de internet de alta velocidade nas escolas e aquisição de dispositivos eletrônicos para uso pedagógico. “As despesas com infraestrutura, basicamente voltadas a equipamentos e acesso a uso de tecnologias de informação e comunicação, poderão ser previstas no âmbito de ações já desenvolvidas pela União, como a Política de Inovação Educação Conectada e subsidiariamente, o Programa Dinheiro Direto na Escola para Educação Básica. Lembre-se também que já existe, entre as dotações orçamentárias desse Ministério, aquela voltada para apoio à infraestrutura para educação básica”, lembram os deputados autores da proposta, no texto da justificativa.


Disputa por recursos

Atualmente a questão da destinação de recursos federais para ampliar o acesso a internet nas redes municipais e estaduais de educação é uma disputa que envolve os três poderes da República. Em março, o presidente Jair Bolsonaro havia vetado integralmente o PL 3.477/20, que prevê a destinação de R$ 3,5 bilhões pela União para que estados e municípios garantissem acesso à internet para alunos e professores da rede pública. Em junho, no entanto, o veto foi derrubado pelo Congresso, mantendo a obrigação, prevista na lei aprovada, de a União fazer os repasses até o dia 10 daquele mesmo mês. O governo federal ingressou então com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para não cumprir a lei. O STF estendeu o prazo até o dia 4 de agosto, mas o governo federal publicou, naquele mesmo dia, uma medida provisória alterando o PL 3.477/20, dando ao Poder Executivo a prerrogativa de estabelecer os prazos para a liberação de recursos.
No final de setembro, por sua vez, foi a vez de o Congresso derrubar outro veto do presidente a uma lei que previa destinação de recursos federais para a ampliação do acesso à internet nas escolas e aquisição de recursos digitais pelas redes de educação básica. Bolsonaro havia vetado o trecho do projeto de lei de criação da Política de Inovação Educação Conectada (Piec) que prevê apoio financeiro para instalação de internet banda larga e compra de computadores e tablets por meio de repasses da União aos estados e municípios, o que impedia o financiamento via o Programa Dinheiro Direto na Escola.


Projetos em tramitação tematiza retorno das aulas presenciais

Para a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, o PL 3.411/21, que cria o Programa Emergencial de Aprendizagem dos Estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e Médio, e de Acolhimento da Comunidade Escolar das Redes Públicas de Educação Básica, é “reducionista”, na medida em que foca apenas na parte da aprendizagem. “O retorno seguro às aulas presenciais vai muito além disso”, avalia Andressa, para quem o projeto de lei “mais completo” sobre o tema é o PL 2.949/20, que cria a ‘Estratégia para o Retorno às Aulas no âmbito do enfrentamento da pandemia do coronavírus’ e aguarda apreciação pelo plenário da Câmara. O projeto prevê a criação de comissões nacional, estaduais e municipais de retorno às aulas, compostas por representantes das áreas de educação e saúde, professores, estudantes e representantes da Undime e Consed, que seriam responsáveis pela criação de diretrizes para o acolhimento de estudantes, profissionais da educação e familiares, para a avaliação diagnóstica de aprendizado e ações de recuperação, bem como pela definição dos critérios epidemiológicos para a decisão sobre o funcionamento das escolas e pelos parâmetros de distanciamento social e ações de prevenção que devem ser observados durante a reabertura.

O projeto prevê ainda que cada escola forme uma comissão de retorno às aulas, composta por gestores, professores, alunos e familiares, a qual ficaria responsável pela definição de protocolos para a reabertura, incluindo desde ações a serem tomadas em caso de infrequência dos alunos, passando por avaliações diagnósticas e ações de recuperação, até os procedimentos de biossegurança a serem adotados na escola como prevenção de eventuais surtos de Covid-19 e no caso de contaminação ou suspeita de covid-19 entre alunos, professores e familiares.
Nesse processo, avalia a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é importante que haja participação de toda a comunidade escolar, inclusive dos estudantes. “É essencial que se considere uma educação humanizada e integral para essa fase de reabertura das escolas e volta às atividades presenciais, que deve ser marcada por processos de acolhida, segurança, cuidados, escutas e diálogos de todos e para todos os sujeitos da comunidade escolar, com atendimento psicossocial e de saúde especializados - essa é a prerrogativa prioritária, passando à frente de qualquer processo de avaliação e/ou ‘recuperação’ de conteúdos”, opina Andressa, que destaca ainda a necessidade de que sejam desenvolvidas novas formas de avaliação “que privilegiem abordagens mais qualitativas e menos quantitativas”. “Não podemos implementar ‘modelos de educação acelerada’, tendo em vista que estes não respeitam os tempos de ensino-aprendizagem das e dos estudantes e ferem a garantia do direito à educação. Além disso, na contramão desses modelos, o tempo é justamente de acolhida e de desacelerar, de forma a prezar pela recuperação psicossocial de todas as pessoas. Não é o momento de pressionar por uma corrida conteudista que não tem sentido em termos de construção de sociedade e de desenvolvimento humano”, reforça Andressa.


EPSJV iniciou retorno gradual das atividades presenciais em setembro

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) deu início, no início de setembro, ao retorno gradual das atividades presenciais na escola, inicialmente dos alunos do 4º ano do Curso Técnico de Nível Médio em Saúde integrado ao Ensino Médio (CTNMS) e em seguida dos alunos do 3º ano do CTNMS e do Fundamental III e IV da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O retorno vem sendo realizado a partir das diretrizes definidas pelo conjunto da escola por meio do “Plano de retorno às atividades de ensino de forma presencial na EPSJV/Fiocruz no contexto da pandemia de Covid-19”, de julho de 2020.

“Este retorno gradual exige um exame qualitativo dos maiores danos deste período, para que seja possível priorizar cursos com dificuldades mais concretas na adaptação de suas atividades ao ambiente virtual, seja pelo perfil socioeconômico dos estudantes, pelas dificuldades de domiciliarização das atividades e pelas limitações da aprendizagem mediada pelas telas, como por exemplo, no processo de alfabetização de jovens e adultos da EJA ou mesmo pelas aulas práticas dos cursos de formação de doulas”, diz a vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV/Fiocruz, Ingrid D’avilla. Ela destaca que, nesse processo, a instituição tem realizados ações como a sistematização de dados socioeconômicos e da trajetória escolar dos discentes, “sobretudo para identificar quais têm sido as maiores dificuldades para permanência dos estudantes na Escola e planejamento de estratégias para reduzir, ao máximo, a evasão escolar”, bem como a revisão da política de bolsas de demanda social concedidas pela escola e a institucionalização do apoio pedagógico aos estudantes com necessidades específicas de aprendizagem.