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Técnicos em Radiologia: entre avanços e desafios

No dia em que se comemora o Dia do Radiologista, especialistas falam sobre o desafio da formação dos técnicos na área a busca por valorização profissional da categoria
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 08/11/2024 12h18 - Atualizado em 08/11/2024 14h32
Aula do curso técnico em Radiologia da EPSJV/Fiocruz

Algumas das maiores descobertas da história da ciência foram feitas por acaso, e o raio-X é um exemplo clássico. Há 129 anos, o físico alemão Wilhelm Roentgen percebeu que o tubo de raios catódicos com o qual trabalhava iluminava a parede com uma luz esverdeada. Ao realizar experimentos, Roentgen percebeu o que os raios eram capazes de atravessar várias superfícies e projetar sombras em outros objetos e constatou que a radiação emitida atravessa os tecidos do corpo humano, mas não os ossos. Uma revolução para a Medicina da época, que logo se espalhou pelo mundo. No ano seguinte à descoberta de Roentgen, em 1896, já foi feita a primeira radiografia em território brasileiro.

É em homenagem à descoberta revolucionária do físico alemão que se comemora, no dia 8 de novembro, o Dia Mundial da Radiologia e, no Brasil, o Dia do Radiologista, denominação que apesar de inicialmente se referir aos médicos da área, atualmente engloba também os técnicos em Radiologia. Embora a nomenclatura fosse usada antes, foi a partir de 1985, com a regulamentação da profissão de técnico em Radiologia, que ela se consolidou. Foi a lei 7.394/85 que estabeleceu os critérios mínimos para o exercício da profissão, parâmetros básicos para a oferta de cursos por escolas técnicas públicas e privadas, jornada de trabalho e piso salarial da categoria.

A mesma lei criou o Conter, o Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia, órgão ao qual estão filiados os trabalhadores da área. Hoje, segundo o Conselho, existem cerca de 153,5 mil trabalhadores inscritos no Conter, sendo cerca de 130 mil técnicos em Radiologia e outros 2,6 mil auxiliares. Os tecnólogos são cerca de 20,5 mil profissionais. “É uma data de suma importância para nossa categoria, que marca o início de uma das profissões mais importantes na área da saúde. Hoje o médico não faz nenhum tipo de intervenção sem antes a realização de um exame, e um bom exame ajuda muito. Não se inicia nenhum procedimento cirúrgico sem ter um profissional da radiologia ali. Hoje a profissão é uma das mais solicitadas dentro do ambiente hospitalar, não só na parte do diagnóstico, mas também na parte terapêutica. É uma categoria que está em evolução constante”, comemora Carlos Junior, diretor-tesoureiro do Conter.

Ele se queixa, no entanto, do que chama de “invisibilização” do trabalho dos técnicos, que segundo ele ficou mais explícita durante a pandemia de covid-19. “A tomografia era um exame padrão ouro para a detecção da covid-19, porque os exames laboratoriais levavam até três semanas para ficar prontos. Muitas vezes quando saíam os resultados dos exames laboratoriais o paciente já estava em tratamento avançado. Isso salvou muita gente. Mostra o quanto os trabalhadores da radiologia foram importantes durante a pandemia, mas eu acho que não tiveram o reconhecimento que outras categorias da saúde tiveram, como os médicos e os trabalhadores da enfermagem, por exemplo”, lamenta o diretor do Conter.

Hoje cada vez mais a gente tem a incorporação de tecnologias que passaram a ser digitais. Já estamos falando de inteligência artificial incorporada aos equipamentos, o que tensiona um processo formativo que ainda tem muito entrave, é muito básico, às vezes aponta para processos que são muito retrógrados - Sergio Ricardo Oliveira, da EPSJV/Fiocruz


Novas tecnologias e o desafio da formação

Para Sergio Ricardo de Oliveira, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e coordenador do curso técnico em Radiologia da instituição, as principais pautas do debate público sobre a categoria hoje são relativas aos processos formativos da Radiologia. Segundo ele, historicamente a formação para essa área foi majoritariamente ofertada pelo setor privado, em parte segundo ele por uma falta de interesse das instituições públicas devido às particularidades da área da Radiologia, cuja legislação exige a conclusão do ensino médio e a idade mínima de 18 anos para o ingresso em um curso técnico. Com isso a formação muitas vezes fica a cargo de instituições privadas de pequeno porte, que segundo ele em muitos casos não possuem a infraestrutura física e pedagógica necessária para a realização do curso. Muitas mal conseguem cumprir a carga horária mínima exigida pelo Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, de 1,2 mil horas, segundo Sergio. “Para você ter uma ideia, para cumprir o que é determinado em legislação a gente tem que fazer o curso no período da manhã, todos os dias de segunda a sexta, durante pelo menos um ano e meio. A maioria dos cursos só faz duas vezes por semana, em três horas por dia, ou às vezes no sábado, em seis horas, durante oito meses. Você vê o tanto que é deficitário o processo formativo em muitas dessas instituições privadas”, diz Oliveira.

O professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz avalia ainda que os processos formativos não têm conseguido acompanhar a evolução das tecnologias envolvidas no trabalho em Radiologia. Ele lembra que até poucos anos atrás o processo de trabalho envolvia técnicas como a revelação a partir de produtos químicos das radiografias, num processo semelhante a revelação de fotografias. “Hoje cada vez mais a gente tem a incorporação de tecnologias que passaram a ser digitais. Já estamos falando de inteligência artificial incorporada aos equipamentos, o que tensiona um processo formativo que ainda tem muito entrave, é muito básico, às vezes aponta para processos que são muito retrógrados”, diz Oliveira. Disso, segundo ele, decorre que os profissionais precisam buscar especializações em áreas como radioterapia, tomografia e medicina nuclear ao se formar.

Se manter atualizada diante das novas tecnologias é, para Cláudia Gonçalves, ex-aluna do curso técnico da EPSJV/Fiocruz que se formou em 2017, um dos maiores desafios da profissão. Atualmente ela é técnica em Radiologia Médica no Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. “A coisa anda muito rápido. Hoje é um desafio muito grande a gente se atualizar, com cursos relacionados a novas tecnologias. É uma profissão em que você estuda muito, tem muito conteúdo”, avalia. Uma dificuldade da profissão é que esse esforço de capacitação tende a não se reverter em valorização profissional. “Ser um profissional capacitado é cada vez mais complexo, principalmente porque a gente tem muito curso de baixa qualidade por aí”, complementa Gonçalves. Ela ainda afirma que, no cotidiano corrido dos serviços de saúde, os protocolos de proteção radiológica, que visam garantir a segurança dos trabalhadores frente à exposição à radiação, acabam não sendo cumpridos. Isso envolve também a oferta de cursos de capacitação nessa área. “A profissão tem muitas regras a serem cumpridas, que nem sempre são. Falta um compromisso maior com isso por parte dos empregadores”, analisa.

Mas que papel tem a formação diante da dificuldade em acompanhar a rápida evolução das tecnologias envolvidas no trabalho dos profissionais da Radiologia? O coordenador do curso técnico em Radiologia da EPSJV/Fiocruz fala em uma necessidade de superar a imagem pejorativa de que os técnicos devem ser “apertadores de botão”, que muitas vezes é reforçada pela baixa qualidade dos cursos ofertados na área. Isso passa, por exemplo, pelo estudo da física das radiações relacionada aos processos realizados pelas máquinas envolvidas no trabalho desses profissionais. “Existe uma necessidade desses equipamentos serem operados e eles precisam entender que, se é uma máquina, eu preciso extrair o máximo possível dela para que eu possa realizar os procedimentos de forma correta. É muito comum ter profissionais que preferem que a máquina defina para você o seu operacional. Eu procuro dizer para eles que eles é que têm que ter domínio da máquina e não o contrário. Esse é um dos desafios”, avalia Sergio Oliveira. E completa: “O trabalhador precisa saber qual é a técnica, o que vai ser feito, qual é a orientação que ele tem que dar ao paciente. Ele tem que dar acolhida ao paciente, tem que explicar o que ele vai fazer, saber se o paciente tem a noção disso. Ele precisa ajustar a máquina a este paciente. O que a gente procura ensinar para eles é que eles devem observar. É fundamental analisar o que eles estão fazendo ali, para extrair o máximo daquele conhecimento que eles têm”, finaliza.


Mudanças legislativas em pauta

O diagnóstico sobre a dificuldade dos cursos técnicos em acompanhar a evolução tecnológica no setor não é novo, e está na origem de um imbróglio que envolve técnicos e tecnólogos em Radiologia, curso de nível superior que, segundo Oliveira, foi criado para tentar suprir as deficiências da formação de nível médio. Na prática, o que aconteceu foi uma superposição de atribuições entre técnicos e tecnólogos, problema que Carlos Junior, do Conter, espera que seja resolvido com a aprovação de um projeto de lei de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) aprovado no Senado em 2008, que tramita desde 2012 na Câmara dos Deputados como o PL 3.661/12. “Ele traz pontos positivos para a categoria, como a especificação clara do que é atribuição do técnico e do que é atribuição do tecnólogo. Assim como tem na enfermagem, que tem uma profissão de nível médio, que é o técnico, e uma de nível superior, que é o enfermeiro. Isso para que não tenha mais isso de o técnico e o tecnólogo fazerem a mesma função, ganhando o mesmo salário”, diz Junior. Uma vez aprovado o PL 3.661/12, a ideia é se mobilizar por uma lei que trate da remuneração da categoria, um “grande anseio da categoria”, segundo ele. “A gente teve muita dificuldade em aprovar os nossos projetos lá no Senado e agora na Câmara, porque a gente não tem um representante da categoria lá, como a Enfermagem e a Medicina têm, por exemplo. Então resolvemos não tratar de questões salariais agora devido à crise que se instalou com aprovação do piso salarial da Enfermagem”, explica o diretor-tesoureiro do Conter.