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“Quando diminui a transmissão, a cobertura vacinal estagna”, diz coordenadora da Fiocruz

Apenas 43% do total da população tomou a dose de reforço (terceira dose) da vacina contra a covid-19. Cerca de 23% dos brasileiros sequer completaram o primeiro ciclo vacinal, com as duas doses ou dose única, segundo dados do consórcio de imprensa. 

Segundo Maria de Lourdes Maia, coordenadora da Assessoria Clínica do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), quando a transmissão de uma doença começa a diminuir, é comum observar a também diminuição da busca por prevenção.

“Quando o medo da doença diminui, a busca pela prevenção também diminui. Hoje nós vivemos um cenário mais favorável – apesar de estarmos vendo um aumento de casos – e a grande maioria das pessoas não vacinadas não se sentem no grupo de risco. São os jovens que, na maioria, ainda não receberam a terceira dose”, afirma.

A partir do final do ano passado, a curva do gráfico de doses aplicadas por dia começou a diminuir até chegar no último 29 de maio, com apenas 31 mil aplicações de primeira dose, 85 mil da segunda dose e somente 1,3 mil da dose de reforço, em valores aproximados.

Em um dos últimos picos de vacinação antes de a curva iniciar a queda, em 22 de novembro do ano passado, foram 256 mil aplicações de primeira dose, 1,1 milhão da segunda dose e 4,2 mil da dose de reforço, também em valores aproximados. O período coincidiu com o aumento da circulação da variante ômicron no mundo. Ela demonstrou força no Brasil a partir de dezembro.

“Isso acontece para qualquer vacina. Por exemplo, no final do ano passado, quando a gente viu que estava diminuindo as mortes e as internações, as nossas coberturas começaram também a ficar estagnadas. Mas, quando veio a onda da ômicron, a busca pelas vacinas recomeçou”, sintetiza Maia.

Controle da doença

A pesquisadora faz um paralelo com outras doenças que já haviam sido controladas em anos anteriores mas que voltaram a preocupar as autoridades sanitárias, justamente pela baixa cobertura vacinal, como é o caso do sarampo. “Hoje, o Brasil está passando por um momento de baixas coberturas para outras vacinas, inclusive com o risco de retorno de doenças que nós já tínhamos controlado”, alerta.

A partir de 2018, o Brasil voltou a registrar casos de sarampo: foram contabilizadas 9.325 infecções. No ano seguinte, o país perdeu a certificação de “país livre do vírus do sarampo”, entregue em 2016 pela Organização Panamericana de Saúde (Opas). No mesmo ano foram registrados 20.901 casos. Paralelamente, a cobertura de vacinação contra a doença caiu de 93,1%, em 2019, para 71,49% em 2021, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Diferente do sarampo, a covid-19 sequer chegou a ser controlada, o que indica risco, inclusive, de novas ondas. “É a população vacinada que vai nos manter protegidos. Do ponto de vista individual, é o risco, porque a doença ainda pode levar a óbito. Do ponto de vista de coletividade, é a manutenção da circulação do vírus, deixando que pessoas com comorbidades venham a adoecer”, afirma Maia.

A coordenadora da Fiocruz, entretanto, afirma que são necessárias campanhas de vacinação mais incisivas, que levem aos cidadãos à compreensão acerca da importância da imunização. “Não adiantar chamar um indivíduo para se vacinar se ele não entende o porquê e quais são o papel e a responsabilidade dele. É necessário deixar claro que a vacina protege a nós, mas aos outros também. Todos nós somos responsáveis uns pelos outros”, enfatiza. 

Aumento no número de casos

Desde a semana dos dias 17 a 24 de abril, a décima sexta semana epidemiológica do ano, o registro de infectados por covid-19 voltou a aumentar, depois de semanas que em queda, conforme dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). 

Até agora, os picos foram na semana dos dias 8 a 14 de maio, com 123.564 casos contabilizados, e na última semana, entre 22 e 28 do mesmo mês, com 166.777 casos. Graças à imunização, a curva de mortes variou expressivamente menos do que o crescimento no número de doentes, o que reforça que a vacinação protege, mas evita totalmente contra a doença.

A despeito da fragilidade dos dados nacionais existentes sobre a situação vacinal das vítimas da doença, especialistas afirmam que a maior parte dos óbitos e dos casos graves estão relacionados a pessoas não vacinadas, com o esquema vacinal incompleto ou pessoas vacinadas já idosas ou com comorbidades.

O médico infectologista Marcelo Daher, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirma que, a partir de dados internacionais, “a maioria das internações em terapia intensiva e dos óbitos acontecem em pessoas que estão sem vacina, com a vacina incompleta ou com duas doses tomadas há muito tempo, sem a dose de reforço”. 

“Existe um estudo da Califórnia com mais de 10 mil pessoas que mostra que, entre as pessoas vacinadas, a chance de internação em terapia intensiva é 90% menor do que entre as pessoas não vacinadas ou com vacinação incompleta. Isso traz um dado bem positivo em favor da vacinação”, afirma. “A gente vê jovens adoecendo e, quando vai verificar, são pessoas não vacinadas.” 

Mas há ressalvas. Segundo Margareth Portela, pesquisadora da Fiocruz, é possível afirmar que os não vacinados têm mais chances de adoecer e morrer em decorrência da covid-19 apenas se a comparação for feita entre indivíduos com condições de saúde semelhantes, incluindo idade e comorbidades. 

“Mesmo com todo mundo vacinado, os mais idosos ainda vão ser os mais vulneráveis, porque tem a própria vulnerabilidade da idade, normalmente agregando aí também comorbidades. Por exemplo, se compararmos um jovem de 20 anos não vacinado com um idoso de 85 com comorbidades e vacinado, é possível que esse idoso tenha mais riscos. Em condições semelhantes, na média, os não vacinados provavelmente morrem mais. Mas a vacina, apesar de ser um fator importante, não é o único”, alerta.

Edição: Felipe Mendes

Por: Caroline Oliveira e Erika Farias

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Repórter SUS