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Por um resgate das lutas da Reforma Sanitária

A constituição das políticas sociais é inscrita no processo histórico de disputas e relações de força entre diferentes projetos societários. Um dos grandes momentos históricos desses enfrentamentos foi protagonizado pelo movimento social da Reforma Sanitária que, advindo de um período de privatização da saúde e restrição de direitos, engendrou a luta pela democratização dos direitos sociais. Este movimento, que não era homogêneo, incluía grupos da sociedade civil que defendiam a universalização da saúde e outras reivindicações populares, como a exigência de um Estado comprometido e provedor da seguridade social, a participação popular na elaboração, execução e fiscalização das políticas públicas, a construção de um sistema único, integrado, público, estatal e descentralizado de saúde. É no resgate e na defesa dessas bandeiras de luta que o livro ‘Saúde, serviço social, movimentos sociais e conselhos' é gestado.

No referido livro, entende-se política social enquanto "(...) espaço dialético de projetos contraditórios em confronto, constituindo-se em expressão da luta de classes e das racionalidades em disputa no âmbito do Estado e da sociedade civil" (p.86). Na conjuntura atual, em que é cada vez mais explícita a proposição de projetos antagônicos aos da Reforma Sanitária, a luta contra-hegemônica deve se dar no enfrentamento da lógica macroeconômica de valorização do capital financeiro e de subordinação das politicas sociais, a partir do fortalecimento da organização da classe trabalhadora em diferentes dimensões.

O livro, que contribui para esta contra-hegemonia, divide-se em três partes: a primeira é referente ao tema ‘Saúde e Serviço social'. Os textos que compõe esta seção analisam as disputas e os elementos da contrarreforma do Estado na política de saúde a partir de mecanismos como os ‘novos modelos de gestão', a mercantilização da atenção à saúde e o fortalecimento de demais articulações entre o público e privado. A segunda parte, intitulada ‘Movimentos Sociais e saúde', apresenta em cinco capítulos as contradições e desafios da organização dos trabalhadores, como a luta sindical e os partidos políticos, ratificando a área da saúde como um universo complexo de luta de classes. Na última parte, os capítulos analisam a participação e o controle social na saúde a partir dos conselhos de política e de direitos. Os autores apresentam que na atual conjuntura esses espaços estão sendo despolitizados e objetivam o apassivamento dos movimentos sociais. Assim, ratificam a urgência da construção de mecanismos de controle social como espaços de resistência ao processo de privatização e de defesa dos direitos sociais. A leitura desse livro provoca a reflexão crítica e convoca a nos movimentarmos, sentirmos as correntes que nos prendem e partirmos para a luta contra-hegemônica.

Conceito marxiano, a práxis é entendida como a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, transformando-o e sendo transformados. É ação que necessita de reflexão, autoquestionamento da teoria; e é teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar acertos e desacertos, cotejando-os com a prática. É o exercício necessário contra a mitificação da ciência como neutra e acima da história. A leitura de ‘Saúde, Serviço Social, Movimentos sociais e Conselhos' nos remete a esse conceito marxiano, pois parte da análise crítica histórica da conjuntura nacional, do reconhecimento das lutas de classe presentes no Estado em seu sentido ampliado, das consequências e mediações destas lutas refletidas na política de saúde nacional e ratifica a relevância da ocupação de espaços de controle social, assim como a urgência da organização dos trabalhadores e da criação de espaços alternativos para o enfrentamento das propostas vigentes de mercantilização da saúde.

Saúde, Serviço Social, Movimentos Sociais e Conselhos.

Maria Inês Bravo e Juliana Menezes, Cortez, 2012.

Por: Mariana Lima Nogueira, Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz e doutoranda do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade Estadual do Rio de Janeiro