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Sobra dinheiro na previdência

Especialistas desmentem números que anunciam rombo na previdência. Governo interino quer aprovar este ano contrarreforma que inclui ampliação da idade mínima para aposentadoria
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 18/07/2016 09h40 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

“As pessoas não vão aceitar. Se elas tiverem acesso a essas informações, não podem aceitar isso”. A frase é da economista Denise Gentil, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A indignação que ela aposta que mobilizará a maioria da população brasileira é com a proposta de uma nova reforma da previdência, que o governo interino promete apresentar e aprovar no Congresso Nacional ainda este ano. As informações que alimentariam essa recusa são simplesmente a negação de tudo que você lê e ouve diariamente nos jornais: na pesquisa feita para sua tese de doutorado, Denise mostra, com dados oficiais, que o Brasil não tem nenhum rombo na previdência social. Mais do que isso: anualmente, sobra (muito) dinheiro no sistema público que hoje garante aposentadorias e pensões a 32 milhões de trabalhadores. Até agora, o ‘otimismo’ da pesquisadora em relação a uma ‘grita’ da população tem razão de ser: segundo a pesquisa ‘Pulso Brasil’, realizada pelo Instituto Ipso em junho deste ano, nos 70% de desaprovação do governo Temer, a forma como o interino vem atuando em relação à reforma da previdência é o que tem a maior taxa de rejeição — 44%.

O fato é que, como resposta à crise econômica, uma nova reforma da previdência vem sendo desenhada desde o ano passado. Ainda no governo da presidente Dilma Rousseff, foi criado o Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social, que produziu um relatório de diagnóstico mas não chegou a apresentar ou apreciar propostas. Após o afastamento temporário da presidente, o governo interino teve pressa: montou um novo Grupo de Trabalho, com a participação de quatro centrais sindicais — Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) —, além da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para encaminhar o tema. Na primeira reunião, o governo interino apresentou o seu diagnóstico. Na segunda, as centrais entregaram propostas para aumentar as receitas da previdência. No dia 28 de junho, aconteceu o terceiro e último encontro. Nele, os ministros interinos encaminharam a substituição desse grupo por outro mais reduzido, agora com a presença de um representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que até então não vinha participando das negociações, um integrante do governo interino e um porta-voz dos trabalhadores (Dieese). Antecipando medidas de 'economia' que atingem diretamente a previdência, o governo interino emitiu, no dia 7 de julho, um Medida Provisória (nº 739/2016) que dificulta ainda mais o acesso ao auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez. Entre as mudanças implementadas, está a interrupção automática do benefício no prazo de 120 dias, obrigando o segurado a requerer a prorrogação junto ao INSS, e a criação do Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade, que significará um "incentivo" no valor de R$ 60 pago pelo governo aos médicos por cada perícia realizada além da "capacidade operacional ordinária". Antecipando o resultado das perícias que ainda serão feitas, o governo já calcula que essas medidas gerarão uma economia de R$ 6,3 bilhões anuais, às custas da diminuição de benefícios dos trabalhadores.

A proposta oficial de reforma da previdência, no entanto, não tinha sido apresentada até o fechamento desta matéria. Mas isso é apenas um detalhe. Desde o seu programa antecipado de governo até as muitas declarações de Henrique Meirelles, ministro interino da fazenda, e do próprio Temer, não é segredo para ninguém que, entre outras coisas, o governo provisório quer instituir (e aumentar) a idade mínima para a aposentadoria e restringir as regras da previdência rural. O argumento é que, em nome do ajuste fiscal, são necessárias medidas estruturais que reduzam os gastos do Estado. E a previdência aparece destacada como o maior deles, responsável por um rombo que, segundo previsões do governo interino, deve chegar a R$ 136 bilhões este ano. Esses números, no entanto, são desmentidos por pesquisadores e entidades que se dedicam ao tema.

Contas que não batem

Por mais que a matemática seja considerada uma ciência exata, quando o assunto é a situação da previdência no Brasil, há muito tempo que dois mais dois não têm dado quatro. Lidando com os mesmos dados primários, governos (o interino e o da presidente Dilma) e estudiosos chegam a resultados diametralmente opostos. Para se ter uma ideia, enquanto os economistas do governo provisório apontam em 2015 um déficit de R$ 85 bilhões, no mesmo ano as planilhas da Anfip anunciam um superávit de R$ 24 bilhões. E a comparação com os anos anteriores mostra que, em função do aumento do desemprego, que diminui a arrecadação, esse saldo positivo foi bem menor do que os R$ 53,9 bilhões que sobraram em 2014 e os R$ 76,2 bilhões de 2013, anos em que, do lado do Planalto, já se falava em déficit. “O governo faz um cálculo muito simplório. De um lado, ele pega uma das receitas, que é a contribuição ao INSS, dos trabalhadores, empregadores, autônomos, trabalhadores domésticos, que é o que a gente chama de contribuição previdenciária. Do outro, pega o total do gasto com os benefícios: pensão, aposentadoria, todos os auxílios — inclusive auxílio doença, auxílio-maternidade, auxílio-acidente — e diminui. Então, isso dá um déficit”, explica Denise Gentil.

A primeira vista, pode parecer um erro matemático. Isso porque a Constituição Federal estabelece, no artigo 194, que, junto com a saúde e a assistência social, a previdência é parte de um sistema de seguridade social que conta com um orçamento próprio. Esse orçamento, por sua vez, é alimentado por tributos criados especificamente para esse fim. Assim, diferente do que os governos fazem, na parcela de cima da conta da previdência — a receita — devem ser incluídas não apenas as contribuições previdenciárias mas também recursos provenientes da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (CSLL) e do PIS-Pasep. Para se ter uma ideia da diferença que esse ‘detalhe’ faz, contadas apenas as contribuições previdenciárias, a receita bruta da previdência em 2014 foi de R$ 349 bilhões para pagar um total de R$ 394 bilhões de benefícios. Essa conta, que Denise caracteriza como “simplista”, mostra um déficit de R$ 45 bilhões — ainda assim muito menor do que o anunciado pelo governo. Quando, no entanto, se considera a receita total, incluindo os mais de R$ 310 bilhões arrecadados da CSLL, Cofins e PIS-Pasep, esse orçamento pula para R$ 686 bilhões.

Talvez você esteja supondo que o dinheiro que sobrou no orçamento da seguridade social mas faltou no da previdência tenha sido usado nas outras duas áreas a que, constitucionalmente, ele se destina: saúde e assistência. Mas essa é uma meia verdade. A soma dos gastos federais com saúde, assistência e previdência totalizou, em 2014, R$ 632 bilhões. Como o orçamento da seguridade foi de R$ 686 bi, no final de todas as receitas e todas as despesas, ainda sobram R$ 54 bilhões. E como esse saldo se transforma em déficit? Com uma operação simples: antes de destinar o dinheiro para essas áreas, o governo desvia desse orçamento 20% do total arrecadado com as contribuições sociais, o que, em 2014, significou um ralo de R$ 60 bilhões.

Na prática, isso significa que o orçamento que a Constituição vinculou, governos e parlamentos vêm desvinculando todos os anos, desde 1994. Trata-se da Desvinculação de Receitas da União (DRU), um mecanismo aprovado e renovado no Congresso a cada quatro anos que autoriza os governos a usarem livremente parte da arrecadação de impostos e contribuições, sempre sob o argumento de que é preciso desengessar o orçamento para melhor administrar o pagamento da dívida pública. Ela acaba de ser mais uma vez prorrogada no Congresso, agora por um período mais longo (oito anos e não quatro) e com uma alíquota maior, de 30%. Segundo cálculos da Anfip, em 12 meses isso significará o desvio de cerca de R$ 120 bilhões arrecadados por meio de contribuições sociais, que deveriam alimentar o caixa da seguridade social. “Se a previdência é deficitária, o governo vai retirar 30% da onde? Como um sistema que está à beira de quebrar pode ceder 30% para outros fins que nem se precisa justificar?”, provoca Sara Graneman, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesquisadora do tema.

Por mais contraditório que seja, a DRU fornece o amparo legal para o cálculo dos governos, que contraria a garantia prevista na Constituição. Mas aqui é necessário cautela. Primeiro porque nem com a DRU o “rombo” chega perto do que os governos e jornais alardeiam. Segundo porque, mesmo com a DRU, o orçamento continuaria positivo se os governos não retirassem outra bolada do caixa da previdência e da seguridade por meio de isenções fiscais, ou seja, tributos que deixam de ser cobrados das empresas, como forma de ‘incentivo’. Agora mesmo em 2016, ano em que a reforma da previdência vem sendo debatida como prioridade tanto pelo governo eleito afastado quanto pelo governo interino, a Lei Orçamentária Anual, enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso, prevê R$ 69 bilhões de renúncia apenas dos recursos da previdência, sem contar o conjunto das contribuições que financiam toda a seguridade social. A simples decisão de não abrir mão desses recursos faria com que a previdência fechasse as contas no azul. “Você diz que a previdência tem um déficit de R$ 85 bilhões mas renuncia ao equivalente a 3% do PIB de receita? E depois quer que a sociedade aceite uma reforma da previdência?”, questiona Denise Gentil.  Isso sem contar a sonegação fiscal que, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, impediu que R$ 453 bilhões chegassem aos cofres públicos no ano passado. Em outras palavras: o déficit é produzido, não por fórmulas matemáticas, mas por opções políticas. “Ninguém discute neste país os mais de R$ 501 bilhões que foram bastos no ano passado com os juros da dívida. Ninguém discute os mais de R$ 200 bilhões que foram gastos só para segurar a taxa de câmbio. Mas discute-se o fato de que 70% dos benefícios da previdência são de até dois salários mínimos. É uma loucura!”, diz Denise. Sara completa: “Não é a estrutura de financiamento nem a pirâmide etária que têm problemas. O problema é a retirada de recursos. Essa é a maior pedalada que o Brasil tem”.

Concepções que não batem

Denise é enfática em afirmar que “não faz sentido falar em déficit da previdência”. E, ao dizer isso, ela não está apenas repetindo que as contas do governo estão erradas. “Trata-se de um princípio filosófico”, explica, defendendo a concepção que orientou o capítulo de seguridade social da Constituição. “A ideia é nós termos um sistema de proteção social que abrange as pessoas na velhice, na adolescência, na infância...”, exemplifica, para justificar por que essas áreas, que atendem a necessidades sociais, têm que ser geridas pela demanda e não pela oferta de recursos disponíveis.

O grande salto da Constituição foi compreender que, como sistema voltado a garantir direitos, a seguridade deveria ser “financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta”. O envelhecimento da população e a mudança na pirâmide etária brasileira, por exemplo, que têm sido usados como um dos principais argumentos em defesa de uma nova reforma, já estavam previstos no princípio que regeu esse capítulo da Constituição. Essa é uma das razões para que se tenha um orçamento composto não só por contribuições dos próprios trabalhadores e seus empregadores, mas também por tributos pagos pelas empresas em geral. A idéia era exatamente garantir sustentabilidade mesmo quando a população de idosos, que usufrui da aposentadoria, superasse a população economicamente ativa, que contribui para ela. “A Constituição de 1988 foi um raio em céu azul. Porque a partir dali o que houve foi uma dilapidação dos princípios constitucionais, foi a ilegalidade sendo patrocinada pelo Estado para restringir direitos sociais”, lamenta Denise, que completa: “É uma disputa antiga e será eterna porque é uma disputa de classe”.

Problemas do envelhecimento

De fato, embora não tenha apresentado uma proposta oficial, a medida mais alardeada na reforma da previdência prometida pelo governo interino é o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria. O argumento: a população brasileira está envelhecendo e, em 2040, essa mudança da pirâmide vai tornar o sistema insustentável. “Acho um certo excesso de zelo. Os governos não conseguem prever a próxima crise e querem nos convencer do que vai acontecer em 2040?”, ironiza Sara Granemann.

O argumento da pressão demográfica também não é novo. O relatório elaborado pelo grupo técnico instituído pelo governo Dilma, que discutiu o tema até pouco antes do afastamento da presidente, informa que, em 2015, a expectativa de vida do brasileiro era de 75,4 anos e que, em 2042, esse tempo médio de vida subirá para 80,07 anos. “O aumento da longevidade da população demanda ações específicas para a sustentabilidade da seguridade social”, conclui o relatório. Sara ressalta que essa mudança etária deveria ser comemorada e não servir de pretexto para se retirar direitos da população. “O aumento da expectativa de vida é um feito da humanidade no século 20. Se elevar para todo mundo a aposentadoria para 65 anos, por exemplo, você terá pessoas se aposentando a menos de dez anos da morte”, alerta. Declarações mais recentes do Palácio do Planalto, no entanto, dão conta de um cenário ainda pior: matéria publicada no jornal O Globo no último dia 27 de junho afirma que o “governo Temer quer permitir aposentadoria só a partir dos 70 anos”. A notícia é que o projeto que está sendo elaborado proporia idade mínima de 65 anos para agora, ampliando para 70 daqui a 20 anos. “O cálculo é o quanto mais perto da morte o direito da aposentadoria deve chegar”, denuncia Sara.

Vilson Romero, presidente da Anfip, explica que a primeira desmistificação que precisa ser feita é exatamente em relação a essa expectativa de vida. E aqui o pulo do gato do discurso governamental está em divulgar apenas o cálculo da “média”. “Como estabelecer uma idade mínima para aposentadoria num país como o Brasil, onde no campo se morre aos 55 anos e no Rio Grande do Sul há quem viva até os 85, 90 anos?”, questiona, destacando a maioria dos brasileiros que vivem sob condições precárias de trabalho morre antes de fazer jus à aposentadoria.

Mas os especialistas ouvidos pela Poli alertam ainda para uma segunda desmistificação necessária nessa discussão. “Já existe idade mínima”, diz Sara. Além dos auxílios (doença, maternidade, entre outros), pensão por morte e benefícios acidentários e assistenciais, o Regime Geral da Previdência Social engloba três modalidades de aposentadoria: por invalidez, idade e tempo de contribuição. Por definição, não cabe restrição de idade para as aposentadorias concedidas a pessoas que, vitimadas por doenças ou acidente, tenham ficado impedidas de trabalhar. A aposentadoria por idade já estabelece o mínimo de 60 anos para mulheres e 65 para homens – nesse caso, o objetivo de uma nova reforma seria jogar a aposentadoria mais para frente. A modalidade por tempo de contribuição permite que o trabalhador se aposente em qualquer idade, desde que contribua durante 30 anos, se for mulher, ou 35 anos no caso dos homens. É nessa modalidade que poderia estar concentrado o contingente de trabalhadores que conseguem o benefício aos 55 anos – média que tem sido alardeada pelos governos como a idade em que os brasileiros se aposentam. A partir de uma medida aprovada no ano passado, o trabalhador tem a alternativa de se aposentar quando a soma do seu tempo de contribuição (30 ou 35) com a idade resultar em 85 ou 90 para mulheres e homens, respectivamente. A cada dois anos, acrescenta-se um ponto nesse resultado final, de modo que, em 2026, a soma tenha que dar  90 e 100.

Além disso, mais uma vez, os números desmentem o argumento: dos 32 milhões de benefícios garantidos pela previdência brasileira, apenas 5,4 milhões ou 16,6% estão nessa modalidade. O número é baixo por uma razão muito simples: com o alto grau de informalidade e instabilidade do mercado de trabalho brasileiro, são poucas as pessoas que conseguem ter vínculo empregatício que gere contribuição por 30 ou 35 anos seguidos. Isso significa que a maioria da população brasileira se aposenta com uma idade muito maior do que aquela que é divulgada pelos defensores da reforma previdenciária. Trata-se, mais uma vez, de uma ‘matemática’ particular: segundo Romero, mesmo não fazendo o menor sentido estabelecer idade para aposentadoria por invalidez ou pensão por morte, por exemplo, esses benefícios são contabilizados pelo governo no cálculo que produz a média de 55 anos.

Velhice e desenvolvimento

Mas de pouco vale a desmistificação desses números diante da afirmação repetida de que, com a mudança da pirâmide etária, o sistema da previdência vai entrar em colapso em algumas décadas. “Não vai acontecer nada disso”, garante Denise Gentil, completando: “O discurso demográfico do envelhecimento populacional é um discurso do mercado financeiro”. Como economista, seu argumento é que não se pode fazer previsões para o futuro sem levar em conta uma variável que as análises “catastrofistas” dos governos sempre ignoram: a produtividade. “Quando você vê as planilhas do ministério da previdência, todas as variáveis estão projetadas para o futuro: massa salarial, massa de benefícios, inflação, taxa de crescimento do PIB... Só não tem a produtividade”, descreve. E explica: “Se tivesse esse cálculo, ficaria claro que, no futuro, embora existindo em menor número, cada trabalhador vai produzir muito mais do que se produz hoje. E que, portanto, essa capacidade produtiva maior vai gerar produto e renda no montante suficiente para pagar os salários dos ativos e os benefícios dos inativos”.

Diante de “uma produção gigantesca”, diz, a preocupação deve ser garantir um mercado consumidor à altura. E é aqui que entram os aposentados. “O envelhecimento da população brasileira não vai ser problema, mas solução”. Desde que eles tenham a aposentadoria garantida, claro.

"Os governos começam a divulgar que a previdência está quebrada porque as pessoas vão se sentir inseguras em usar o serviço público e vão correr para o banco fechar um plano privado. Você tem que se perguntar a quem serve essa reforma" (Denise Gentil)

 

Aposentadoria no campo e salário mínimo

Outro ponto que tem sido apontado pelos ‘especialistas’ governamentais é a necessidade de se mudarem as regras da aposentadoria dos trabalhadores rurais. Hoje, a Constituição permite aos trabalhadores do campo se aposentarem cinco anos antes dos urbanos, sem exigência do tempo mínimo de contribuição, recebendo um salário mínimo. Segundo Denise Gentil, as discussões da reforma vinham cogitando não só igualar a idade de aposentadoria como condicioná-la à contribuição, ou seja, equiparar com os critérios da previdência urbana. “Como se você tivesse condições de comparar essas duas realidades, do trabalhador rural e urbano, neste país”, contesta.

De fato, considerado apenas o fluxo de caixa entre a receita e a despesa previdenciária, sem levar em conta os recursos da seguridade social como um todo, o subsistema de previdência rural apresenta um déficit que, em 2015, foi de R$ 90,0 bilhões. Romero explica que, de um lado, esse desequilíbrio expressa o impacto de uma medida muito positiva para os trabalhadores: a valorização do salário mínimo na última década que, “obviamente deu uma valorizada muito grande no benefício rural”. Mas o problema, na sua avaliação, está na falta de contribuição de um setor central da economia no campo: o agronegócio. Hoje, as empresas desse ramo são isentas de contribuição previdenciária sobre o que é exportado e pagam uma alíquota de 2,6% sobre a receita bruta da comercialização interna. Como regra geral, os outros setores pagam 20% sobre a folha de pagamento. “Isso tem sido contestado pela CNA [Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil], pelo ministério da agricultura, mas eu acho que é chegada a hora de o agronegócio, que tem sido tão incentivado, ser incentivado também a contribuir um pouco mais para o equilíbrio das contas da previdência rural”, analisa Romero. Essa foi uma das dez propostas formalmente entregues pelas centrais sindicais que compuseram o GT ao governo interino.

Mas já há reação. Matéria do jornal O Estado de São Paulo no dia 23 de junho informa que uma das “alternativas” consideradas pelo governo interino na proposta de nova reforma da previdência é cobrar a contribuição do INSS das empresas do agronegócio. Na reportagem, no entanto, Roberto Brant, ex-ministro do governo Fernando Henrique, atual consultor da CNA e coordenador do programa de Michel Temer para a área — tendo sido o principal cotado para o ministério da previdência, caso ele não tivesse sido extinto — classificou essa medida como “nonsense”, argumentando que a reforma precisa priorizar a redução das despesas e não o aumento de receita.

E não foi só sobre a previdência rural que a valorização do salário mínimo destacada por Romero teve impacto. Por isso mesmo, uma das medidas que vem sendo anunciada desde o programa antecipado do governo interino é impedir que os benefícios previdenciários e assistenciais continuem tendo reajustes que acompanhem o salário mínimo. Num texto que, entre outras coisas, ignora o sistema de financiamento da seguridade social, que garante um caixa próprio, o programa do PMDB defende: “É indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício do valor do salário mínimo. (...) Os benefícios previdenciários dependem das finanças públicas e não devem ter ganhos reais atrelados ao crescimento do PIB”. Para Sara Granemann, inclusive, essa é a diferença substancial que se pode destacar entre as propostas que circulavam no governo Dilma e as que se cogitam agora, durante o governo interino. “Para Temer, há uma fúria de desvincular e criar um outro índice, sem dizer qual. Se Dilma voltar, talvez não faça isso”, arrisca, ressaltando, no entanto, que, embora nunca tenha aparecido como proposta, no governo petista o impacto dessa indexação sempre era apresentado como problema.

Para que tudo isso?

Para os especialistas ouvidos pela Poli, tudo isso aponta um claro processo de privatização e financeirização da previdência brasileira, que traz muitos riscos para os trabalhadores. Denise explica que o que se chama de previdência privada é, na verdade, o investimento num fundo que aplica no mercado financeiro o dinheiro pago pelos trabalhadores. “Não é previdência, é investimento, com custo alto e retorno baixíssimo”, denuncia Denise. Diferente da garantia que a previdência social oferece, aqui pode-se ganhar ou perder. O caso do Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, é exemplar. Neste exato momento, o fundo acumula um rombo de quase R$ 7 bilhões que, segundo análises publicadas na grande imprensa, se devem principalmente a perdas em investimentos de risco, por exemplo, em títulos de outros países e nas empresas de Eike Batista. Uma solução proposta foi aumentar em 23 anos a contribuição de todos, inclusive aqueles que já teriam direito ao benefício. Segundo matéria do jornal O Globo de março deste ano, isso significaria inclusive uma redução de 18% no contracheque dos já ‘aposentados’.

Segundo dados da Anfip, em fevereiro de 1997, o Brasil tinha 255 fundos de pensão que movimentavam R$ 72 bilhões; em dezembro de 2015, são 308 fundos com uma reserva de R$ 685 bilhões. Isso talvez explique por que, na avaliação de Denise, a proposta de reforma da previdência nada tenha a ver com fluxo de caixa: trata-se, na verdade, de um amplo acordo entre Estado e mercado financeiro, que envolve o pagamento dos juros da dívida pública e o fortalecimento dos fundos de pensão, que se tornaram um verdadeiro nicho de mercado para o grande capital. “Os governos começam a divulgar que a previdência está quebrada porque as pessoas vão se sentir inseguras em usar o serviço público e vão correr para o banco fechar um plano privado. Com esse discurso, o governo tem empurrado a população para o colo dos bancos”, explica Denise, que alerta: “Você tem que se perguntar a quem serve essa reforma”.

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Comentários

A matéria é muito esclarecedora! Só peço para corrigirem o trecho abaixo. A mudança implementada no ano passado não altera a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. A nova regra apenad oferece outra possibilidade de aposentadoria. Abraços. "Mas, a partir de uma mudança implementada no ano passado, isso já não basta: agora, é preciso que a soma desse tempo de contribuição (30 ou 35) com a idade resulte em 85 ou 90 para mulheres e homens, respectivamente. A cada dois anos, acrescenta-se um ponto nesse resultado final, de modo que, em 2026, a soma tenha que dar 90 e 100."

Os governadores dos estados e os presidentes do Brasil, com seu respectivos vices, se aposentam com apenas UM MÊS DE MANDATO EFETIVO, com remuneração de R$ 35.000,00 e as mesmas vantagens, como se estivessem no exercício das atividade. Alguém poderia me contrariar e mostrar que isso não é verdade. Itamar Franco e José Sarnei não foram eleitos, mas se aposentaram como presidente da republica, com todos os direitos. Em Santa Catarina conheço 5 ex governadores que nunca foram eleitos e estão todos aposentados.

Eles que retirem a aposentadoria de Políticos com um mandato de Presidente se aposenta isto é fim de mundo ou vamos fazer uma guerra dentro do país, mas só e Brasília o povo ta cansado de ser chacota dessa gente eu tenho 37 anos no mesmo serviço e quase 57 anos e não posso me aposentar isto sim é o fim agora ter um mandato e se aposentar é o fim do mundo. vamos brigar até o fim e não deixamos elevar a idade de aposentadoria isto vamos divulgar em todas as redes sociais Tv, rádio e onde for possível jamais e ninguém mais voto nessa gente vamos torcer para o fim de Deputados e senadores vereadores e tudo mais cargos políticos deixamos presidente e mais 7 ministérios isto já é o suficiente. e Basta.

A diferença entre a esquerda e a direita é que a esquerda precisa fazer um desenho.

A Senadora Heloisa Helena - AL sempre disse que a Seguridade Social é superavitária. E eu acredito nisso também. Déficit é o falso argumento dos governantes que promovem a Reforma da Previdência (FHC, Lula, Temer).

tenho 49 anos e é triste saber q por apenas 1 ano eu não possa dar entrada na minha aposentadoria ja ano que vem, pois em 2017 completo 35 anos de contribuição incluindo os anos que trabalhei na area rural, em saber agora que tenho q esperar mais 16 anos para que possa me aposentar, espero que os políticos revejam e que não entre em vigor essa lei, pois sei que assim como eu tem milhares de trabalhadores nesta mesma situação, muito triste isso

Eu tenho 49 anos e em 2013 fiz a juntada de tempo de contribuição com registro em carteira de 12/1988 a 2013, desses 7 anos e 3 meses de serviço perigoso, e também a juntada de documentos contemporâneos entre 1979 e 1988 em que: De acordo com a Constituição federal de 1988, Lei 8213 de 1991 art. 55 diz que: "O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o artigo 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: [...]. [...] § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de inicio de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. § 3º A comprovação do tempo de serviço para efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em inicio de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, [...]." "[...] tratando-se de comprovação na categoria de segurado especial, o documento existente em nome de um dos componentes do grupo familiar poderá ser utilizado, como inicio de prova material, por qualquer dos integrantes deste grupo, assim entendidos os pais, os cônjuges, companheiros (as), e filhos (as) solteiros (as);[...]." (INSS 61, 2012, Art 138, V). "Lei 3048/99, artigo. 9º § 5º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes." “Lei 8213/91, artigo 11. § 7º O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput deste artigo, em épocas de safra, à razão de, no máximo, 120 (cento e vinte) pessoas/dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho.” dei entrada administrativamente no INSS e foi indeferido. Agora se essa lei for aprovada tenho que trabalhar mais 16 anos para me aposentar. É triste isso. Sem contar que pode ocorrer que lá pelos 60 anos de idade possa ocorrer mudanças novamente e tudo pode não se concretizar.

Mais acredito que contribuir para a previdência deve ser OPCIONAL e não OBRIGATÓRIA. Tudo neste país tem que se pagar 2 ou 3 vezes. Educação, Saúde, Segurança... além dos serviços públicos, muitos sucateados e mal tratados, outros que funcionam mal e porcamente (a não ser para cobrar R$) e ainda tem essa vergonha de obrigatoriedade. Esse pacto nacional a qual todos nós brasileiros nos submetemos para constituir o Brasil, cada vez mais dá sinal que não presta.

Gostaria que alguém me falasse sobre o seguinte fato: Com a emenda constitucional 20, todos os municípios brasileiros com menos de 1000 funcionários à época foram obrigados a extinguir seus institutos de previdência próprios e se submeterem ao RGPS. Com isso houve obviamente um gigantesco ingresso de recursos na previdência social . Que eu saiba, pouco se falou sobre isso, mas isso deve ter aumentado sobremaneira a receita da previdência, não é ?

Boa tarde gostaria se saber como minha situação bai fokar daqui pra frente.estou afastada do serviço ja 1 ano 4 meses.estou com sindrome do tunel do carpo ja operei as duas mãos mais hospital das clinicas de Ribeirão preto não me deu alta ainda voltarei so em março de 2017 pra vet se vão me liberat. Gostaria de saber como vou fikar pq ja fiz até pericia judicial dia 2 de setembro 2016. Mais so que estou com problemas nos nervos dos dedo da palma da mão sou doméstica faço tudo . Conclusão faço td com as mãos .sei que perito do trabalho não me liberou disse que não posso mais fazer o serviço então por gentilza gostaria mt de uma resposta desde ja mt obrigada

A conta apresentada pela senhora Denise não condiz com a realidade, uma vez que ela mesma sugere que só há superavit se não houver DRU, o problema é que a DRU existe e tem que continuar existindo, pois é um dos mecanismos básicos para a amortização dos juros das dividas nacionais, que são caríssimas e foram adquiridas pelo então presidente Luiz Inácio, então a situação é a seguinte, se não for alterada a previdência o pais sofre na crise se for os beneficiários sofreram, estamos entre a espada e a espada

Fiquei um pouco confuso... A solução seria não pagar a divida e deixar os juros acumularem infinitamente perdendo qualquer "credito" de bom pagador que o brasil tem hoje?

Comparar fundos de pensão de estatais com previdência privada? Previdência privada é arriscado e rende pouco? Nem vou comentar o quão bem geridos foram os fundos de pensões estatais com seus diretores nomeados por Lula e Dilma... E como disse o comentário ai de cima, a DRU existe e vai ter de continuar existindo...

Eu já dizia em 1990 quando houve aquela suposta roubalheira que o governo preferiu jogar na mídia a culpa nas costas dos advogados envolvidos, em vez de mostrar que o INSS é que trabalhava mal, que a previdência é o órgão que mais arrecada depois da receita federal. Quando existia as caixas previdenciárias, ( IAPI, IAPETC, IPASE E/OU OU IAPs), com a arrecadação, eram pagos as aposentadorias, benefícios, licenças sobre doenças, cada classe tinha seu hospital muito bem equipado, construíram conjuntos habitacionais que existem até hoje, não tenho conhecimento que algum deles tenham desabado, pois se fazia uma obra séria sem demandar dinheiro para a corrupção, se havia, deveria ser irrisório. Esses conjuntos habitacionais era composto de área de lazer, escola e clube familiar. Os compradores dessas moradias, cada um na sua classe, pagava uma mensalidade de igual valor do início ao fim, sem correção monetária, pois naquela época não existia esse tipo de exploração. Conclusão: o dinheiro arrecadado dos trabalhadores dava pra cobrir os benefício, a saúde( não existia CPMF), construía, E ainda sobrava dinheiro, pois essas caixas da previdências ainda compravam imóveis como forma de investimentos. O número de trabalhadores eram infinitamente menor que o de hoje. O percentual arrecadado também era menor. Nunca houvi dizer que essas caixas previdenciárias estivessem no vermelho. O governo vendo isso uma mina de ouro, unificou criando o INPS e passou a gerir esses recursos que nada construíram, só pagam as aposentadorias e não cuidam da saúde por que alegam que não dá. Quem é o mal administrador? NINGUÉM. No governo FHC e do Color, foram vendidos diversos imóveis que pertenciam a previdência por um valor muito abaixo da realidade. Para onde foi esse dinheiro. o PROBLEMA, é que o governo, tira esse dinheiro dos trabalhadores, para pagar as aposentadorias dos militares, os altos slários dos parlamentares e tribunais de contas e outros que não me lembro no momento. ESSA É A REALIDADE DA COISA.

É cômico! Tanto Lula como Dilma ensaiaram a reforma da previdência. Aí vem uma economista, dizer que este governo mente! Seria mais honesto perguntar quem mente mais.

O déficit da previdência é mesmo uma falácia. Quem quiser verificar os números apresentados no artigo e outros detalhes, pode consultar o documento "Análise da Seguridade Social 2014", publicado pela insuspeita ANFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil / Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social.

Link para o documento "Análise da Seguridade Social 2014", publicado pela insuspeita ANFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil / Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social: http://fundacaoanfip.org.br/site/wp-content/uploads/2016/03/analise_tabelas_b.pdf

Estava recebendo no meu face a págiba da Dra. Nise Silveira. sempre soube que a Previdência tem muito dinheiro, pois trabalhei anos atrás numa representação quando houve a unificação das previdências urbanas e rural. Mas estas informações não chegam ao povo.