Todo mundo sabe o que levou centenas de milhares de pessoas do Brasil inteiro às ruas no último domingo, 21 de setembro: o repúdio à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 3/21, conhecida como PEC da Blindagem, e do requerimento de urgência para a votação do PL nº 2162/23, que anistia os envolvidos na tentativa de golpe de Estado do dia 8 de janeiro de 2023 – ambos pela Câmara dos Deputados. O mote era a denúncia, mas no recado dado ao Congresso Nacional, havia também demanda: tanto nas falas das lideranças políticas quanto nos cartazes que se espalhavam pela multidão, não faltaram exemplos de pautas que atenderiam aos interesses da população (e não de grupos particulares) que os parlamentares deveriam priorizar. Entre elas, com destaque, estavam o fim da escala 6X1, a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a taxação das grandes fortunas.
Foi para ampliar essa lista – e ajudar a fortalecer um momento tão importante na defesa da democracia brasileira –, que o Portal EPSJV/Fiocruz decidiu mapear projetos e propostas legislativas das áreas de Saúde, Educação e Trabalho que deveriam ter a atenção dos parlamentares. Para isso, a reportagem conversou com representantes de entidades que atuam em cada um desses campos, pedindo que eles elencassem os projetos de lei em tramitação que devem ser considerados prioritários, explicassem a relevância deles para o país e analisassem se existe mobilização social suficiente para pressionar pela sua aprovação. O resultado você lê abaixo.
Saúde: fim do 'orçamento secreto' e criação de carreira para o SUS
“A principal questão é haver uma reconversão do orçamento em Saúde para o Executivo, já que há uma apropriação pelo Legislativo, através da Emenda Parlamentar, que, aliás, está supervinculada a essas manifestações"
Romulo Paes de Sousa, Abrasco
“A Saúde precisa de mais dinheiro”. A constatação é de Romulo Paes de Sousa, presidente da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, que lembra que, com exceção do período da pandemia de covid-19, em que se enfrentava uma emergência sanitária, “desde 2012” o orçamento do setor não tem contato nem mesmo com a reposição da inflação da saúde O resultado, como não poderia deixa de ser, é um subfinanciamento ou mesmo desfinanciamento, diz ele. No momento em que esta matéria foi escrita, a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2026, que tramita como PLN 15/25, aguardava despacho no Senado. Mas, na avaliação de Sousa, essa nem é a maior prioridade. “A principal questão é haver uma reconversão do orçamento em Saúde para o Executivo, já que há uma apropriação pelo Legislativo, através da Emenda Parlamentar, que, aliás, está supervinculada a essas manifestações [do dia 21 de setembro]”, diz, referindo-se ao ‘orçamento secreto’, criado pela lei nº 13.957/19. “Essa é a principal questão: a discussão dos recursos que a Saúde terá, e a possibilidade de alocá-los de uma maneira correta, o que é impedido por causa do volume crescente de Emendas Parlamentares que incidem principalmente sobre a Saúde”, completa.
Segundo Sousa, como forma de mobilização em torno do tema, a Abrasco tem debatido aspectos como a “racionalidade” de alocação das Emendas Parlamentares, “como ela é praticada” e “o prejuízo para o sistema como um todo”. Além disso, a entidade espera que esse tema seja muito debatido no 14º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, que vai acontecer de 28 de novembro a 3 de dezembro, em Brasília.
Falando em nome da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, Francisco Batista Júnior, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, elenca vários projetos de lei que estão em tramitação no Congresso e são muito importantes para “nichos” específicos da área da Saúde. Ele cita, como exemplos, o PL 2.583/20, que trata da Estratégia Nacional de Saúde, com vistas a fomentar a produção de insumos e equipamentos médicos no Brasil; o PL 1.085/25, que quer garantir a cobertura do tratamento de doenças degenerativas pelos planos de saúde; o projeto 294/25, que trata do “apoio a pessoas com esclerose múltipla”; e o 2.952/22, sobre a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer. Mas ele pondera: “Sem desconsiderar a importância desses projetos de lei, eu entendo que o grande desafio nosso é conseguir construir propostas que batam de frente, que façam enfrentamento com os problemas estruturantes e conceituais do nosso sistema [de saúde]”.
“Se conseguirmos viabilizar uma carreira única no SUS, enfrentaremos questão da precarização, da insuficiência da força de trabalho, do modelo de atenção"
Francisco Batista Junior, Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde
Entre os “problemas estruturantes”, Batista Junior destaca a prevalência de um modelo de atenção ainda centrado na “alta especialização”, que valoriza pouco a prevenção e a promoção da saúde, e um processo de privatização das “ações, da força de trabalho e da gestão”. E, para responder a isso, a pauta legislativa que ele considera mais importante neste momento é a criação de uma carreira para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Essa é uma proposta estruturante”, opina. Diversos Projetos de Lei já tramitam no Congresso com esse tema e foram arquivados. Em tramitação neste momento, a reportagem localizou a PEC 9/25, que aguarda ser pautada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. “Se conseguirmos viabilizar uma carreira única no SUS, enfrentaremos questão da precarização, da insuficiência da força de trabalho, do modelo de atenção. Porque se não temos uma atenção básica resolutiva, isso se deve muito ao fato de não termos equipe multidisciplinar em saúde, trabalhando na atenção básica. E enfrentaremos a questão da privatização do sistema, porque sabemos muito bem que temos uma dependência brutal de serviços privados, principalmente nos procedimentos de alto custo, especializados, exatamente pela falta de profissionais da rede pública, pela falta da carreira”.
E como anda a mobilização em torno desses projetos? Na avaliação do representante da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, as perspectivas são boas. “Pela primeira vez, desde que conseguimos regulamentar o SUS, na lei orgânica em 1990, eu diria que conseguimos colocar esse tema na pauta”, diz. Ele conta que integrou uma comissão criada em 2024 pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), do Ministério da Saúde, que elaborou uma “proposta muito interessante de carreira única e interfederativa”, que contemplaria todos os trabalhadores do SUS – tanto da assistência e vigilância quanto, por exemplo, das áreas administrativa e de apoio. Os documentos produzidos no âmbito da comissão não são públicos, mas, segundo Batista Junior, foram aprovados internamente uma Proposta de Emenda Constitucional de criação da carreira única, um Projeto de Lei de regulamentação dessa Emenda Constitucional e ainda um outro projeto para criação de um fundo tripartite para financiamento dessas mudanças. Ele lembra que a proposta foi apresentada na 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada em agosto, e submetida à mesa de negociação do SUS. Informa ainda que entidades sindicais estão organizando um seminário nacional para discutir esses documentos no final de outubro deste ano. “Nós sabemos que esse não é um tema que tem apoio majoritário dentro do governo, mas não é isso que está nos desarmando, muito pelo contrário”, conclui.
Educação: PNE e Sistema Nacional são urgentes e prioritários
Entre os três representantes de entidades do campo educacional ouvidos pelo Portal EPSJV/Fiocruz, a resposta foi unânime: para atender aos interesses da população brasileira, o Congresso deve dar prioridade aos Projetos de Lei nº 235/19, que cria o Sistema Nacional de Educação (SNE), e nº 2.614/24, que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE). “O SNE é a reforma de base que o Brasil precisa para organizar de forma justa e colaborativa a gestão educacional entre União, estados e municípios, acabando com o desbalanço de recursos e a descoordenação que hoje perpetuam as desigualdades. Sem o SNE, continuaremos a navegar sem um mapa comum, com cada ente federado remando para um lado. Já o novo PNE é a bússola que define as prioridades, o caminho e o destino, estabelecendo metas claras e financiamento robusto para a próxima década”, resume Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que completa: “Estas não são apenas proposições legislativas, mas as alavancas fundamentais para qualquer avanço concreto na qualidade e universalização da educação pública no país”. Miriam Fabia Alves, presidente da Anped, a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, concorda: “São dois projetos que a gente poderia dizer que instituem políticas de Estado para a Educação brasileira”.
Apelidado por alguns de ‘SUS da Educação’, o SNE foi aprovado na Câmara no início de setembro de 2025 e, no momento em que esta reportagem foi escrita, estava aguardando uma nova apreciação pelo Senado, já que o texto original foi modificado pelos deputados. “O Sistema Nacional de Educação tem a responsabilidade de fazer a ação cooperativa integrada entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, além, claro, de definir as responsabilidades de cada ente federado, tratar da questão de qual é a base de financiamento para garantir o direito à Educação para todas as pessoas, indicando também a necessidade de garantir uma infraestrutura adequada para as escolas e as políticas de valorização dos profissionais de Educação, que não pode ser feita apenas por um único ente federado”, explica Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) reafirmando também a necessidade dessa mudança para o sucesso do novo PNE, quando aprovado. “É necessário pensar uma política integrada de forma cooperativa e solidária entre todos os entes federados para alcançar a aplicação das políticas do Plano Nacional de Educação”.
"A regulamentação do SNE representa a chance histórica de o Brasil superar o apartheid educacional que separa as crianças do Norte e Nordeste das do Sul e Sudeste; os alunos pobres das periferias e das zonas rurais dos filhos das elites; a maioria de negros e indígenas daquela dos brancos. (...) O novo PNE, por sua vez, é o contrato social que traduz esse direito em números, prazos e investimentos concretos"
Andressa Pellanda, Campanha Nacional Pelo Direito à Educação
Para dar conta dessa articulação, o texto do Projeto de Lei que cria o SNE estabelece atribuições específicas para cada ente federado e, também a exemplo do SUS, cria instâncias de pactuação entre eles: as Comissões Intergestores Bipartite (Cibes) e Tripartite (Cite) da Educação. Além da oferta e acesso, o texto também trata de aspectos como a avaliação das diferentes etapas e modalidades educacionais e o financiamento da Educação no Brasil – sobre este tema, um dos pontos relevantes é o estabelecimento do CAQ, o Custo Aluno-Qualidade, como “expressão do valor nacional por aluno” de modo a se garantir um “padrão mínimo de qualidade”. “A importância destas matérias é vital e transcende o universo da educação. A regulamentação do SNE representa a chance histórica de o Brasil superar o apartheid educacional que separa as crianças do Norte e Nordeste das do Sul e Sudeste; os alunos pobres das periferias e das zonas rurais dos filhos das elites; a maioria de negros e indígenas daquela dos brancos. É uma questão de direito constitucional garantir que cada estudante, em qualquer canto do território, tenha acesso a uma escola de qualidade mínima assegurada. O novo PNE, por sua vez, é o contrato social que traduz esse direito em números, prazos e investimentos concretos, vinculando o futuro do país ao desenvolvimento de seu povo através do conhecimento”, explica Pellanda.
“São questões emergentes, importantes para a próxima década da Educação brasileira”
Miriam Alves, Anped
No momento em que esta matéria está sendo escrita, o PL 2.614/24, que atualiza o Plano Nacional de Educação, está na comissão especial da Câmara, aguardando parecer do relator. O PNE atual ‘venceu’ no ano passado, mas foi prorrogado por meio da lei 14.934/24. Em janeiro de 2024, uma edição extraordinária da Conferência Nacional de Educação (Conae) foi realizada com o objetivo de ouvir a sociedade civil organizada sobre os parâmetros que deveriam orientar o novo PNE. “São questões emergentes, importantes para a próxima década da Educação brasileira”, alerta Miriam Alves, da Anped.
A questão é que, em relação ao PNE, o desafio não é só aprovar o Projeto de Lei, mas também viabilizar que as metas possam ser cumpridas – o que depende, por exemplo, do orçamento que o Congresso aprovará para a Educação e para as outras políticas sociais. Estudo feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostrou que apenas quatro das 20 metas estabelecidas pelo PNE atual foram cumpridas ao longo dos seus 11 anos de vigência, de 2014 a 2025. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz em junho deste ano, a coordenadora da Campanha alertou que “em vez de avançar, o próximo PNE [este que está sendo analisado no Congresso agora] pode ficar refém da necessidade de remediar falhas estruturais”, “questões que já deveriam há muito estar resolvidas”.
"Precisamos de uma mobilização que demande merenda de qualidade, profissionais da Educação valorizados, escola com internet e livros, e futuro digno para a juventude. A pressão popular precisa ser acelerada para que estas leis sejam robustas e saiam do papel”
Heleno Araújo, CNTE
Segundo Heleno Araújo, a CNTE, junto com o Fórum Nacional de Educação, tem organizado seminários ou audiências públicas nas casas legislativas municipais e estaduais “para pressionar os partidos que ocupam cadeiras nessas instâncias e que também estão no Congresso Nacional” em relação a essas pautas. A prioridade, diz, é que ambos os projetos sejam votados até o final deste ano. E ele lembra ainda que a aprovação dessas duas leis precisa, na sequência, se refletir nos outros entes federados. “Então, vai ter a Lei do Sistema Estadual de Educação, a Lei do Sistema Municipal de Educação, o Plano Estadual de Educação, o Plano Distrital de Educação e o Plano Municipal de Educação”, enumera. A coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação reconhece que existe uma “mobilização social qualificada” em relação a essas pautas, mas considera que ela ainda é insuficiente. “As entidades do campo educacional, como a nossa, travam uma batalha diária nos corredores do poder, apresentando estudos, negociando com parlamentares e alertando para a urgência. No entanto, a complexidade técnica desses temas muitas vezes os afasta do grande público. Ainda há um marasmo generalizado devido aos desgastes intensos dos conflitos políticos e sociais dos últimos anos, oriundos das crises sobrepostas que enfrentamos no país e no mundo”, analisa. E alerta: “É imperativo que esta luta deixe os gabinetes e ecoe nas ruas, nas escolas e nas comunidades. Precisamos de uma mobilização que demande merenda de qualidade, profissionais da Educação valorizados, escola com internet e livros, e futuro digno para a juventude. A pressão popular precisa ser acelerada para que estas leis sejam robustas e saiam do papel”.
Trabalho: redução da jornada de trabalho, isenção de IR e regulação da IA
Uma das demandas apontadas pelos entrevistados como prioritárias na pauta legislativa relativa ao trabalho ganhou destaque também nas ruas que se mobilizaram contra a PEC da Blindagem e o PL da Anistia no último domingo. Não foram poucos os cartazes e falas que tentavam lembrar os parlamentares da urgência de se aprovar a PEC 8/25, que estabelece o fim da escala 6X1, protocolada na Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano, depois de uma ampla mobilização popular. Não por acaso, uma das entidades procuradas pela reportagem foi exatamente o movimento VAT, Vida Além do Trabalho, protagonista nas lutas em torno dessa pauta. “Existe uma PEC em tramitação que trata desse tema, e ela não é apenas um número na pauta legislativa. Representa a chance de mudar a vida de milhões de pessoas”, diz João Victor Felix, coordenador geral e advogado do VAT.
Mas ele não foi o único. A diretora técnica do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Adriana Marcolino, também destacou essa medida como prioridade que deveria receber atenção do Congresso neste momento. “Reduzir a jornada e repensar as escalas de trabalho no Brasil, que foram fortemente precarizadas no último período, é fundamental para melhorar a qualidade de vida do trabalhador e também para ter uma redistribuição da produtividade que foi conquistada nas últimas décadas”, justifica. Ao caracterizar como “urgente” o debate e a votação do fim da escala 6X1, o representante do movimento VAT ressalta que “não se trata de um detalhe técnico”. “Se trata da vida real de quem acorda cedo, pega transporte precário, trabalha de pé o dia inteiro e volta para casa sem forças para conviver com a família ou estudar. Essa rotina gera doenças, afastamentos, depressão, burnout. Acabar com a escala 6x1 é devolver humanidade ao trabalho”, defende.
“A grande lição da PEC da Blindagem é que a mobilização popular tem força real. Se houve recuo no Senado, não foi por consciência, mas porque a pressão das ruas expôs a manobra. O mesmo vale para a escala 6x1”
João Victoro Felix, Movimento VAT
O destaque dessa ‘bandeira de luta’ nas manifestações recentes mostra que essa talvez seja a demanda sobre o Congresso que mais gera mobilização social neste momento. Felix é taxativo: “A grande lição da PEC da Blindagem é que a mobilização popular tem força real. Se houve recuo no Senado, não foi por consciência, mas porque a pressão das ruas expôs a manobra. O mesmo vale para a escala 6x1. Não será uma pauta conquistada de cima para baixo, será conquista da organização coletiva da classe trabalhadora. E as ruas disseram que o debate segue firme e forte”.
Outra reivindicação presente nas manifestações recentes, como um recado para os parlamentares, foi a isenção de Imposto de Renda para quem ganha menos de R$ 5 mil – e, para a diretora técnica do Dieese, essa é uma prioridade absoluta entre as pautas legislativas relativas ao trabalho no Brasil hoje. “A tabela do Imposto de Renda tem uma defasagem de mais de 50% no período de 2016 até 2022, quando ela ficou congelada, não teve nenhuma atualização. Com isso, cada vez mais brasileiros entraram na cobrança do imposto de renda e também começou-se a cobrar um valor maior. Então, é muito importante que se atualize a tabela do Imposto de Renda, isentando aqueles trabalhadores e trabalhadoras que ganham até R$ 5 mil e que se cobre daqueles que têm alta renda”, explica. E completa: “O Brasil é um dos países mais injustos do ponto de vista tributário e esse ponto seria um primeiro passo para a melhoria na justiça tributária”.
Parte da plataforma de governo apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ainda era candidato, essa proposta chegou ao Congresso como o PL 1.087/25. Diante da demora na votação pela Câmara – onde o relator do projeto é o deputado Arthur Lira (PP-AL) – e respondendo à pressão das ruas, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado votou, na última quarta-feira (24/09), outro projeto (1.952/19) com o mesmo teor. O parecer foi do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que justificou a iniciativa como uma resposta à demora da Câmara em tratar o tema. “Até o presente momento, [a proposta do governo] aguarda decisão para ser pautada no Plenário da Câmara, gerando expectativas negativas quanto à tramitação deste tema, que é de grande relevância para a correção de injustiças tributárias com as pessoas de menor renda”, declarou, em matéria da Agência Senado. No momento em que esta reportagem foi escrita, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), por sua vez, tinha marcado a votação do projeto original para o dia 1º de outubro.
"É fundamental que trabalhadores e trabalhadoras estejam protegidos em relação a essas tecnologias [de iA], tanto no que diz respeito à vigilância e monitoramento quanto em relação aos seus empregos, à possibilidade de serem realocados para setores novos que essas tecnologias venham a criar
Adriana Marcolino, Dieese
Menos previsível como pauta relacionada ao trabalho, e mais distante da mobilização popular neste momento, o Projeto de Lei 2.338/23, que regulamenta o uso de Inteligência Artificial (IA), foi elencado pela diretora técnica do Dieese como outra prioridade da pauta legislativa na proteção dos trabalhadores. Ela cita como exemplo concreto da atualidade e urgência do tema a recente notícia de que funcionários do banco Itaú foram vigiados e monitorados por sistemas que eles não sabiam que existiam e demitidos “sem chance de poder entender qual foi a avaliação deles”. “Esse Projeto de Lei relacionado à IA trata desses elementos relacionados a monitoramento e vigilância dos trabalhadores e trabalhadoras por esse tipo de tecnologia”, diz, complementando: “A gente está diante de um conjunto grande de tecnologias que, pelas expectativas, vão gerar mudanças significativas em várias dimensões da sociedade, dentre elas, o trabalho. Então, é fundamental que trabalhadores e trabalhadoras estejam protegidos em relação a essas tecnologias, tanto no que diz respeito à vigilância e monitoramento quanto em relação aos seus empregos, à possibilidade de serem realocados para setores novos que essas tecnologias venham a criar”.
Apesar da relevância, Adriana Marcolino considera que, em relação a essa proposta, ainda há pouca mobilização social, inclusive porque esse debate está envolto em todo o ambiente de “desinformação que rola sobre a regulamentação dessas tecnologias e das big techs”. “Mas é um ponto fundamental para garantir direitos sociais, direitos políticos, direitos civis e direitos trabalhistas”, defende. Já as outras duas pautas mencionadas, a atualização da tabela de IR e a redução da jornada, ela acredita que têm mobilizado bastante a população, como se pode identificar também pela presença desses temas nas redes sociais. “Mas [a mobilização] precisa ser ampliada, porque o Congresso está ignorando essas pautas. Já era para isso ter tramitado, são temas candentes que a sociedade está trazendo e o Congresso Nacional tem se negado a discuti-las”, conclui.
Outras entidades
A reportagem entrou em contato também com o Cebes, Centro Brasileiro de Estudo em Saúde, o Sinasefe, Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica Profissional, e a CUT, Central Única dos Trabalhadores. O primeiro respondeu mas não conseguiu mandar as respostas a tempo e os outros dois não retornaram o contato.