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EPSJV coordena oficina em Seminário Internacional do Conselho Nacional de Saúde

Oficina tratou da formação de técnicos em saúde, novas diretrizes e atualização do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 18/11/2021 11h37 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) coordenou, no dia 16 de novembro, a oficina “Formação de técnicos em saúde de nível médio e as novas diretrizes e atualização do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos: como enfrentar a contrarreforma da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio”, durante o Seminário Internacional Proteger o Trabalhador e a Trabalhadora é Proteger o Brasil. Promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), o evento virtual foi realizado nos dias 15, 16 e 17 de novembro, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), integrando a programação do Ano Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora da Saúde e da Assistência. O tema central do seminário foi “Proteção do trabalho como estratégia para a saúde como bem comum: democracia e defesa do SUS para todas as pessoas”.

Na abertura da oficina, a diretora da Escola Politécnica, Anamaria Corbo, apresentou a EPSJV como uma unidade técnico-científica da Fiocruz, que produz conhecimento e desenvolve ações na área de educação profissional de saúde e trabalha não só com atividades de ensino, pesquisa e informação e comunicação, mas também com formação técnica com instituições públicas nacionais e internacionais. Além disso, a Escola já foi Secretaria Técnica da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) e atualmente é secretaria executiva da Rede Internacional de Educação de Técnicos (RETS), da Rede de Escolas Técnicas de Saúde da CPLP (RETS- CPLP) e da Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS), além de ser Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde desde 2004.  “Nesse sentido, a gente tem trabalho com a discussão das concepções e estruturações das instituições públicas de formação de técnicos em saúde, concebendo técnico em saúde como todo aquele contingente de trabalhadores da saúde que estão no nível fundamental e médio de escolarização”, definiu. 

De acordo com Anamaria, a EPSJV, que fez 36 anos em 2021, traz, desde a sua origem, a defesa da garantia do nível médio de escolarização para todos os trabalhadores da saúde. “Participamos da elaboração das diretrizes curriculares dos técnicos em Agentes Comunitários de Saúde que, no início da inserção deles na Estratégia Saúde da Família, só precisavam saber ler e escrever. A gente sempre compreendeu que, como trabalhador da saúde, qualquer profissional de saúde teria que ter, no mínimo, a formação técnica, justamente por entender que era a escolaridade necessária para compreensão dos processos que incidem e determinam o seu trabalho e a saúde das pessoas”, ressaltou. E acrescentou que a atuação da escola sempre foi na perspectiva de estruturação de instituições públicas que tenham como missão a formação dos diferentes trabalhadores do SUS: “A gente sempre tem trabalhado na perspectiva de que as formações aconteçam em instituições de formação com estrutura e força de trabalho dedicadas a isso, e que a formação em serviço seja um componente curricular, que dialogue com as discussões realizadas na escola, ou seja, que o trabalho seja concebido como um princípio educativo ”. 

No âmbito da Covid-19, a diretora apontou que a pandemia deu visibilidade ao SUS e, se não fosse pelo trabalho desse sistema, o país não estaria no patamar que está atualmente. “Além disso, a pandemia exacerbou uma série de problemas na organização SUS, que já existiam antes, seja o seu crônico subfinanciamento, seja os recentes processos de desestruturação do sistema, como a falta de qualificação desses trabalhadores que estão na linha de frente, a ausência de equipamentos de proteção, o número de óbitos entre os trabalhadores e os impactos que a Covid está trazendo para a atenção em saúde como um todo, para citar alguns”, enumerou, concluindo: “Temos uma série de situações que vão determinar uma atuação bastante complexa, que vai exigir muito de nós que trabalhamos no SUS e, mais do que nunca, vai exigir uma formação de trabalhadores que consigam atuar no sentido de compreender todos esses processos e atuar sobre eles. É um cenário bastante difícil e temos que estar juntos pensando em táticas e estratégias para fazer frente a essa conjuntura”.

Práxis, Trabalho e Politecnia

A professora-pesquisadora da EPSJV, Marise Ramos, apresentou algumas perspectivas pedagógicas e políticas da educação profissional em saúde, considerando tanto a experiência da Rede de Escolas Técnicas dos SUS (RET-SUS) quanto a da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Rede EPCT). “A discussão de concepções que têm orientado a atuação dessas redes na educação profissional em saúde pode nos mostrar possibilidades e dificuldades para a disputa de um projeto comprometido com a educação integral dos trabalhadores da saúde”, apontou.

Para ela, se os processos formativos de caráter formal forem qualificados e o processo de trabalho também, a capacidade resolutiva dos técnicos se amplia ainda mais significativamente.

Partindo das categorias conceituais de Práxis, Trabalho e Politecnia, Marise destacou que o princípio educativo do trabalho é aquele que orienta a formação dos sujeitos em uma perspectiva da integralidade. “O conceito de práxis ou prática sinaliza, de forma mais direta, que a prática humana é, e precisa ser, uma relação entre pensar e fazer, entre teoria e prática, conhecer e agir. Entendemos que práxis e trabalho são categorias que se complementam na dinâmica social da existência humana”, disse.

Marise ressaltou ainda o sentido antológico do trabalho: “Ao se produzir o que é necessário para existência, produz conhecimento e cultura. A sociedade moderna vai organizando os conhecimentos, primeiramente, por intermédio da ciência e, depois, institucionalizando meios para transmitir tais conhecimentos às novas gerações, dentre os quais, as escolas”, apontou.

O conceito de Politecnia, segundo a professora-pesquisadora, está associado à formação integral do ser humano. “Portanto, é a formação plena que desenvolve todas as potencialidades do ser humano e, assim, pode transitar entre a necessidade e a liberdade. Sendo assim, trata-se de uma formação que conhece o ser que trabalha como o ser que é produtivo e criativo e que, como espécie, se produz e se reproduz socialmente”, disse.

Já a educação profissional em saúde, de acordo com Marise, seria uma educação que tem o processo de trabalho em saúde como referência. Ela incorpora o processo de trabalho em saúde, mas não se restringe a ele. Por essa razão, a professora-pesquisadora definiu que não ficaria restrita ao serviço, mas iria ao SUS e para além do próprio SUS. “A educação politécnica em saúde é uma formação integral e integrada, que visa a plena formação humana e tem seu campo de referência na práxis social, na qual a saúde e a organização do serviço em saúde é uma mediação. Nesse sentido, a unicidade do SUS é também convergente com a concepção de Politecnia na educação”, elucidou. 

Dessa forma, segundo Marise, a defesa de uma perspectiva politécnica na Educação Profissional em Saúde é uma mediação importante do direito à saúde. “O contrário a isso é a educação tecnicista, que limita as pessoas à exclusividade das suas funções e não reconhece pessoas como sujeitos que atuam na produção da saúde”, contrapôs.

Marise apontou que, ao buscar compreender as concepções pedagógicas para a educação profissional em saúde, se encontrarão importantes convergências entre as duas redes. “As Escolas Técnicas do SUS cresceram buscando enfrentar as contradições à medida que se propuseram a proporcionar aos trabalhadores o conhecimento de suas práxis, problematizando-as e vinculando-as aos princípios do SUS, visando à formação crítica. O Projeto Político Pedagógico dessas instituições se caracteriza bastante por uma concepção crítica de sociedade, fortemente associada ao pensamento de Paulo Freire. Mas, ao mesmo tempo, a prática pedagógica carrega uma influência importante da pedagogia nova, que visa superar o que foi a pedagogia tradicional”, explica.

Já na Rede EPCT, em relação a educação profissional, há uma referência do pensamento Freiriano, uma ênfase na integração ensino e serviço, apontou. “A rede federal foi se estruturando por docentes que vinham do serviço de saúde e já tinham uma tradição da educação técnica em saúde associada a dimensão prática e melhoria dos procedimentos. Portanto, há uma certa convergência e, apesar dessa rede ter uma discussão intensa sobre a perspectiva politécnica da educação, há uma herança da educação profissional em saúde vinculada aos serviços e a problematização das práticas, visando aprimorá-las, mas, muitas vezes, sem essa face científica, cultural e histórica”, explicou.

Por fim, Marise falou sobre as disputas na política da educação de trabalhadores no Brasil de hoje, principalmente, da educação de trabalhadores de nível médio regida pela Lei 13.415/2017, que destinou à educação profissional técnica de nível médio a condição de itinerário formativo. “Lutamos e rechaçamos a possibilidade de desenvolver uma educação fragmentada e o processo de trabalho dividido social e tecnicamente, que limita as pessoas à exclusividade de suas funções para produzir a saúde como mercadoria e/ou somente como serviços”, finalizou.

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica

Em sua análise, o pesquisador da EPSJV, Rafael Bilio, falou sobre o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 7, de 19 de maio de 2020, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional e Tecnológica e resultou na Resolução CNE/CP nº 1/2021. “A Resolução CNE/CP nº 1/2021 também está presente nesse movimento de contrarreforma, que se refere à educação profissional e tecnológica, e aponta que as ofertas concomitante e integrada têm que se adaptar ao esquema da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que está indicado na Reforma do Ensino Médio. Você tem um caminho que já é fragmentado, mas que pode ser extremamente fragmentado através dessas pulverizações de qualificações profissionais para adquirir o itinerário de formação técnica profissional”, apontou. 

Nesse cenário, Rafael destacou também que estão presentes ainda a fragilização da formação, marcada pela ideia de formação geral restrita à BNCC, às distintas formas de flexibilização dos arranjos curriculares, com limites à apropriação sólida de conhecimentos, a tônica na formação aligeirada, a precarização do trabalho docente com a institucionalização do notório saber, dentre outras. “Todas essas questões pontuadas referentes ao ensino médio e à educação profissional técnica de nível médio guardam relações, dentre outras, com a diminuição dos gastos públicos com a educação escolar e demais políticas públicas como a saúde, incluindo a EC 95/2016, que congela gastos públicos, e a privatização da educação”, afirmou.

De acordo com Rafael, outro parâmetro normativo-legal para formação na educação profissional é o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) que começa a se desenhar no Brasil, a partir de 2008, instituído pela Portaria MEC nº 870 de 16 de julho de 2008. “É um referencial que subsidia o planejamento dos cursos e correspondentes itinerários formativos contemplando perspectivas de formações intermediárias, especializações técnicas e, especialmente, os cursos técnicos de nível médio”, definiu.

Portanto, continuou o pesquisador, não é um simples guia de orientação, mas um instrumento complementar das Diretrizes da Educação Profissional. “Uma vez que a sistemática adotada pelas atualizações do CNCT segue o horizonte das competências profissionais e socioemocionais, sobrevalorizando a dinâmica neoliberal do mercado de trabalho e, de modo especial, a implementação da contrarreforma do ensino médio que impactará mais imediatamente, nos cursos técnicos concomitantes e integrados”, disse.

Quando o MEC lançou  a 4ª edição do CNCT, nacionalmente, em 2021, foram trazidas, segundo Rafael, questões sensíveis para ordenação, como a “confusa possibilidade de ampliar a formação continuada, por meio de uma expansão tecnicista e acrítica dos itinerários formativos, como também o avanço da Educação a Distância (EaD) na formação técnica em saúde”. “A partir desse escopo legal, o CNCT vem hipertrofiando as suas funções originárias, de mero organizador de nomenclaturas e perfis profissionais de cursos para uma proposta de ser um referencial organizativo e até curricular, disciplinador de cursos de Educação Profissional”, observou. E, concluindo, Rafael contou que, a partir de julho de 2021, foram iniciadas as discussões para 5ª atualização do CNCT, com o objetivo de definir a carga horária presencial mínima e máxima para a EaD nos Cursos Técnicos e pesquisas de planos de cursos.

Como encaminhamentos ao final da oficina, ficaram apontadas a necessidade de fortalecer a oferta da educação profissional em saúde pelas redes públicas; a defesa da educação como direito social público, igualitário e universal para, de forma articulada, promover a resistência à implementação da Resolução n 01/2021, em sua totalidade; e a organização de um conjunto jurídico e regulatório que se relacione ao fortalecimento da educação profissional pública e da sua integração à educação básica impedindo os retrocessos da contrarreforma e construção de consultas públicas nesse processo.

Publicação

As discussões da oficina foram desdobramentos de dois capítulos escritos por Marise e Rafael no livro "Formação técnica de nível médio em saúde no SUS e para o SUS: desafios e perspectivas”, que faz parte da série “Controle Social & Políticas Públicas". A publicação foi lançada no dia 17 de novembro, durante o seminário.

O livro é de acesso aberto e está disponível na Biblioteca Virtual da Rede Unida.