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Os técnicos em saúde na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Durante a 4ª Reunião Ordinária da RETS-CPLP, países Africanos de Língua Portuguesa e Portugal apresentaram a experiência de trabalho e formação dos técnicos em saúde
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 23/11/2018 10h47 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Durante a 4ª Reunião Ordinária da Rede de Escolas Técnicas de Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (RETS-CPLP), realizada nos dia 12 e 13 de novembro, no Rio de Janeiro, representantes dos países da CPLP apresentaram o cenário da Atenção Primária em Saúde (APS) nos seus sistemas de saúde. Além disso, os membros da RETS-CPLP aprovaram o novo plano de trabalho da Rede 2019-2022 e confirmaram a EPSJV/Fiocruz como sua instituição coordenadora.

Apresentações mostram diversidade entre os países e problemas comuns

António Luis, do Ministério da Saúde (Minsa) de Angola, fez um breve histórico da formação técnica em saúde em seu país. Segundo ele, no período colonial, a formação em saúde era predominantemente de auxiliares, em cursos básicos.  A formação média em saúde teve início em 1966/67 e foi interrompida em 1975. Em 1979, quase quatro anos após a Independência Nacional, o Ministério da Saúde junto do Ministério da Educação criaram o Instituto Médio de Saúde Comandante Bula, na província do Bié, com a finalidade de formar Técnicos Médios de Medicina. De lá para cá já foram criadas várias instituições responsáveis por cursos ‘Médio Técnico’, de formação inicial; cursos de ‘Promoção’, para transformar auxiliares em técnicos médios; cursos de ‘Especialização Pós-Média’, fundamentalmente para os técnicos já inseridos no SNS; e desenvolvem ações de formação contínua para docentes e não docentes. De acordo com António Luis, um dos grandes desafios de Angola é a formação docente, de forma a melhorar a qualidade de formação dos técnicos.

A apresentação do Brasil colocou em destaque a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) e a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que revolucionou a APS no país. Nas equipes de saúde da família, auxiliares e técnicos de enfermagem e de saúde bucal, além dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), desempenham um papel fundamental. De acordo com Marília Tolentino, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde, a APS chega a alcançar 67% de cobertura populacional no Brasil.

A representante de Cabo Verde, Serafina Alves, do Ministério da Saúde e da Segurança Social (MSSS) destacou a importância da APS na política nacional de Saúde e o papel dos seguros e planos de saúde na prestação de serviços da APS. Com muitos detalhes ela falou sobre a rede de atenção no país e da composição das equipes de saúdes nos distintos estabelecimentos que compõem a Rede. Como dificuldades, ela ressaltou a inexistência em Cabo Verde de instituições para formação especializada em Saúde; o número insuficiente de técnicos em diversas áreas para substituição durante o período de formação; e aos altos custos diretos e indiretos para formação dos técnicos de saúde no exterior.

Pela Guiné Bissau, falou o atual diretor da Escola Nacional de Saúde (ENS), José de Pina Adelino. Segundo ele, de 2009 para cá, a Escola formou mais de 1400 técnicos nos cursos de Enfermagem Geral, Farmácia, Laboratório, Parteira Geral, Promoção de Enfermagem, Promoção de Laboratório e Radiologia. “Apesar dos avanços, ainda há vários desafios a serem vencidos pela ENS, com relação ao seu corpo de funcionários, a infraestrutura e a mobilização de recursos, entre outros”, relatou.

Representando a Guiné Equatorial, presente pela primeira vez na reunião da RETS-CPLP, Manuel Nguema Ntutumu, do Ministério da Saúde e Bem-estar Social (MSBS), mostrou a evolução da formação em saúde em seu país. “Até 1971, apenas Auxiliares de Enfermagem e Agentes Comunitários eram formados internamente. Os demais profissionais tinham que ser formados no exterior. Em 1971, foi criada a Escola Nacional de Saúde e Meio Ambiente, responsável pela formação de enfermeiros. De 1983 a 1997 tem início a formação de Assistentes Técnicos Sanitários (ATS), de nível médio. Atualmente todas as instituições de formação em saúde estão ligadas à Universidade Nacional de Guiné Equatorial, mas a formação no exterior ainda é necessária”, constatou.

A diretora de Recursos Humanos do Ministério da Saúde de Moçambique (Misau), Bernardina de Sousa, explicou que cabe ao Misau, através da Direção Nacional de Formação de Profissionais de Saúde (DNFPS), desenvolver atividades para a melhoria da força de trabalho e da qualidade de formação dos técnicos de saúde. Ela afirmou que Moçambique conta com 11 províncias que abrigam 31 escolas de formação de nível médio técnico no setor privado e 18 no setor público. Nesse contexto, o país oferece 18 cursos de nível médio técnico nas mais variadas áreas, dentre elas, enfermagem, medicina geral e preventiva, instrumentação, estatística sanitária e gestão comunitária. Com o Plano Nacional de Formação 2016-2020, afirmou Bernardina, foram selecionados os cursos que cada instituição poderia formar. “Achamos melhor pensarmos na especialidade de cada instituição, no que elas têm para oferecer de melhor. Se queremos qualidade, precisamos focar nisso. Muitos dos cursos são realizados, mas não têm condições para ser um curso de qualidade”.

Bernardina destacou que em Moçambique o sistema de saúde agrega os níveis primário, secundário, terciário e quaternário, bem como o nível comunitário de saúde que reúne os Agentes Polivalentes Elementares (APE). Segundo ela, cerca de 95% da população tem acesso ao nível primário, que conta com médicos, enfermeiros de saúde materno-infantil, técnicos de medicina e medicina preventiva, dentre outros.“É aí onde temos que criar condições para dar uma atenção de qualidade à população. Em todas as nossas unidades sanitárias, inclusive na zona rural, existe pelo menos um médico”, concluiu.

Ana Almeida, professora da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL) caracterizou os Cuidados de Saúde Primários (CSP) no contexto da política de saúde em Portugal. Segundo ela, no país, os CSP têm uma dimensão de saúde pública por representarem a porta de acesso ao Sistema Nacional de Saúde e por terem também fortes funções de prevenção. “Os CSP são um instrumento essencial de melhoria da saúde da população, e de luta contra as desigualdades em saúde, pela sua abrangência populacional e quase gratuidade. A cobertura populacional aos CSP em 2018 chegou a 100%”, ressaltou.

De acordo com a professora, as equipes dos CSP ficam alocadas em Administrações Regionais de Saúde e Unidades Locais de Saúde, que contam com médico, enfermeiro e técnico superior das áreas de Diagnóstico e Terapêutica. “Nessas equipes, temos cerca de 1.600 técnicos, que são de nível superior, o que no Brasil, chama-se de tecnólogos. Eles exercem atividades relacionadas com ciências biomédicas laboratoriais, imagem médica e da radioterapia, fisiologia clínica e dos biossinais, terapia e reabilitação, saúde oral, farmácia, dentre outros”, definiu.

A experiência do Timor Leste foi apresentada por Ivone de Jesus, do Instituto Nacional de Saúde. Segundo ela, pela lei, todos têm direito à saúde e à assistência médica e sanitária e cabe ao Estado promover a criação de um serviço nacional de saúde universal e na medida das suas possibilidades, gratuita. “O Serviço Nacional de Saúde se propõe a ser de gestão descentralizada e participativa”, apontou. Ivone destacou a Política da Saúde na Família do Timor Leste, que surge formalmente em 2009, como estratégia pública integrada no pacote de Cuidados Primários em Saúde e inspirado na Declaração de Alma Ata. A Saúde da Família conta com serviços integrados de saúde comunitária com visitas domiciliares de natureza regular e integral, centros de saúde comunitários, postos de saúde, postos de atendimento, além de hospitais. “Temos 338 postos de saúde, 72 centros de saúde comunitários e somente seis hospitais. No país contamos com 894 médicos gerais, 1272 enfermeiros, 619 parteiras e 634 técnicos”, enumerou.

Considerado um dos países mais jovens do mundo, tendo sua independência em 2002, Timor Leste enfrenta muitos desafios, como a falta de Recursos Humanos, infraestrutura e material de ensino, além do déficit na formação docente em quantidade e qualidade. “A formação foca majoritariamente nos médicos, enfermeiros e parteiras, que geralmente são financiadas por países parceiros que apoiam os nossos programas de saúde. Mas muitos profissionais são formados fora do país e não temos ainda estabelecido o padrão de equivalência para validação desses currículos”, lamentou.

Eleição e Plano de Trabalho

Ao fazer um balanço dos nove anos de existência da RETS-CPLP, Geandro Pinheiro, membro da equipe de Cooperação Internacional da EPSJV/Fiocruz que coordenou a reunião, destacou o esforço para a construção de propostas de formação, e em especial as orientadas para a docência e as diversas estratégias relacionadas ao plano de comunicação. Entre os desafios, Geandro apontou que a agenda dos técnicos em saúde, a despeito de ser a porção mais significativa entre os trabalhadores dentro dos serviços de saúde, ainda é bastante invisibilizada. “Há avanços, mas ainda muito aquém de quem é o técnico em saúde. Precisamos ter ações concretas para dar visibilidade às políticas e agendas de trabalho que incluem a categoria. Além disso, fortalecer as alianças políticas e a articulação entre os membros da Rede, ampliando a capacidade de empreender projetos conjuntos e ampliar a capacidade de financiamento. Uma rede só se concretiza com a atuação de todos os membros”, ressaltou.

No dia 13, os membros da RETS-CPLP discutiram e aprovaram o plano de trabalho da Rede para os próximos quatro anos e confirmaram a EPSJV/Fiocruz como instituição coordenadora para o mesmo período.

O Plano de Trabalho da RETS-CPLP estabeleceu cerca de dez ações voltadas para o fortalecimento da capacidade de formação de trabalhadores técnicos para os sistemas nacionais de saúde dos países membros, com ênfase na Atenção Primária em Saúde: dsenvolvimento e avaliação de estratégias de formação de docentes para atuação nos sistemas formativos nacionais de técnicos em saúde, através de cooperações técnicas bi e multilateralmente; fortalecimento da comunicação e interatividade da e para a Rede através da incorporação e uso de tecnologias educacionais e de informação e comunicação; promoção de intercâmbio e mobilidade acadêmica na área de formação técnica em saúde, que inclua docentes, discentes e investigadores, como forma de consolidação da Rede.

 

Veja as apresentações

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Em setembro de 1978, a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em Alma-Ata, na República do Cazaquistão, expressava a “necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo”. A Declaração de Alma Ata – documento síntese desse encontro – afirmava a partir de dez pontos que os cuidados primários de saúde precisavam ser desenvolvidos e aplicados em todo o mundo com urgência, particularmente nos países em desenvolvimento. Naquele momento, conforme defesa feita pela própria OMS, a saúde era entendida como “completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade”. Por conta dos 40 anos de Alma Ata, completados neste mês de setembro de 2018, o Portal EPSJV/Fiocruz ouviu o professor do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador da Rede de Pesquisas em Atenção Primária à Saúde (Rede APS) da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Luiz Augusto Facchini, que fez um balanço das quatro décadas do documento que foi um marco para o mundo. Nesta entrevista, Facchini fala ainda sobre a Conferência Global da OMS sobre Atenção Primária em Saúde, marcada para outubro em Astana, no Cazaquistão, quando será apresentada uma nova Declaração sobre Atenção Primária à Saúde, analisando até onde os princípios apresentados pelo documento se aproximam ou se distanciam do texto de 1978.
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