Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Saberes Indígenas e a Luta em Defesa da Amazônia

Evento da Escola Politécnica reuniu lideranças e professores indígenas. Além de uma roda de conversa, teve ainda uma apresentação musical da banda “Ciência e Poesia”
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 03/07/2023 14h08 - Atualizado em 04/07/2023 14h05

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, no dia 29 de junho, o evento “Saberes Indígenas e a Luta em Defesa da Amazônia”. Além de uma roda de conversa com convidados, teve ainda uma apresentação musical da banda “Ciência e Poesia”.

Ao dar início ao evento, Ana Claudia Vasconsellos, professora-pesquisadora da EPSJV, destacou a importância do papel do pesquisador para levar informação científica para povos indígenas que vivem em áreas impactadas pelo garimpo de ouro. “O garimpo traz impactos graves, como a contaminação do ambiente e das próprias pessoas pelo Mercúrio. E, com isso, o papel do pesquisador não pode ser limitado a produzir evidências científicas, mas também levar informação científica para as pessoas, que estão fora da academia, fora dos centros de pesquisa, ainda mais nesses tempos de fake news e de negacionismo da ciência”, afirmou.

Também estiveram presentes na roda de conversa: Maria Cristina Troncarelli, educadora do projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Takaktum Mekragnotire, professor Kaiapó; Daniel Munduruku, escritor e professor; e Maurício Negro, ilustrador e designer.

Em sua fala, Maria Cristina destacou que a escola tem mais sentido quando está relacionada com a vida das pessoas e, nesse contexto, o material didático tem um papel crucial. “É importante estudar não só os conteúdos universais, mas também a história e a geografia da comunidade, como são as práticas e o cotidiano dessa comunidade. E, justamente por isso, considero importante a criação de materiais didáticos para alimentar o trabalho docente das escolas indígenas”, disse, completando: “É essencial que as escolas indígenas tenham autonomia de criar seus livros, com temas que sejam importantes para a vida daquele povo”.

Sobre o garimpo na Amazônia, Maria Cristina disse que o objetivo dos povos indígenas é acabar com a extração de minérios, mas que, enquanto isso não acontece, o trabalho do cuidado em saúde tem sido um diferencial. “A ideia também é pensar estratégias com a comunidade em cuidados, por exemplo, com as gestantes, que não podem comer peixes contaminados por mercúrio. Elas precisam ter outra dieta, porque a criança pode nascer com doenças terríveis. A escola do povo Munduruku ganha esse significado de pensar sobre a sua realidade e em alternativas para transformar essa realidade e cuidar da saúde da sua população”, concluiu.

Takaktum expôs o cenário da educação indígena que, segundo ele, continua precária, sem estrutura definida, materiais didáticos acessíveis e sem recursos financeiros. “Sempre dizem que não tem recursos para construção da escola. Faltam impressoras, data show, materiais didáticos. Não conseguimos andar para frente, não conseguimos ter conhecimentos como vocês brancos”, lamentou.

Em relação à Amazônia, o professor Kaiapó apontou a necessidade de se preservar a floresta em pé. “Só assim vamos preservar a nossa cultura. Por isso que nós, indígenas Kayapó, sempre lutamos em defesa da Amazônia. Quando o governo tentar aprovar algum projeto, nós lutamos para defender. Falamos e continuamos defendendo até o fim”, destacou.

“A gente precisa ter os contextos brasileiros contemplados na educação para que o conhecimento se fixe”, continuou Maurício. Segundo ele, infelizmente, tem-se no Brasil um modelo de educação monoanalítica, igual, para um país diverso. “Isso é completamente improdutivo. A diversidade não é só uma palavra usada pelo marketing das empresas, é efetiva. Temos mais de 270 línguas e mais de 350 etnias indígenas no Brasil. É preciso particularizar para tirar o melhor de cada um”, explicou.

Ainda de acordo com Maurício, um hectare de Floresta Amazônica tem mais árvores, de todas as espécies, do que a Europa. "Que sentido faz, em todos os sentidos, inclusive de educação, reduzirmos tudo isso a extração de garimpo? Nenhum sentido!”, salientou.

Por fim, Daniel destacou que a história que foi contada para o povo brasileiro é a história do colonizador. Ele explicou: “Foram 500 anos e tantos anos de história contada pelo colonizador, sempre a partir do próprio ponto de vista e, portanto, sempre se colocando como uma espécie de super-homem, para devorar tudo aquilo que encontrava a sua frente, mas para isso ele precisava convencer também. E nesse ato de contar história, ele foi contando a história a partir do seu próprio ponto de vista. Criou o seu relato, a sua história, escreveu e foi impondo para as outras pessoas essa sua visão de mundo, que vira uma visão oficial”.

O discurso que, segundo ele, tem alimentado a história do Brasil, faz com que haja um desconhecimento e apagamento das memórias das populações indígenas. “Os povos indígenas têm feito muito esforço para entender o Brasil, mas o Brasil tem feito muito pouco esforço para entender os povos indígenas. Quem perde com isso é o próprio povo brasileiro, que não tem tido a oportunidade de conhecer, de fato, esses outros parentes, que tem dado muito de si para proteger o território que é de todos nós”, finalizou.