O PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), além de garantir a alimentação nas escolas, é estratégico na estruturação de redes de abastecimento da agricultura familiar. É a partir dele que são garantidos que 30% dos recursos repassados aos estados e municípios, aproximadamente R$ 1,2 bilhões anuais, sejam para a aquisição desse tipo de alimentos. Isso, explica a coordenadora do Movimento de Pequenos Agricultores do Piauí, Maria Klein, incentiva a geração de renda, fortalece economias regionais, melhora a qualidade nutricional dos estudantes e a valorização da cultura local.
“E, para nós, o PNAE e o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] eram o que de mais avançado poderia existir para potencializar tanto a produção de alimentos saudáveis pelo campesinato quanto para ver uma geração inteira de brasileiros e brasileiras comendo alimento saudável e, portanto, com mais condição de aprendizado, de desenvolvimento. Só que, no meio do caminho, entre nossos sonhos e esses consumidores que tanto necessitam, tinham milhares e milhares de gestores com a cabeça desvirtuada, cheia de preconceitos em relação à produção de alimentos por parte da agricultura camponesa familiar, indígena e quilombola, cheia de preconceitos com o povo do campo, da floresta e das águas”, lamenta Klein. Segundo ela, mesmo antes da pandemia, muitos gestores de escolas ainda questionavam as secretarias de educação se não podiam comprar os alimentos no supermercado. “Não têm noção absolutamente nenhuma de desenvolvimento humano, de direito humano à alimentação, de nutrição, de economia. Porque quando você coloca [recursos] na mão dos agricultores, você tem um alto nível de dinamização da economia local. É a melhor lei que foi criada no Brasil e a pior execução de uma lei brasileira”, conclui Maria Klein, uma das representantes do MPA que fez parte da mobilização social que culminou na criação do PNAE.
Ela lembra ainda que durante a pandemia a dificuldade de fornecimento de alimentos aumentou significantemente. “Para os agricultores e agricultoras, piorou muito, mas muito mesmo, porque reduziu o número de agricultores fornecendo, tem uma dificuldade para montar esses kits porque a maioria dos gestores não quer colocar, por exemplo, verduras, alimentos perecíveis, só quer colocar alimentos não perecíveis”, conta.
A coordenadora do PNAE, Karen dos Santos, afirma que o monitoramento dos 30% de alimentos adquiridos da agricultura familiar é feito por meio da prestação de contas dos gestores, além da participação dos Conselhos Colaboradores de Alimentação e Nutrição Escolar (Cecanes). “A aproximação dos gestores foi muito maior durante a pandemia, porque tem a facilidade de ser online. A gente até brinca, que num mesmo dia, conseguimos perpassar por todas as regiões, tem reunião de manhã com a região Norte, no final do dia, a gente já está lá no Sul”, comemora.
Um mapeamento feito com 168 grupos produtivos de agricultores familiares e pescadores artesanais que fornecem alimentos ao PNAE em 108 municípios do Nordeste e do semiárido brasileiro mostra, no entanto, uma realidade bem diferente. A pesquisa se chama ‘De olho na alimentação escolar - Como andam as compras da agricultura familiar no semiárido durante a pandemia?’ e foi realizada pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) junto com a Articulação do Semiárido (ASA). De acordo com os resultados, as compras de alimentos da agricultura familiar em 2020 foram reduzidas. “Segundo os relatos, 74 (44%) dos 168 grupos produtivos (cooperativas e grupos informais), que até 2019 vendiam alimentos saudáveis e diversificados ao PNAE, não o fizeram em 2020”, diz o relatório, que também traz o dado comparativo de que em 2019 os cerca de 4,5 mil produtores de alimentos organizados nos grupos estudados tiveram um rendimento de aproximadamente R$ 27 milhões com o PNAE. Até setembro do ano passado, os mesmos coletivos venderam o equivalente a apenas R$ 3,6 milhões, uma queda de 87% em vendas de produtos.