O movimento que denuncia a prática de “doutrinação” na educação brasileira dedica muita atenção também às questões que classifica como ligadas à “moralidade”. Um dos pontos mais polêmicos do anteprojeto de lei criado pela ONG é a defesa de que a escola não pode ensinar conteúdos que estejam em desacordo com as “convicções religiosas ou morais” dos pais. “Se os pais são racistas, a escola deve ser racista?”, questiona o advogado Daniel Sarmento, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e compara: “A homofobia não é diferente do racismo. A diferença é que a sociedade talvez tenha despertado para o caráter hediondo do racismo um pouquinho antes”.
O coordenador do movimento reconhece que a escola tem que lidar com dados científicos, mas defende que esse conhecimento não pode envolver comportamento. Como essa é uma fronteira difícil, o discurso de Nagib – tal como o artigo do seu anteprojeto de lei – não consegue precisar o que seria ou não permitido ao professor. Ele explica que um professor pode falar, por exemplo, sobre masturbação em sala de aula. Mas se afirmar que essa é uma prática normal e saudável, negando que seja pecado, ele pode estar “violando a convicção moral de pais conservadores”, assim como o contrário: se disser que é pecado, pode estar “violando a convicção moral de pais liberais”. Embora em outro momento da entrevista ele defenda que “se estiver amparado em pesquisa científica”, o professor pode tratar do assunto, Nagib, mais uma vez, trata esse conteúdo escolar como “matéria de opinião”: “Não tem certo nem errado sobre essa questão”, repete.
O debate sobre a convicção moral dos pais ganhou espaço também na discussão sobre os planos municipais, estaduais e nacional de educação. Não por acaso, no nível federal, foi o deputado Izalci (PSDB-DF) – que levou o anteprojeto do Escola sem Partido para a Câmara – o autor da emenda que retirou do Plano Nacional de Educação o trecho que ele – assim como Nagib – considerou como “ideologia de gênero”. Em 2012, a Câmara havia aprovado uma redação do PNE que falava em “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Na redação final, por iniciativa de Izalci, esse trecho foi substituído por um texto mais genérico, que tratava da “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. “Ali havia um incentivo e não uma proibição da discriminação”, justifica-se o deputado. Confrontado com os termos da redação, no entanto, ele relativiza: “Às vezes até no texto não estava muito assim, mas como naquele momento da discussão o MEC estava promovendo coisas que eu discordo e muita gente discordou na época, talvez isso tenha interferido na votação, na decisão de fazer um texto diferente. Foi a circunstância daquele momento”, confessa.
A nova briga do movimento tem a ver com a redação do Enem 2015, que também gerou uma polêmica bem ao gosto da defesa da moralidade presente no PL do Escola sem Partido. Abordando o tema da violência contra a mulher, a partir de um texto da escritora Simone de Beauvoir, o exame foi acusado de promover essa mesma “ideologia de gênero”. Isso numa realidade em que, segundo os dados do Mapa da Violência 2015, o número de assassinatos de mulheres no Brasil cresceu 252% de 1980 até 2013. Para Miguel Nagib, o problema não está no tema da redação, mas na obrigatoriedade – prevista no guia do candidato – de que o estudante respeite os direitos humanos. Segundo ele, essa determinação fere a liberdade de expressão dos candidatos que, sob o argumento de respeitar os direitos humanos, são submetidos ao “politicamente correto”. Na prática, o advogado defende que um aluno deveria, por exemplo, ter o direito de argumentar na sua redação que o comportamento da mulher pode ser responsável pela violência que ela sofre. “Existe comportamento de risco. Por exemplo, uma mulher que faça prostituição está se arriscando a ser vítima de violência mais do que uma mulher que fica em casa cuidando da família”, diz, para logo na sequência ponderar: “Eu não quero entrar no mérito”. O também advogado Daniel Sarmento discorda: “Existe um direito fundamental à liberdade de expressão. Por isso, você não vai punir criminalmente uma pessoa que fale uma asneira como essa. Outra coisa é quando o Estado se põe a avaliar o conteúdo daquilo. O Estado não pode dizer que está tudo bem em alguém falar que uma mulher merece apanhar ou ser estuprada porque usa uma saia curta”, diz, defendendo que a Constituição brasileira como um todo coloca para o Estado o “dever de promover os direitos humanos”. “E o melhor mecanismo para isso é a educação”, conclui.
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Fiz alguns vídeos sobre o