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Rede EPCT

Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica completa 15 anos em 2023 e mantêm o desafio de consolidar sua expansão
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 01/11/2023 08h48 - Atualizado em 01/11/2023 14h53

Em 2023, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT) completa 15 anos. Centenárias, algumas dessas instituições existem desde 1909, outras foram sendo criadas ao longo do tempo, mas foi em 2008 que a Lei 11.892 transformou os Centros Federais de Ensino Tecnológico (Cefets) e as Escolas Agrotécnicas em Institutos Federais (IFs), organizando-os em rede e ampliando a sua esfera de atuação. “A criação dos Institutos conferiu maior autonomia para as instituições, para que elas trabalhassem mais fortemente a questão da verticalização da Educação Profissional e Tecnológica, [tornando-as um lugar] onde o estudante poderia entrar e realizar cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), passar por um curso técnico de nível médio, fazer um curso de nível superior e até mesmo ter a possibilidade de uma pós-graduação dentro da mesma área de conhecimento”, diz Flávio Nunes, vice-presidente de Relações Parlamentares do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).

Além de todos esses segmentos e modalidades de ensino citados por Nunes, as instituições que compõem a Rede EPCT oferecem ainda licenciatura para formação de professores que vão atuar tanto na Educação Profissional quanto na Educação Básica. Em 2022, a Rede contava com 1,5 milhão de matrículas. Embora seja reconhecida em grande parte pela oferta de cursos técnicos integrados ao Ensino Médio de qualidade, o maior número de matrículas ficou por conta dos cursos FIC, mais rápidos (559 mil). Logo atrás veio o ensino técnico de nível médio, com 525 mil, das quais 285 mil foram na modalidade integrada. Completam ainda esses dados, divulgados pela plataforma Nilo Peçanha, 347 mil matrículas na graduação, o que inclui bacharelado, tecnólogo e formação de professores. “Esse é um modelo único no mundo porque abrange toda a educação nacional”, ressalta o professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Dante Henrique Moura, destacando o papel dos IFs.

Consolidação ou expansão?

Nas primeiras duas décadas dos anos 2000, o número de escolas técnicas federais passou por forte expansão. Se em 2002 existiam 140 unidades espalhadas pelo país, em 2023 esse total é de 661. De acordo com dados do Conif, os grandes períodos de expansão ocorreram entre 2002 e 2010, quando foram construídas 214 novas unidades, e entre 2011 e 2014, quando outras 205 foram entregues. As novas escolas foram uma  estratégia de capilarização da Rede, fazendo com que os serviços de cada instituição chegassem a um número bem maior de municípios do que aqueles em que suas sedes originais estavam instaladas. Assim, o número de reitorias continua o mesmo desde a criação da Rede em 2008: 38 Institutos Federais, o Colégio Pedro II, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, os Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – Cefet-RJ e de Minas Gerais – Cefet-MG e as escolas técnicas vinculadas às Universidades Federais, que somam 22 unidades. Antes existiam 31 Cefets, 75 unidades descentralizadas de ensino, 39 escolas agrotécnicas, sete escolas técnicas federais e oito escolas vinculadas a universidades, segundo dados informados pela assessoria de imprensa do Conif.

A expansão da Rede e da oferta de Educação Profissional é comemorada como um passo importante, mas, na avaliação dos entrevistados da Poli, ainda é preciso consolidar esse crescimento. “A gente tem conversado com o novo governo e falado da importância de se fazer uma consolidação nesses campi que não tiveram a sua efetiva e completa implementação”, diz Nunes, também reitor do Instituto Federal Sul Rio Grandense (IFSul), criado a partir do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas. Para exemplificar a situação, ele cita a própria instituição da qual é gestor. “No IFSul, há campus com previsão de 70 professores e temos cerca de 20. E a infraestrutura também acompanha esse déficit. Em âmbito nacional, temos campus sem quadra poliesportiva instalada, sem um refeitório”.

Orçamento

Na prática, o esforço para equilibrar as contas dos Institutos Federais já leva alguns anos. De acordo com dados do Conif, em 2017 o orçamento foi equivalente a R$ 2.567,89 por matrícula – em valores atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – e que foi reduzido a R$ 1.532,72 em 2022. A  revisão de orçamento para 2023 é de R$ 2,5 bilhões para toda a Rede, o mesmo estipulado para 2024. “Se tal valor permanecer para o próximo ano, poderá acarretar prejuízos não somente administrativos, mas principalmente prejudicará o estudante. O Conselho entende que, somente com a garantia de um orçamento de R$ 4,1 bilhões, propostos na matriz Conif, será possível iniciar efetivamente o processo de reconstrução da educação pública federal”, afirmou o Conif em nota divulgada em 9 de agosto.

O vice-presidente de relações institucionais do Conif comenta que a matriz orçamentária para distribuição de recursos proposta pelo Conselho não tem sido cumprida e o que tem ocorrido é a repetição dos valores ao longo do tempo. A matriz leva em conta três critérios: total de matrículas, densidade tecnológica do curso e a carga horária. O professor Dante Moura lembra que houve uma mudança nessa matriz com a chegada do Teto de Gastos (Emenda Constitucional nº 95): em vez de considerar a carga total dos cursos, que são variadas, desde 2019 o cálculo deixou de ser feito com base nos Projetos pedagógicos dos Cursos (PCC) elaborados pelas instituições e passou a levar em conta a carga horária mínima dos cursos prevista pelo MEC que, no caso do Ensino Médio integrado varia de 3 mil a 3,2 mil horas. Para o professor, sem deixar de levar em conta a questão orçamentária, a carga horária adequada é aquela definida coletivamente em cada instituição por suas comunidades acadêmicas.

Um problema adicional, segundo Moura, é a possibilidade aberta pela Reforma do Ensino Médio de redução da carga horária na Formação Geral Básica (FGB), que impõe um mínimo de 1,8 mil horas e um máximo de 2,4 mil – o que, antes da Reforma, era a carga horária mínima. Com a permissão de redução, diz Moura, algumas instituições que oferecem cursos com maior número de horas estão amparadas pela legislação, reduzindo a carga horária dos cursos, especialmente na FGB, para se adequar à questão orçamentária. “Essa redução da carga horária tende a precarizar a formação”, defende. Já Flávio Nunes afirma que a readequação feita por alguns cursos não tem relação com o Novo Ensino Médio e que a Rede mantém seu propósito de não adesão à Reforma,  continuando a oferecer um ensino integrado.

Desafios na oferta de vagas

Apesar da preocupação do professor do IFRN quanto ao futuro, os dados atuais trazem otimismo. Entre 2017 e 2022, o número de matrículas no Ensino Médio integrado teve uma pequena ampliação na Rede – de 228 para 285 mil vagas. “Um crescimento de 25%, quase um quarto dentro de cinco anos, é um dado razoável em um período de cortes. Mostra que a Lei está alcançando a sua finalidade”, reflete Moura, em referência à prioridade para a modalidade integrada prevista na  legislação que criou os Institutos. Ele acrescenta que esse crescimento poderia ser maior, diante da evolução das matrículas em cursos FIC na Rede: entre 2017 e 2022, essas formações mais rápidas passaram de 151 mil para 559 mil vagas, sendo a modalidade de ensino a distância (EaD) responsável por 90% das matrículas. Mas Moura pondera: “Ao desagregar, é possível ver que essas matrículas estão concentradas em poucas instituições”. De fato, 409 mil matrículas, o que corresponde a 73% do total, estão concentrados em quatro IFs.

Já em crescimento de 2018 para 2019, quando saltou de 37 mil para 90 mil, a explosão de cursos FIC na modalidade EaD ocorreu em 2020, quando foram registradas 642 mil matrículas. Flávio Nunes explica que o salto se deve a uma “janela de oportunidades” que se deu a partir de editais do Pronatec, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego e, uma vez feito o investimento inicial para a montagem dos cursos, a multiplicação de matrículas tem um custo mais baixo. “Os cursos FIC atendem a uma quantidade enorme de trabalhadores com muito baixa escolaridade no país. O problema é fazê-los descolados da elevação de escolaridade”, avalia Dante Moura.

Jovens e Adultos

A elevação de escolaridade para trabalhadores que não puderam concluir a Educação Básica foi exatamente a proposta do Proeja, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, criado pelo governo federal em 2005 para destinar recursos a essa modalidade de ensino, mas que não obteve muito sucesso: foi a meta (nº 10) com o pior índice de cumprimento no Plano Nacional de Educação (PNE) e também tem patinado na Rede EPCT.

Enquanto a meta nacional é de que 25% das matrículas no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) sejam oferecidas de modo integrado, a Rede deve cumprir 10%, mas está em 2%, com cerca de 17 mil matrículas desde 2017. “Um dos principais dilemas da Rede é o baixo número de matrículas na modalidade do Ensino de Jovens e Adultos e temos nos perguntado com frequência sobre onde estamos falhando nessa oferta”, diz o representante do Conif. E arrisca uma resposta: falta apoio financeiro para essa permanência [do aluno]. Ele explica que não há financiamento específico para a modalidade, que está dentro do contexto da  assistência estudantil das instituições e que não dá conta de atender todas as necessidades que os estudantes possuem.

O professor do IFRN acrescenta que o começo do programa, em 2006, foi feito com um considerável aporte de recursos, mas à medida que os anos foram passando, depois de grande evasão e queda do orçamento, o programa foi minguando. “Para dar um exemplo do IFRN, em 2010, conseguimos ultrapassar os 10%, chegamos a 12%. Hoje, temos menos de 2%, é residual”, conta. Mesmo com diversos desafios a serem enfrentados, Dante Moura vê na expansão da Rede EPCT uma forma de garantia de acesso a direitos. “Quando você chega à periferia das grandes cidades, naquele município mais longínquo, locais onde não há uma economia forte, a presença do Estado para garantir os direitos básicos do cidadão também é rarefeita. O movimento de periferização e interiorização dos Institutos Federais opera em sentido contrário a essa lógica. Ela está levando Educação pública, gratuita, reconhecida como de qualidade, para esses locais que não têm uma grande dinâmica econômica”, resume.

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A primeira grande batalha do governo atual na Educação provavelmente foi responder à insatisfação de vários segmentos sociais com a Reforma do Ensino Médio, herdada de gestões anteriores. Nas ‘caixinhas’ que organizam as funções de ministérios e órgãos governamentais, essa seria uma crise da Educação Básica, mas aqui prevalece a força do adjetivo: afinal, para quem entende que ‘básico’ significa aquilo que fornece a ‘base’ para todo o resto, a Reforma se tornou um problema para todos os outros segmentos formativos e um obstáculo para o papel social que se espera da Educação. É por isso que, reconhecido pelos estudos e militância no campo da Educação Profissional, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Gaudêncio Frigotto se tornou uma das muitas vozes públicas a denunciar o que ele caracteriza como um “abandono” da concepção de Educação que a Constituição de 1988 estabeleceu. Reconhecendo que a correlação de forças no congresso e na sociedade é desfavorável, ele avalia que o governo precisa ser menos dúbio em relação às disputas nesse campo, ter clareza sobre a concepção de Educação que defende e tentar ir além dos “atalhos”.
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