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15 anos de Educação nas páginas da Poli

No mês em que a Poli comemora seu aniversário de 15 anos, a gente oferece um mapa de tudo que foi publicado sobre o campo educacional na revista durante essa década e meio de existência
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 16/10/2023 11h10 - Atualizado em 16/10/2023 16h13

Reforma do Ensino Médio, integração entre Educação Básica e Profissional, relações entre o público e o privado, programas e políticas públicas, financiamento, participação social, educação de jovens e adultos, educação popular, educação indígena, educação especial, educação do campo, cotas, militarização, ensino domiciliar, 100 anos de Paulo Freire... Foram muitas as pautas do campo da Educação que a Poli cobriu, divulgou, acompanhou e debateu ao longo dos seus 15 anos de vida. Nesta edição comemorativa de aniversário, em vez de uma reportagem de capa, você vai ler uma espécie de mapa, que localiza, no contexto histórico e nas páginas da Revista, os principais temas que marcaram o debate educacional nesse período. O uso desse conteúdo é você quem decide: pode servir como guia para encontrar referências sobre os assuntos que marcaram o campo da Educação nessa última década e meia ou simplesmente como registro da memória do jornalismo a serviço do direito à Educação.

Reforma do Ensino Médio: a Poli informou, a Poli avisou...

Quando os resultados negativos da Reforma do Ensino Médio começaram a ser notícia nos grandes jornais brasileiros, no início de 2023, fazia pelo menos sete anos que, nas páginas da Poli, pesquisadores, gestores e representantes de movimentos sociais alertavam que isso iria acontecer. Não eram apostas e falas genéricas: todos os problemas destacados nas manchetes da grande imprensa foram antecipados por especialistas e militantes da educação ao longo de dez reportagens, publicadas em dez edições. Quer um exemplo? Nós temos vários.

No dia 25 de março de 2023, uma reportagem da Folha de S. Paulo informou que “Itinerários do novo ensino médio são impostos e até sorteados aos alunos”. Pois já em 2016, na matéria de capa da Poli que anunciou a Medida Provisória de Michel Temer que instituía a reforma, o pesquisador Paulo Carrano, da Universidade Federal Fluminense, alertava: “Da maneira como está feito, não são os jovens que vão escolher o leque formativo, são os estados que vão oferecer dentro das suas conveniências e capacidades”. Três anos depois, em entrevista à edição 62, o professor 

Carlos Jamil Cury, da PUC-MG, lembrou que “pelo menos 2.500 municípios brasileiros têm apenas uma escola de Ensino Médio”. E questionou: “Como falar em opções se a gente sabe que em boa parte dessas escolas, mesmo das outras três mil e poucas, não há número de professores suficiente? Estas escolas têm infraestrutura física e pedagógica para dar conta daquilo que se espera de um bom Ensino Médio?”.

A julgar pelas páginas da Poli, a resposta é não. Ou melhor, depende: em 2020, quando vencia o prazo que a legislação tinha estabelecido para as primeiras mudanças no Ensino Médio, a reportagem de capa do número 68 da Revista fez um passeio por estados de todas as regiões para mapear como a reforma estava sendo implementada na prática e mostrou a diferença (ou a desigualdade) de condições entre estados como São Paulo e Maranhão, por exemplo. Não por acaso, dialogando com a grande promessa da reforma de promover o “protagonismo” dos estudantes, um dos blocos da reportagem perguntava se haveria escolha de verdade. Para ajudar a responder, o texto primeiro explicava que, “apesar de defender a escolha dos jovens, a legislação não obriga as redes a oferecerem os cinco itinerários”: a única exigência, feita pelas Diretrizes Curriculares, era que, mesmo dividindo por diferentes escolas, cada município precisava ofertar mais de um itinerário. Depois de conversar com responsáveis pela reforma em alguns estados, o texto concluiu: “Na prática, o que os gestores ouvidos pela Poli relatam é que a decisão das redes estaduais não deve ir muito além dos poucos limites postos pela legislação”.

Isso foi na edição de janeiro/fevereiro de 2020. Um mês depois, a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, com todas as consequências sanitárias e sociais já conhecidas – e que protagonizaram as páginas da Poli a partir da edição 70. Por isso, o número 76 da Revista fez um outro mapeamento da situação da reforma nos estados, destacando agora a nova pedra que tinha surgido no caminho das redes estaduais de educação. E a dificuldade orçamentária continuava sendo protagonista do drama. A matéria concluía: “Se tem algo que absolutamente não mudou nesse um ano de intervalo entre a reportagem anterior e esta, foi a preocupação dos gestores com o quanto essas mudanças vão pesar no caixa dos governos. (...) com a pandemia, a queda de arrecadação tributária e os gastos extras impostos aos estados agravou a crise econômica que vinha de muito antes”. E  havia ainda outros problemas, que até hoje não ganharam muito espaço nas páginas dos grandes jornais: em várias reportagens da Poli, gestores e pesquisadores apontaram, por exemplo, a dificuldade que o novo desenho do currículo impõe sobre a mobilidade dos estudantes – se um aluno precisa mudar de escola no meio do Ensino Médio, há grandes chances de não encontrar o mesmo itinerário formativo que cursava na nova instituição. “A ideia de escolha [dos estudantes] não se sustenta”, resumiu a pesquisadora Debora Goulart, em entrevista da edição 81 da Poli, de janeiro/fevereiro de 2022.

Este ano as matérias da grande imprensa mostraram a um número maior de pessoas que a expressão dessas mudanças no currículo se deu, de fato, mais como fragmentação do que como flexibilidade: a Folha de S. Paulo, por exemplo, noticiou, também em março de 2023, que as “Escolas estaduais ofertam ao menos 1.526 disciplinas no novo ensino médio”. Segundo a reportagem, “para estudantes, a ampla oferta de disciplinas com temas tão diversos atrapalha o aprendizado de conteúdos que consideram essenciais”. E o texto completa: “Em algumas escolas, por exemplo, são oferecidas aulas como RPG-conquistadores do mundo, Torne-se um milionário ou de esportes radicais”. Um mês antes, matéria do jornal O Globo também anunciava que “Após reforma do ensino médio, alunos têm aulas de ‘O que rola por aí’, ‘RPG’ e ‘Brigadeiro Caseiro’”. Aos pesquisadores do campo da Educação ouvidos frequentemente pela Poli, nada disso surpreendeu. Na mesma entrevista concedida à edição 81, a pesquisadora Debora Duarte já citava que a rede de São Paulo tinha um itinerário chamado ‘Se liga na mídia’. “Vai ter uma enormidade de cursos que tiram o básico da formação e, no lugar, colocam o estudante, por exemplo, para aprender planilhas de excel”, previu.

Dois anos antes das notícias que descobriram os problemas do Novo Ensino Médio, na mesma matéria de capa de 2020 que percorreu alguns estados para saber como andavam as mudanças, a Poli destacou análise do professor Genylton Rocha, do núcleo de pesquisa sobre educação básica da Universidade Federal do Pará (UFPA), segundo a qual o desenho da reforma promovia, “pela primeira vez”, um “parcelamento do conhecimento” no Ensino Médio, representando uma ruptura com a “concepção de Educação Básica adotada no Brasil a partir da Constituição de 1988”. Na edição 48, Marise Ramos, então professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) também alertou: “A síntese dessa medida é uma formação precária, que vai se tornar realidade, principalmente, para os filhos da classe trabalhadora”.

Vale ainda lembrar que, na verdade, a disputa em torno das concepções de educação que deveriam orientar mudanças no Ensino Médio brasileiro começou muito antes da Medida Provisória que instituiu a reforma em curso. E a cobertura da Poli também. A Revista nem tinha completado um ano de vida quando, em 2009, o Ministério da Educação, então sob responsabilidade do atual ministro da economia, Fernando Haddad, submeteu e viu aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) o projeto ‘Ensino Médio Inovador’, que também ampliava a carga horária desse segmento para 3 mil horas e, embora não tivesse o mesmo desenho de itinerários da reforma atual, reservava 20% desse total a “atividades, projetos e disciplinas eletivas a serem escolhidas pelos estudantes”. Da mesma forma, reorganizava o conteúdo em eixos temáticos, embora, como duas reportagens da Poli (edições 6 e 7) esclareciam, não propusesse a eliminação das disciplinas. “Os meios de comunicação divulgaram equivocadamente o programa, em especial a questão das áreas de conhecimento no Ensino Médio, apontando o fim das disciplinas”, queixou-se, à época, o então diretor de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica do MEC, Carlos Artexes. Por fim, num aspecto sobre o qual a reforma atual não toca, o Ensino Médio Inovador propunha que os professores tivessem dedicação exclusiva e que a leitura fosse “elemento central e básico em todas as disciplinas”. Nas páginas da Poli, especialistas em educação fizeram elogios à concepção que embasava o programa e críticas, por exemplo, ao caráter genérico das propostas, como destacou o professor Celso Ferreti na edição nº 6. Independentemente dessas avaliações, como não se configurou como lei e sim como iniciativa de fomento às escolas que aderissem, o Ensino Médio Inovador não teve continuidade.

Foi todo esse histórico que permitiu que na reportagem de capa da edição 48, que anunciou a Medida Provisória de Michel Temer que instituiria a Reforma do Ensino Médio, em 2016, se afirmasse que “o conteúdo da reforma” não era “propriamente uma surpresa”. Na época, já fazia três anos que tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de lei com o mesmo tema (PL 6840/2013), de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) (....)”. Dez anos e muitas críticas depois, um novo projeto de lei, nº 2601/2023, do deputado João Carlos Bacelar (PV-BA) e apoiado por vários pesquisadores que passaram pelas páginas da Poli ao longo de todo esse tempo, propõe mudanças que representam, na prática, a revogação da reforma, como mostrou, bem recentemente, a edição 89 da Revista. O último capítulo  dessa novela é a proposta de mudança apresentada pelo MEC este ano, após os resultados de uma consulta pública sobre o Novo Ensino Médio. Essas medidas serão ou não implementadas? O que os pesquisadores, profissionais e militantes da Educação pensam sobre elas e seus desdobramentos? Essas são cenas das próximas pautas, que você vai acompanhar nas edições da Poli.

Conferências: participação social e formulação de políticas

Uma notícia saindo do forno anuncia que profissionais, estudantes, militantes e gestores da educação devem se reunir em Brasília entre 28 e 31 de janeiro de 2024 para participar de uma Conferência Nacional de Educação (Conae) extraordinária. O objetivo principal é construir, a partir do debate coletivo, as bases do que deverá ser o próximo Plano Nacional de Educação (PNE), com validade até 2034, já que o atual ‘vence’ no próximo ano. A notícia é nova, mas o assunto é um velho conhecido dos leitores da Poli: afinal, ao longo desses 15 anos de existência, a Revista promoveu debate preparatório e pautou todas as conferências realizadas, além do acompanhamento das disputas e dificuldades de implementação do PNE que está em vigor.

Corria ainda o ano de 2009 quando foi anunciada a Conae 2010, considerada a primeira de um novo ciclo. A promessa era discutir a criação de um Sistema Nacional de Educação (SNE) e formular propostas para um novo PNE. A edição nº 6 da Poli conversou com Dermeval Saviani e Carlos Jamil Cury para explicar e historicizar o tema da Conferência e iniciar o debate sobre o primeiro eixo do encontro, que abordava o papel do Estado. Essa foi a primeira de uma série de seis reportagens e quatro edições em sequência que conversaram com especialistas sobre os seis eixos temáticos da Conae 2010. A ideia era contribuir para subsidiar o debate que antecedia o encontro. O balanço do processo e das expectativas em relação à Conferência foi tema da edição 10, seguida, no número consecutivo, pela cobertura jornalística da Conae, que destacou o quanto o financiamento, a valorização dos profissionais e a questão da inclusão estiveram no centro das discussões do encontro. Uma das decisões mais importantes da Conferência foi que o investimento público em educação no Brasil deveria aumentar de modo a atingir 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 e 10% em 2014. O PNE 2011-2020 foi aprovado, no entanto, com uma redução dessa meta, estabelecendo o teto de 7% do PIB até o final da sua vigência. Já o Sistema Nacional de Educação, que também constava do título e dos objetivos da Conae 2010, embora tenha sido largamente tematizado no relatório final do encontro, ainda não foi estabelecido legalmente. Como a Poli nº 83 informou e debateu, continua em tramitação o Projeto de Lei Complementar (nº 235/2019), sobre o tema.

Quando a 2ª Conae, que se realizaria em 2014, foi convocada, o PNE referente ao período 2011-2020 ainda não tinha sido aprovado no Congresso. Em entrevista à Poli, Daniel Cara, que à época era o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, fez um balanço do PNE que ainda estava em tramitação, apontando os principais pontos de tensão entre as propostas dos movimentos sociais e a pressão das fundações empresariais. Não por acaso, uma das expectativas que ele apontou em relação à segunda Conae era pressionar pela aprovação “de um PNE que a gente diga que é para valer”.

Os números seguintes da Revista precisaram lidar com a movimentação das chamadas ‘Jornadas de Junho’, que sacudiram o país naquele ano de 2013. A edição 29 foi toda modificada para dar conta de debater o ‘Eco das manifestações’ em áreas de como saúde, imprensa, mobilidade urbana e educação – e, nesse caso, o foco foi o debate sobre financiamento, segundo eixo da Conae 2014 e, provavelmente, o que promoveu mais embate e polêmica na Conferência. A partir de entrevistas com os professores Luiz Araújo, da Universidade de Brasília, e José Marcelino Rezende, da Universidade de São Paulo, ambos especialistas no tema, a reportagem mostrou que as principais ‘bandeiras’ da Conae 2014 em relação ao financiamento seriam a garantia dos 10% do PIB para a educação pública e o fim dos incentivos governamentais à educação privada. E os leitores da Poli vão se lembrar que a novidade do momento, intensificada pelas manifestações que tomavam as ruas do país, era a disputa em torno dos recursos do pré-sal para a Educação.

Na edição 30, de setembro/outubro de 2013, a poeira das manifestações sociais ainda não tinha baixado e a capa da Poli destacava o questionamento sobre a realização do Mundial de futebol no Brasil. A arte de capa exibia a imagem de uma bola de ouro em que, entre várias referências polêmicas daquela conjuntura, se lia o cartaz de um manifestante que perguntava: “Tem $ para a Copa mas não tem para a educação?”. Já no interior da Revista, uma matéria discutia a relação entre educação e desenvolvimento, também como subsídio ao debate do segundo eixo da Conae que aconteceria em 2014, enquanto outra reportagem, de uma série especial sobre ‘público e privado na Educação’, lembrava que a deliberação da Conae anterior, de “substituir as instituições privadas sem fins lucrativos pela rede pública direta” na Educação Infantil provavelmente não seria cumprida. Depois de uma breve interrupção na edição 31, que foi comemorativa dos seus cinco anos de existência, a Poli chegou a discutir o eixo temático da 2ª Conae sobre avaliação no número 32, mas foi surpreendida, como todo mundo, pelo adiamento da Conferência pelo MEC. Esse foi o tema da reportagem da edição seguinte, que começava com uma autorreferência: “A Poli estava quase pronta, esperando só a cobertura da 2ª Conferência Nacional de Educação (Conae), que seria a matéria de capa. Mas a Conae não aconteceu. E isso acabou virando notícia”. O MEC alegou excesso de gastos e falta de tempo hábil para uma nova licitação, enquanto, do outro lado, representantes de movimentos sociais acusavam o governo de tentar desmobilizar o encontro. Só um ano depois, na primeira edição de 2015, a cobertura da 2ª Conae, realizada em novembro de 2014, foi publicada nas páginas da Poli. E, destacando indícios de uma má relação entre o Congresso e o controle social, a matéria começou apontando que o clima da Conferência “não era dos mais auspiciosos” – foi no final deste mesmo ano que o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Com o impeachment confirmado, um decreto do governo empossado adiou a 3ª Conae para o segundo semestre de 2018, num período muito próximo das eleições. Além disso, uma portaria, nº 577, alterou a composição do Fórum Nacional de Educação, desagradando entidades e movimentos sociais e tornando-se o estopim para a convocação da 1ª Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), que discutiu, principalmente, a questão do financiamento – afinal, se a falta de recursos é um problema crônico da área de Educação, naquele momento o cenário se agravava com a vigência da Emenda Constitucional 95, que instituiu um teto de gastos para o governo federal. Pressionada e esvaziada pelo calendário eleitoral, segundo avaliação de entidades e movimentos sociais, a 3ª Conae de fato aconteceu em novembro daquele ano, com menos da metade dos participantes da versão anterior, mas a Poli não estava lá. Quatro anos depois, houve uma nova Conape, a edição popular do encontro, e uma 4ª Conae, que aconteceu de forma híbrida, com um número ainda menor de integrantes e grande parte deles participando remotamente, pela internet, em função de cortes definidos pelo governo. No seu número 87, o primeiro de 2023, sob o título ‘A Conae que (não) aconteceu’, a Poli informava que “a legitimidade” daquela edição estava sendo “questionada sob argumentos de que não houve garantia de participação”. “A Conferência de 2022 não é representativa. Não tem condições de ser a conferência que dispara o trabalho de preparação do próximo Plano Nacional de Educação”, defendeu o professor da Universidade Federal do ABC, Fernando Cássio, em entrevista à reportagem. A convocação de uma Conae extraordinária para elaborar as bases da proposta do novo PNE em janeiro de 2024 sugere que ele não estava sozinho nessa avaliação.

Mas tem dinheiro? O eterno problema do financiamento...

O debate sobre o financiamento da Educação atravessou todas as reportagens e entrevistas da Poli sobre as conferências nacionais de educação. Mas o tema esteve presente também em muitas outras edições. Em 2015, quando o governo começava a promover um ajuste fiscal, uma reportagem especial discutiu os impactos dessas medidas no financiamento de diversas áreas, entre elas a Educação. A ameaça do fim das vinculações constitucionais de receita para Saúde e Educação foi destaque também na edição 45, de 2016, que discutia o documento ‘Uma ponte para o futuro’, programa do PMDB para o governo empossado pós-impeachment. Já em 2020, quando o governo do então presidente Jair Bolsonaro submeteu ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional que compunham o chamado ‘Plano Mais Brasil’, que se propunha a ser uma nova reforma do Estado, a Poli também discutiu os impactos da medida sobre a Educação. Na edição 74, reportagem que fazia o balanço do orçamento federal aprovado para 2021 trazia a crítica de especialistas da área, destacando a insuficiência dos recursos.

Tudo isso sem contar o novo Fundeb, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais de Educação, aprovado em 2020, que foi pauta de três grandes reportagens e uma entrevista da Poli, nas edições 66, 75, 77 e 82. Enquanto acompanhava de perto todas as movimentações da tramitação do novo Fundeb no Congresso Nacional, a Poli se deparou (e noticiou) com uma tentativa de incluir o Sistema S e outras instituições privadas como beneficiárias dos recursos do Fundo. A proposta não foi aprovada exatamente daquele jeito, mas não passou despercebida porque, como a então professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Marise Ramos destacou na matéria daquela edição (nº 75), “a transferência de recursos públicos para instituições privadas é uma prática recorrente na história da educação brasileira”. Foi exatamente por isso que, ao longo de quatro edições (27 a 30), a Revista produziu uma série de reportagens sobre a relação entre público e privado na Educação.

O direito de populações vulnerabilizadas

Política de cotas, educação do campo e indígena, educação especial: o debate acadêmico e as iniciativas que visam garantir ou ampliar o direito à Educação de segmentos mais vulnerabilizados da população foram também temas recorrentes da Poli ao longo desses 15 anos. A divulgação de experiências desenvolvidas por movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi o ponto de partida para a matéria de capa da segunda edição da Revista discutir práticas como a pedagogia da alternância e programas que, em 2008, fomentavam a educação do campo. Mais tarde, em 2014, o recorte desse tema para a Educação Profissional foi também reportagem de capa da edição 34. Um pouco antes, em 2010, os dados nacionais sobre esse segmento educacional foram reforçados com a visita, in loco, a quatro municípios do Rio de Janeiro para apresentar e publicar um retrato das escolas rurais no Brasil. E, mesmo antes de tudo isso, a seção de ‘Dicionário’ da edição 23 abordou, como verbete, o conceito de ‘educação do campo’.

A preocupação com “escola para quem precisa” estava tão presente desde a origem da Poli que, depois de destacar a educação do campo na segunda edição – a primeira foi dedicada aos 20 anos da Constituição –, o terceiro número discutiu o desafio de ampliar a presença da população negra na Educação Profissional e no Ensino Superior num tempo em que ainda não existia a lei de cotas, criada só em 2012. Esse tempo já parecia muito distante quando foi produzido o número 84 da Poli, cuja reportagem de capa fez um balanço de dez anos dessa legislação, que precisava ser renovada. E a frase que abre a matéria não poderia ser mais precisa: “A universidade mudou”. Os dados não deixavam dúvidas: citando informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a uma pesquisa de 2019, o texto mostrou que, naquele ano, pela primeira vez, o número de pretos e pardos ultrapassou a quantidade de brancos nas universidades brasileiras (50,3%), embora continuasse abaixo da proporção populacional, já que os negros representavam 56,6% do total de habitantes. E como sempre que possível a Poli destaca o recorte da Educação Profissional, a reportagem também mostrava que a maioria das matrículas da Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT) em 2021 (43%) foram de pretos e pardos, embora, nesse caso, 24,5% não tenham declarado cor ou raça. “Em âmbito federal esta lei foi uma verdadeira revolução do ponto de vista da história do Ensino Superior brasileiro. [Ela mudou] aquilo que já ficou caracterizado como uma espécie de confinamento racial, em que as instituições são públicas, porém quando decompomos a participação dos grupos raciais temos um percentual muito grande e quase isolado de pessoas brancas”, analisou, na reportagem, o pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e então presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Cleber Vieira.

Foi, no entanto, o reconhecimento de que a Educação tem um importante papel na luta antirracista e de que, para isso, ainda há muita estrada pela frente que pautou uma reportagem da edição 88, deste ano de 2023, que discute a não-implementação da Lei 10.639/2003, que determina a inclusão de conteúdos de História e Cultura Afrobrasileira no currículo escolar brasileiro.

Também antes da lei de cotas, que contemplou iniciativas de inclusão para esse segmento da população, a educação indígena foi tema de capa da edição 18. As necessidades e as políticas existentes para a população carcerária foram discutidas ainda na revista nº 4. Os desafios para se garantir o direito à Educação Básica e Profissional a pessoas com deficiência foi tema da Poli nº 12, enquanto na edição 67, de 2019, uma reportagem mapeou as estratégias desenvolvidas no âmbito da Rede EPCT para apoiar a formação profissional dos estudantes com necessidades especiais.

Conjuntura política e novos desafios para a Educação

A todos os temas ‘clássicos’ que marcam as lutas dos movimentos sociais .e as políticas públicas no campo da educação que a Poli acompanhou na última década e meia, somaram-se, nos últimos anos, outros desafios muito concretos. Corria o ano de 2016 quando, na edição 44, a revista se viu obrigada a, pela primeira vez, promover o debate sobre se a escola faz ou não “doutrinação”. É que crescia, naquele momento, um movimento chamado ‘Escola sem Partido’, que acusava professores de usarem seu lugar de autoridade em sala de aula para fazer propaganda política de esquerda e se materializou em projetos de lei que tramitavam em várias casas legislativas. A pauta foi repetida em entrevista da edição 52 com o professor Fernando Penna, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que se tornou referência no enfrentamento a esse movimento. Pouco mais tarde, outra reportagem mapeou os vínculos do Escola sem Partido no parlamento e na sociedade, com foco em segmentos religiosos. Nesse meio tempo, o movimento sofreu derrotas sucessivas, com a declaração do Supremo Tribunal Federal de que os projetos de lei aprovados eram inconstitucionais. Mesmo assim, parecia que as pautas conservadoras não paravam de avançar no campo da Educação – por isso, esse foi o tema de uma reportagem da Revista 84, de julho/agosto de 2022.

Entre essas pautas conservadoras, destacam-se a militarização – com o investimento público, principalmente federal, nas escolas cívico-militares – e o homeschooling, que advogava o direito ao ensino domiciliar. O primeiro foi tema das edições 49 e 64 da Poli, enquanto o segundo foi debatido na edição 62 e numa entrevista com Romualdo Portela, professor da USP, no número 78.

Depois de tudo... o vírus

E como problema pouco é bobagem, ainda teve a pandemia. Durante mais de dez edições, quase sem interrupção, a Poli abordou uma variedade de dificuldades extras que as redes educacionais estavam enfrentando em meio à crise sanitária. No primeiro número da Revista já inteiramente dedicado à pandemia de Covid-19, de maio/junho de 2020, a reportagem ouviu secretários estaduais e municipais de educação de diferentes partes do país sobre os obstáculos e as estratégias que estavam sendo adotadas. Além disso, deu voz à preocupação de pesquisadores sobre a garantia de acesso igualitário às atividades à distância que começavam a ser implementadas. O objetivo era ajudar a responder à pergunta que se expressava no título da matéria: “Como garantir o direito à educação em meio à pandemia?”.

A reportagem de capa da edição seguinte tentou antecipar medidas que especialistas consideravam essenciais para o momento após fim do isolamento social, envolvendo as áreas de Saúde, Trabalho e, claro, Educação. No mesmo número da Revista, no entanto, outra matéria já dava visibilidade ao alerta de alguns pesquisadores sobre o quanto a crise sanitária poderia se tornar, ao mesmo tempo, uma “janela de oportunidades” para fundações empresariais e entidades a elas ligadas que, àquela altura, participavam ativamente do debate sobre as estratégias de aula remota e retorno presencial. O risco apontado era de um processo de “privatização por dentro” das redes públicas de ensino. “Com duas, três semanas de pandemia, várias organizações empresariais da educação já estavam mandando questionários para os professores, fazendo pesquisa online para coletar dados e demanda”, comentou Marina Avelar, pesquisadora associada da Graduate Institute of International and Development Studies, da Suíça, na matéria. Depois seguiram-se várias reportagens com o debate sobre se era hora de voltar às aulas presenciais, o que era preciso para um retorno seguro e questões mais específicas, como a situação da garantia da merenda escolar nas redes durante a pandemia.

Mas nesse período foi possível – e necessário – também abordar temas mais transversais da Educação, que se tornaram centrais durante a pandemia. Numa reportagem da edição 76, já mencionada, a Poli ouviu secretários estaduais para entender como andava a implementação da Reforma do Ensino Médio. No número 74, a partir da experiência da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e dos Institutos Federais, discutiu as particularidades do ensino remoto para a formação profissional, com o desafio de aulas práticas e estágio curricular. A Revista jogou novamente foco sobre a Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT) numa matéria que destacava o papel dos IFs na inovação e produção de insumos e equipamentos que contribuíam com o combate à pandemia nos seus territórios, desde a produção de álcool gel até escudos faciais. Por fim, reforçando a interrelação entre os campos da Educação e da Saúde, que justificam a existência da Revista, a Poli nº 77 produziu uma pauta que provocava pesquisadores, educadores e trabalhadores que estavam à frente do combate à pandemia nos serviços a refletirem sobre a importância de uma formação profissional de  base científica, não instrumental, para a capacidade dos trabalhadores de atuarem de forma mais segura e eficaz em meio a momentos de crise como aquela que o mundo estava vivendo. Era como se o conceito e a ‘bandeira’ da Politecnia, que estão no centro do projeto político-pedagógico da EPSJV/Fiocruz e do projeto político-editorial da Revista Poli, se mostrassem de forma concreta, talvez como nunca antes.

Educação Profissional: a razão de ser da Poli

Não foi por acaso que o primeiro conceito discutido jornalisticamente na seção de ‘Dicionário’ da Poli, naquela remota primeira edição de setembro/outubro de 2008, foi exatamente Politecnia. E, ao longo desses 15 anos de existência, foram muitas as reportagens que pautaram expressões concretas desse conceito, seja discutindo o currículo integrado e a não separação entre trabalho manual e intelectual que fundamenta o princípio da integração entre formação geral e profissional, seja dando visibilidade à experiência dos Institutos Federais e da própria Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), ou informando e debatendo com um olhar crítico as políticas públicas voltadas para a Educação Profissional.

O debate sobre o Ensino Médio integrado à Educação Profissional foi, por exemplo, capa da edição nº 15, com um balanço das conquistas e das reivindicações dos profissionais, militantes e pesquisadores que defendem essa ‘bandeira’ como princípio. Era o início de 2011,  tinham acabado de acontecer as eleições presidenciais que elegeram Dilma Rousseff e a Educação Profissional tinha ganhado destaque no programa de vários candidatos. Afinal, a eleição acontecia depois de um período em que, entre as prioridades do governo anterior, esteve a ampliação dos Institutos Federais e a criação da Rede de Educação Profissional e Tecnológica, que, como rede, completa 15 anos em 2023.

A abordagem mais forte da Educação Profissional na Revista ao longo desses 15 anos, no entanto, foi sobre as políticas públicas. Ainda na edição nº 3, em 2009, a Poli explicou o programa Brasil Profissionalizado, que fomentava a Educação Profissional nas redes estaduais com apoio do governo federal. O debate sobre as Diretrizes Curriculares da Educação Profissional (tanto em 2011 quanto em 2021) e a formulação e revisão do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (em 2007 e 2020) são dois outros exemplos do que a Poli acompanhou de perto nesse período. Mais recentemente, a Revista pautou algumas vezes um recorte crítico sobre a situação da Educação Profissional diante da Reforma do Ensino Médio iniciada em 2016. Além disso, divulgou e debateu iniciativas diversas que atravessaram todos esses anos, como o programa ‘MedioTec’, em 2017 (Revista nº 51) e o ‘Novos Caminhos’, de 2019, que foi abordado por meio de uma entrevista com o professor Dante Moura, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, na edição 67.

Mas um olhar retrospectivo sobre os 15 ano da Poli mostra que o grande protagonista no debate sobre políticas públicas de educação foi o Pronatec, o Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego. Desde seu lançamento, em 2011 (edição 17), ele foi divulgado, discutido e atualizado, além de ter sido citado como exemplo das contradições nas relações entre público e privado – por exemplo, no número 28 da Revista, que mostra como essa iniciativa se tornou um “carro-chefe” dessas parcerias na Educação Profissional. É seguro dizer que nenhuma atualização desse programa, que deu tanto destaque à Educação Profissional no Brasil recente, passou despercebido pela Poli: a edição 32 noticiou a modalidade que oferecia cursos de Formação Inicial e Continuada em parceria com 12 ministérios; três números depois, a Revista informou e discutiu a mudança que permitia que instituições privadas de ensino superior oferecessem cursos técnicos com recursos do Pronatec e a edição 40 voltou ao assunto num momento em que se denunciava o atraso do repasse de recursos do governo para essas instituições. Já em 2022, as páginas da Poli noticiaram duas portarias (359 e 314), entendidas por especialistas ouvidos pela Revista como um endosso e reforço à tendência de se oferecer o itinerário de formação profissional do Novo Ensino Médio como uma sequência de cursos de Formação Inicial e Continuada e não como cursos técnicos.

A história da Educação Profissional no Brasil foi tema de uma matéria da terceira edição da Revista, ainda em 2009, mas ganhou destaque mais de uma década mais tarde, quando o número 68 da Poli, de 2020, começou a publicar uma série de reportagens que narraram uma trajetória cronológica desse segmento, que vai desde a publicação do decreto 7.566, de Nilo Peçanha, em 1909, até os tempos atuais, passando pelo período de industrialização e pela ditadura empresarial-militar. Esse esforço culminou numa edição especial, nº 72, comemorativa dos 35 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Introduzindo essa sequência histórica, a edição tenta explicar o que é o campo da Educação Profissional, caracterizada como “onde o Trabalho e a Educação se encontram”, a partir de exemplos de situações cotidianas.

Para completar, a Revista traz ainda em destaque um perfil de Joaquim Venâncio, um trabalhador negro que, sem educação formal, desempenhou funções técnicas tão importantes como ajudante do cientista Adolpho Lutz que chegou a ser citado por ele em trabalhos como seu “colaborador direto”. Um pouco antes, na edição 59, de 2018, a Revista sistematizou ainda um balanço das prioridades e dos investimentos historicamente feitos no campo da Educação Profissional em Saúde.

Educação, Democracia e Política com 'P' maiúsculo

Se você leu a primeira edição da .Poli deste ano de 2023, vai lembrar que a reportagem de capa perguntava o que se deveria esperar do novo governo eleito no final de 2022. Abordando também os temas relativos à Saúde e Trabalho, a matéria partiu dos resultados do Grupo de Trabalho (GT) da transição de governo para fazer um balanço da gestão anterior e apontar as prioridades para a área de Educação ao longo dos quatro anos. Não foi novidade: nas eleições municipais de 2016, por exemplo, a Revista pautou os desafios das novas gestões para as áreas de Saúde e Educação. O fato é que o mapeamento das concepções e propostas de políticas educacionais dos candidatos e governos é uma preocupação da Poli desde a origem: de quando a Revista nasceu, em 2008, para cá, o Brasil viveu quatro eleições presidenciais, em 2010, 2014, 2018 e 2022. Todas elas mereceram edições especiais, em que, com rígidas regras de transparência, os candidatos foram convidados a apresentar suas prioridades sobre os três campos principais de interesse da Revista, entre eles a Educação. E aqui vale um destaque: mesmo que sempre tenha havido quem optasse por não falar, a decisão política e editorial foi abrir espaço para TODOS os candidatos, independentemente da expressão do partido ou do percentual de intenção de votos.

E essa é apenas uma dos muitos exemplos do compromisso que a Poli assumiu 15 anos atrás, no editorial do seu primeiro, quando defendeu a comunicação e o jornalismo como caminho não apenas para “‘informar’ a sociedade sobre o que se passa em determinado campo mas também [para] propiciar espaços de debate e construção coletiva e democrática”, buscando, também como dizia o texto, “facilitar o debate público”, inclusive quando “os espaços públicos de construção da democracia se retraem”.

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