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Sesai

Em destaque diante da emergência yanomami, a Sesai foi criada em 2010 como parte da estrutura do Ministério da Saúde, com a responsabilidade de executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e gerir o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no SUS, o Sistema Único de Saúde. Foi também a partir do trabalho da secretaria que se realizou o diagnóstico da calamidade yanomami nos primeiros dias do novo governo, em 2023.
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 17/01/2024 15h31 - Atualizado em 18/01/2024 15h43

Janeiro de 2024 marca um ano do início das ações de emergência sanitária na terra indígena Yanomami, localizada entre os estados do Amazonas e Roraima. Foi essa ‘força-tarefa’, com a participação de vários ministérios, que permitiu a retomada da assistência à saúde na região, com a realização de licitação para o reabastecimento do estoque de medicamentos, a retirada de parte dos garimpeiros do território e a contratação de profissionais para o atendimento à população. Mas a melhoria da saúde dos yanomamis dependerá da continuidade das ações. “Essa emergência sanitária foi resultado de um cenário de verdadeiro abandono do território indígena na área da proteção e da vigilância da segurança pública”, diz Weibe Tapeba, que está à frente da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), criada em 2010 como parte da estrutura do Ministério da Saúde, com a responsabilidade de executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e gerir o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no SUS, o Sistema Único de Saúde. Foi também a partir do trabalho da Sesai que se realizou o diagnóstico da calamidade yanomami nos primeiros dias do novo governo, em 2023.

Trajetória da Saúde indígena
A demanda pela criação de um subsistema de saúde indígena ganhou corpo com o movimento da Reforma Sanitária, entre as décadas de 1970 e 1980, que levou à criação do SUS. Até então sob responsabilidade da Funai, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, as atribuições do cuidado com a saúde dessas populações começaram a ser divididas com a Funasa, a Fundação Nacional de Saúde no começo da década de 1990. Em 1999, foi aprovada a Lei 9.836, também conhecida como Lei Arouca, que instituiu formalmente o Subsistema de Saúde Indígena com financiamento direto da União e designou o Ministério da Saúde como responsável pela coordenação das ações, o que significou, naquela época, vincular o Subsistema à Funasa. “A execução da Funasa apresentou muitos problemas e os povos indígenas começaram uma nova articulação para mudar o modelo de gestão. A 4ª Conferência de Saúde Indígena, realizada em 2006, debate especialmente isso. Essas discussões se desdobram até se criar, em 2009, um novo grupo de trabalho para articular a criação da Sesai, o que ocorreu em 2010”, conta a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) Ana Lúcia Pontes. Mas foi em 2023 que, pela primeira vez, essa estrutura do Ministério foi ocupada por um secretário indígena, alimentando a expectativa de que venha um novo ciclo de mudanças.

Atribuições
A organização da saúde indígena é feita de forma descentralizada a partir de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS), responsáveis tanto pela gestão dos determinantes ambientais quanto da atenção primária, e que estão subordinados à Sesai. Essa forma de organização também foi instituída pela Lei Arouca, de 1999. Atendendo a uma demanda dos povos indígenas apresentada desde as discussões sobre a forma de organização do SUS, a criação dos DSEIS parte do reconhecimento de que a ‘geografia’ dos povos indígenas segue uma lógica distinta das fronteiras de estados e municípios. Já a formalização das orientações para a delimitação dos distritos está na Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASPI), aprovada em 2002. Entre os critérios estão a existência de relações sociais entre os diferentes povos indígenas do território e a sociedade regional; distribuição demográfica tradicional dos povos indígenas, perfil epidemiológico e disponibilidade de serviços, recursos humanos e infraestrutura.

Atualmente a Sesai se divide em dois departamentos: o de Determinantes Ambientais de Saúde Indígena e o de Atenção Primária. O primeiro tem sob sua alçada a construção da rede de saneamento básico e edificações em território indígena. Isso inclui a garantia de acesso à água potável para as comunidades que não têm acesso em sua própria terra indígena, planejamento e realização de ações para preservação de nascentes, saneamento, destinação do lixo, esgoto, bem como planejamento e ações de educação sobre esses temas. Mas, segundo avaliações dos entrevistados desta reportagem, essas ações têm avançado muito pouco. “Dentro dos distritos você também vai ter o setor de saneamento e a situação se repete: não há aporte de recursos suficientes e ainda há muita dificuldade logística.  Por exemplo, a chegada ao território yanomami é feita de forma aérea em 98% dos casos. Então, não é possível montar facilmente uma estrutura ou fazer uma perfuração de poço”, avalia a pesquisadora da Ensp/Fiocruz. O secretário da Sesai concorda que é preciso repensar o departamento de determinantes ambientais e informa que está em curso a elaboração de um novo planejamento para a área de saneamento, em conjunto com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). “Nós fizemos um grupo de trabalho para elaborar um programa nacional de saneamento em terras indígenas para criar uma nova política de financiamento para essa área”, diz.

O outro departamento está relacionado à atenção primária das populações indígenas, desenvolvida nos territórios. Cada aldeia possui um posto de saúde e um determinado conjunto de aldeias é assistido por um polo base. Os atendimentos de média e alta complexidade são realizados fora do território indígena e para esse deslocamento há o suporte das Casas de Apoio à Saúde Indígena, as Casais, responsáveis pela hospedagem daqueles que necessitam sair das aldeias para realizar procedimentos não ofertados pela atenção básica. “O que a gente vê é uma baixa articulação e coordenação entre a Sesai e as secretarias municipais, estaduais e os serviços de saúde, que estão muito pouco preparados para atender uma pessoa indígena, porque pode implicar atender alguém que não fale português ou que demande a presença da família ou fazer algum ritual”, exemplifica Pontes. Essa melhor articulação é um dos pontos prioritários da atual gestão da Sesai, de acordo com o secretário. Ele explica que a proposta é implantar laboratórios nos territórios indígenas para a realização de exames clínicos básicos e ampliar a rede de atenção com a utilização da telessaúde para evitar o deslocamento. A segunda medida implica levar acesso à internet para muitos territórios, a exemplo do que já ocorreu em algumas áreas demarcadas, como no território yanomami após a emergência sanitária com a instalação de antenas para recepção do sinal via satélite.

Além de ampliar o atendimento no próprio território indígena, Tapeba quer aumentar a utilização de uma fonte de recursos antiga, mas com baixa adesão. Trata-se do IAE-PI, o Incentivo para a Atenção Especializada aos Povos Indígenas, recursos que são repassados a partir dos blocos de financiamento da Atenção Básica e da Alta e Média Complexidade, dentro do modelo fundo a fundo – da União para Estados e municípios. Mas o acesso depende do credenciamento das redes de saúde. Ele conta que uma das grandes dificuldades é o desconhecimento por parte dos gestores da existência do IAE-PI, que pode ser requerido para hospitais, policlínicas, maternidades ou centros de atenção psicossocial. Para atrair um número maior de redes conveniadas, a secretaria solicitou apoio ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e ao Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) para mobilizar seus gestores a verificarem se já realizaram o credenciamento.

Necessidade de mudanças
Apesar de ter chamado atenção do Brasil e do mundo pelo tamanho da tragédia, a necessidade de readequar a assistência às populações indígenas não se limita aos yanomamis. Por isso, para este ano de 2024, o secretário pretende remodelar a Sesai a partir da Resolução apresentada na 76ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em maio de 2023, na Suíça. Formulada pelo Brasil, a resolução aprovada no encontro não tem força de lei, mas sugere que, entre outras medidas, os países desenvolvam e se aprofundem no contexto de saúde sobre os povos indígenas, identifiquem lacunas no acesso e cobertura por saúde física e mental e incorporem uma abordagem intercultural. “Considero que nós temos um cenário de vazios assistenciais em diversos territórios indígenas do Brasil. E, por isso, nós estamos fazendo um diagnóstico para começarmos a implementar um plano de superação dessas desigualdades nos territórios a partir da estruturação de unidades de saúde, de saneamento e de ampliação da nossa capacidade de assistência, por meio da contratação de mais profissionais para atuar no nosso território a partir de 2024”, diz Weibe Tapeba.

Em relatório de 2019, a Controladoria Geral da União (CGU) identificou que faltava à Sesai elaborar diretrizes de atuação para o DSEIS e acompanhar as orientações realizadas. O secretário concorda e informa que tem atuado para melhorias nesse sentido, como um maior controle no vencimento de contratos. “A preocupação não é apenas ter maior controle sobre a destinação de recursos, mas também garantir a continuidade dos serviços e não abrir precedente para desassistência. E isso, infelizmente, tem sido frequente”, relata.

A maior parte da contratação de profissionais de saúde para atendimento à população indígena é feita por meio de contratos de terceirização com Organizações Sociais (OS), um modelo que, entre outras questões, gera alta rotatividade de profissionais. O secretário, no entanto, ressalta que a realização de concurso público nessa área também não é garantia de continuidade das ações em territórios indígenas. “Existe uma avaliação do movimento indígena de que, infelizmente, nos moldes atuais, o concurso público com cargos efetivos não dá conta de atender à saúde dos povos indígenas porque após o período [de estágio] probatório de três anos, os aprovados acabam pedindo transferência e não ficam na saúde indígena”, diz e acrescenta que há uma proposta em discussão na Secretaria para a realização de um concurso com regras especiais para a atuação em terras indígenas. De acordo com o secretário, há 20 mil trabalhadores da saúde atuando na ponta da assistência para populações indígenas, sendo seis mil agentes indígenas de saúde e de saneamento (AIS e Aisan) nesses territórios.

Tapeba também vê necessidade de aumentar o número de DSEIS para melhor atender às demandas da população indígena. “Esse é um modelo que já não dá conta da realidade, porque nós temos alguns territórios gigantes com uma limitação de infraestrutura e dessa relação com estados e municípios”, diz. Como exemplo, ele cita o estado do Mato Grosso do Sul que tem apenas um distrito para cuidar de uma população de 80 mil indígenas. E, nesse caso, defende, seria preciso criar mais um distrito, para que o atendimento fosse distribuído entre o povo Terena e o povo Guarani. A Sesai prepara uma proposta para a criação de novos distritos sanitários, que de acordo com Tapeba, será finalizada em 2024, com respaldo das consultas às populações envolvidas.

Leia mais

Nesta entrevista, o atual secretário da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS), Weibe Tapeba, fala do papel da Sesai no enfrentamento da emergência e traça um diagnóstico das principais demandas que devem ser atendidas pela Secretaria em curto e médio prazo.
Relatório produzido por organização indígena denuncia a violência e os impactos ambientais produzidos por garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami
Um retrato do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena criado pela Lei Arouca em 1999