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Entrevista: 
Maria Margarida Machado

‘A gente tem uma experiência muito restrita de oferta da EJA integrada a educação profissional no país’

O Ministério da Educação (MEC), lançou em dezembro de 2021 o Programa da Educação de Jovens e Adultos Integrada à Educação Profissional (EJA Integrada - EPT). De acordo com nota do Ministério, o programa tem como finalidade contribuir para alcançar a Meta 10 do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece que no mínimo de 25% das matrículas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas etapas do ensino fundamental e médio sejam integradas à Educação Profissional, de acordo com os termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Meta proposta para 2024, mas dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apresentados na edição nº 80 da revista Poli, mostram que esse índice era de 1,8% em 2019. Nesta entrevista, concedida para a reportagem da Poli, algumas semanas antes do lançamento do programa, a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Maria Margarida Machado fala sobre a importância da integração da Educação de Jovens e Adultos com a educação profissional e aborda as dificuldades para sua implementação até aqui. Ela ainda faz um balanço do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja), principal iniciativa do governo federal no sentido da integração curricular nessa modalidade, e analisa os impactos da reforma do ensino médio sobre a Educação de Jovens e Adultos.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 13/01/2022 13h46 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

É pauta dos movimentos e pesquisadores mais progressistas do campo da educação que a EJA seja oferecida principalmente junto com a educação profissional? Se sim, por quê? Se não, qual é a pauta?

A gente tem que entender primeiro que a Educação de Jovens e Adultos hoje, como ela é tratada no Brasil, como modalidade da educação básica, ela atende também adolescentes, porque a matrícula começa com 15 anos. E muitas pessoas com 70, 80 anos ainda buscam em alguma medida dar continuidade aos seus estudos. Então é muito importante entender que o público da EJA é diverso. E para a maioria desses públicos, o currículo integrado à educação profissional sem sombra de dúvidas seria muito importante. Não porque ele pode garantir a perspectiva de acesso ao mercado de trabalho. A questão é que o currículo integrado entra no universo muito peculiar deste público, dos sujeitos da EJA, que são trabalhadores. E aí quanto mais próximo o currículo articula os conhecimentos gerais, da base da formação do sujeito, seja das humanidades, das ciências da natureza, linguagens, a matemática, com uma abordagem que conecte com o mundo de trabalho, melhor. A gente não está falando de treinamento. A gente está falando de formação integral humana. E um eixo estruturante da formação integral humana de trabalhadores é exatamente colocar em questão o teu lugar de produzir a sua existência. Por isso o currículo integrado é tão defendido, embora ele seja pouco praticado. A gente tem uma experiência muito restrita de oferta da EJA integrada a educação profissional no país.

Acho que essa é uma é uma luta histórica, mas ela tem a ver também com a gente tentar distinguir o que nós estamos falando. Porque há um segmento na sociedade que entende que para população que está em defasagem de escolaridade o que tem que ser dado é um treinamento ali gerado a servir aos interesses do mercado. E a gente sabe que isso não é verdade, até porque nós temos na base da formação hoje do trabalho, do emprego, uma exigência muito maior de formação, não só escolar, mas também formação profissional de nível técnico, tecnológico, superior, e não se trata disso. Quando a gente trata da Educação de Jovens e Adultos nós estamos falando do direito da educação básica. E é claro que essa educação básica ela podendo ser ofertada num currículo integrado, ela vai enriquecer muito mais a possibilidade desse sujeito, inclusive motiva mais ainda para que ele consiga compreender os sentidos que são produzidos dos conhecimentos trabalhados por estes currículos.

Inclusive contribui bem o princípio da integração, inclusive para a própria formação básica. Contribui para uma formação profissional e para a própria educação básica, considerando esse segmento já adulto, certo?

Exatamente, isso que nós estamos falando é da educação básica. Nós ainda temos cerca de 70 milhões de pessoas no Brasil que já são jovens, adultos, que não concluíram a educação básica. Então quando a gente fala de EJA numa realidade como a nossa, como a latino-americana, a de países africanos, estamos lidando com o direito básico que não foi garantido. Nós temos uma defasagem etária tão grande que e se for fazer recorte etário, nós vamos dizer que a gente não vai atender esse público nunca. Então a gente tem que ir a Constituição Federal e ler que direito a educação básica é de todos. Foi uma vitória da emenda constitucional 59, de 2009, que amplia a obrigatoriedade da educação. Antes dela a obrigatoriedade era o ensino fundamental. Essa emenda faz com que se amplie a idade de quatro a 17 anos como obrigatória. E na sequência, ela diz que é um direito também a todos aqueles que não puderam concluir a educação básica dentro dessa faixa etária, e aí entra toda a população que é ou deveria ser atendida pela Educação de Jovens e Adultos. Eu digo deveria porque a gente não tem hoje uma cobertura nacional.  Nem 5% da população que precisaria ser atendida pela educação básica está matriculada na estratégia de Educação de Jovens e Adultos. A gente vem tendo uma queda absurda na matrícula da EJA. Já chegamos a ter quase 5 milhões de matrículas da EJA. Hoje são menos de três milhões de matrículas, somadas todas as alternativas de oferta. E isso é realmente um grande desafio.

A legislação prevê a educação profissional de nível médio nas formas integrada, concomitante e subsequente à educação básica. Essa divisão também vale para a EJA?

O que ocorre é que a oferta da Educação dos Jovens e Adultos, principalmente aquela correspondente a dos últimos anos do fundamental, e aquela correspondente ao ensino médio, ela pode ser ofertada integrada a educação profissional. O que aconteceu com a experiência da EJA é que essa integração principalmente a partir da experiência chamada Proeja [Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos], ela começa a  convidar estados e municípios a ultrapassar o currículo de formação geral, acrescentar além da formação básica geral os componentes que integrariam essa formação a uma formação profissionalizante. Ela é profissionalizante, mas ela tem os mesmos níveis que a gente conhece por exemplo na rede, porque ela pode ser de capacitação, ela pode ser de nível técnico. Para isso vai depender de como é que ela está conjugada na educação básica. Por exemplo, dentro do fundamental não é possível você ofertar a EJA integrada a educação profissional de nível técnico. Mas você pode ofertar nos últimos anos da EJA no fundamental, com qualificação profissional. O problema da gestão encarar essa possibilidade hoje é que isso envolve um empenho interinstitucional, porque o município ele não faria uma oferta como essa. Ele não tem dentro da sua carreira, entre os profissionais da educação, aqueles que poderiam cumprir com uma pauta de integração dos conhecimentos da área profissional. Por isso demanda parceria com o Instituto Federal. É claro que outras vezes optam por parcerias no âmbito privado. A gente acredita que o melhor é fortalecer a rede pública de educação profissional nessas parcerias. Porque querendo ou não, quando eu estou formando um adulto, um jovem no fundamental, o comprometimento é de que ele também possa ser estimulado a continuar sua formação no nível médio técnico. Isso, portanto seria mobilização da demanda para ir para o Instituto Federal e dar continuidade aos cursos de EJA integrada a educação profissional depois no nível médio.

Até onde apurei e acompanhei, o Proeja foi a principal iniciativa governamental nesse sentido. Houve outras anteriores? Qual a sua avaliação sobre o Proeja?

O Proeja é uma ação de resposta do governo federal a uma cobrança feita pelos órgãos de controle sobre um retorno social que a Rede Federal não apresentava, não dava em termos de matrícula. Se você pegar o que foi feito em termos de acompanhamento do TCU, há um acordo que é assinado pelo governo federal para poder responder a um questionamento sobre o número de vagas ofertada para população vulnerável.  O Ministério da Educação tem que responder a isso, tem que melhorar a capacidade dele de atender a população de trabalhadores, dado que o perfil e a missão da Rede tem a ver com a formação de trabalhadores.  Nesse momento está acontecendo um movimento importante que é a articulação do campo da Educação de Jovens e Adultos, a criação da Secadi, que é a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Ela vai, em conjunto com a Setec, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, responder a essas exigências que vêm dos órgãos de controle, mas também da sociedade que pressionava  para ter um espaço e uma ampliação da oferta da EJA integrada à educação profissional. O Proeja surge nesses dois movimentos.  Nós tínhamos sim outras iniciativas: escola de fábrica,  Saberes da Terra, que era uma tentativa que fazia a atuação da formação profissional com os trabalhadores do campo; você tinha uma iniciativa também  bastante controversa, que teve uma extensão de atendimento  também  no período do governo Lula que é o ProJovem, uma pauta voltada para o fundamental. O Proeja nasce com a articulação entre  ensino, pesquisa e formação de professores. O que o Ministério da Educação faz, além de colocar obrigatoriedade de abertura de cursos de EJA na Rede Federal, ele oferece uma qualificação em níveis de especialização para aqueles que se vinculam a proposta, então os professores que iam atuar seriam os prioritários a fazer essa especialização. Ao mesmo tempo ele abre junto com a Capes um edital específico de pesquisa, e a gente começa a desenvolver uma rede. O que essa rede quer fazer? Ela quer no âmbito da pós-graduação estimular mestrados e doutorados que pensem aquela experiência nova, que possam se debruçar sobre elas. Isso tudo vai acontecer entre os anos de 2005 e 2007, e vai mostrar que em alguns lugares no  Brasil a Rede Federal, Escolas Técnicas e Agrotécnicas, já tinham vivido experiências isoladas de turmas específicas para trabalhadores.  E essas turmas eram à noite, tinham uma outra configuração de oferta, dissociada do médio integrado que era muito voltado para os adolescentes. O que vai acontecer com o Proeja é que ele não é uma experiência isolada. Ele é uma ação que precisa ser assumida por toda a Rede, e é isso que eu diria que se configura como uma política pública.

Eu diria que a experiência Proeja ela ainda resiste. Eu tendo a achar que o currículo integrado é um currículo em disputa, e ele na verdade necessita da realidade concreta do chão de cada uma dessas instituições para ele revelar como que ele é feito. Não tem modelo, não tem uma cartilha, não adianta baixar um decreto e dizer assim esse material aqui é o que vai garantir integração curricular. Não é um material físico, é a forma como as pessoas lidam com a prática educativa. E é nela que se revela a integração, é um trabalho que exige um esforço imenso de um coletivo. Então é muito importante que essa conexão seja percebida e eu acho que é esse o nosso maior desafio ainda dentro do Proeja, que as pessoas entendam que não tem um modelo. Tem um princípio a ser pensado e executado na prática pedagógica que é da integração. Essa capacidade de ver isso como um projeto de formação integral humana.

Ouvi relatos de uma evasão muito grande nos cursos de Proeja em função, talvez, da carga horária maior. Esse foi um problema real? Havia outros? A evasão é um problema histórico da EJA, mas existe algo no Proeja que facilitasse isso? Há soluções?

Eu acho que o que a gente precisa se perguntar é onde houve menor evasão o que efetivamente foi feito? Eu sempre prefiro olhar para o que foi ofertado em termos de Proeja, para a gente poder olhar porque que as pessoas não permaneceram. Não tem uma resposta de um lugar só, mas eu te diria que o que as pesquisas mostraram para nós é que no lugar onde o decreto foi absorvido se fez adequando o que o instituto ou Cefet ou escola técnica já tinha, e oferecendo aquilo para população. Eu não fui ouvir a população. O público da Educação de Jovens e Adultos precisa ser convencido do retorno à escolarização. E para isso a gente tem que ter um curso que conecte algum interesse imediato. É claro que não é só isso. Ao ouvir qual o interesse imediato, nós enquanto sistema educativo temos que ajudá-los a perceber que não é só a solução imediata que interessa a ele em um processo educativo, mas essa é uma tarefa de dentro da escola.

É importante a gente tentar entender que o problema não é evasão, o problema é a não chegada. Muitos dos institutos continuaram achando que podiam convocar o público da EJA para vim fazer prova seletiva. Ora, essas pessoas já foram humilhadas, já foram reprovadas, já foram expulsas tantas vezes pelo sistema, elas não viriam. Mas aí muitos abriram mão dessa estratégia, que era feita para a maioria dos adolescentes que concorrem nas áreas da Rede Federal e começaram a fazer outro movimento. Eles fizeram entrevista, tentaram conquistar as pessoas mostrando como é que funcionava o curso. As estratégias foram as mais diversas. Algumas funcionaram, outras não. Eu não acho que é possível você discutir a experiência Proeja e dizer ela não funcionou. Nós temos vários relatos de estudantes que passaram pelo Proeja e que depois montaram os seus negócios, não com aquela finalidade do curso que ele foi direcionado, mas ele aprendeu tanto com aquilo que encontrou outra alternativa, e aquela alternativa ele não abre mão de dizer que foi graças ao que ele aprendeu na experiência. Eu acho que é isso também que é muito rico. Mas voltando a sua pergunta: tem evasão, assim como tem evasão do técnico integrado com a juventude durante o dia. É a mesma evasão? Não, não é a mesma. Portanto a gente precisa compreender quais são os fatores que dificultam a permanência desses jovens, adultos, trabalhadores, que vêm a noite cansados, que têm uma dificuldade de se alimentar, de chegar até a escola. Para a estratégia da Educação de Jovens e Adultos independente de ser Proeja ou não, é necessário que se pense as políticas de permanência. Tem que ter transporte, alimentação, apoio estudantil. É necessário pensar que para essa população as políticas de assistência estudantil são fundamentais, para que você possa dizer a ele: você não teve condições, você não pôde permanecer, aqui você virá e a gente vai fazer o máximo da parte institucional para que você possa permanecer com êxito. Agora permanecer com êxito também, eu diria, tem que ter uma compreensão de que a dinâmica da população jovem, adulta, idosa, ela necessita de tempos e espaços diferentes. Por que que eu estou dizendo isso? Porque uma parte do currículo precisa ser considerado fora do espaço institucional da escola. É necessário olhar onde essa pessoa está outras oito horas, dez horas de trabalho dela e somar competências, habilidades, os conhecimentos que ela adquire nessa experiência e que isso possa compor esse currículo mais ampliado de  jovens e adultos, e aqui é realmente um desafio independente de nós estarmos falando de Proeja ou do ensino fundamental EJA, ou do ensino médio EJA. Mais do que a gente achar que tem que reduzir tempo.

O que a gente tem que compreender é que esse sujeito está lidando com o conhecimento do lado de fora da escola, que pode ser aproveitado pela escola. A pedagogia de alternância, que é uma experiência feita no campo, ela trata muito disso. Você tem um tempo de aprendizagem na instituição e você tem o tempo de aprendizagem na comunidade onde você está inserido, no trabalho agrícola, e o currículo é tudo isso, e tudo isso precisa ser aproveitado. Eu diria que não dá para falar de evasão sem olhar o preparo que foi feito institucionalmente, para ofertar, mas sobretudo compreender que sujeito é esse, em pensar e negociar essas peças a partir da realidade do sujeito, do que pode efetivamente ser materializado da política de assistência estudantil, do apoio a permanência dessas pessoas. E o terceiro aspecto é a questão do currículo: eu acho que não dá para gente falar em evasão se a gente não conseguir entender que precisam ser currículos múltiplos, para dar conta de uma diversidade de sujeitos que  navegam em realidades tão diferenciadas com as quais as escolas tem que dialogar. Então eu acho que tem que discutir essa coisa toda para dizer se fracassou ou não fracassou. A Rede Federal precisa olhar para sua história e com a sua história continuar fazendo o que ela fez em muitos momentos históricos.  Muitos dos exemplos do Proeja que foram inventados e experimentados pelo Brasil afora tem muita contribuição a dar para esse repensar a instituição. Com as cotas, não só as cotas éticas e raciais, indígenas, mas as cotas também para a escola pública, enfim, é que a gente começou a ter um contato com o Brasil real, aquele Brasil que é de pessoas extremamente generosas, que querem muito sair do  lugar em que elas foram colocadas como subalternas e quando é dado uma oportunidade a essas pessoas de fazer isso, o crescimento da instituição também é muito grande. Basta ter essa coragem, esses desafios, de entender que a instituição é para essa população, é para esses excluídos, é a eles que ela precisa responder com eficiência, com qualidade na oferta do trabalho que ela está prestando em termos educativos. É por isso que eu não acho que é fracasso de jeito nenhum. Nada disso nós estaríamos conversando se essa experiência não  estivesse aí incomodando da forma como está. Nós incomodamos e o PROEJA incomodou, também mostrou caminhos possíveis viáveis, de quem teve coragem de enfrentar uma série de problemas, e de quem tentou responder a alguns deles. Eu acho o processo de enfrentar o dilema da educação do Brasil é de produzir respostas que são sempre provisórias, porque nós temos uma dinâmica na sociedade brasileira que quando a gente acha que atendeu minimamente uma necessidade muitas outras se abrirão, e o Proeja mostra isso, ele escancara para dentro de uma instituição que em muitos lugares não enxergava a pobreza. 

Professora, o professor José Marcelino Rezende Pinto, da USP, que é um especialista em financiamento da educação, publicou agora na última edição da revista da Associação Nacional de Financiamento da Educação, um texto fazendo um balanço sobre a influência do Fundeb na maior ou menor estímulo a ampliação da EJA no Brasil. Ele cita a criação do Pronatec, falando especificamente da integração na educação profissional, como um elemento de inflexão nessa política do Proeja. Mas aquilo que de fato funcionou no Pronatec, foi essa estratégia bolsa formação, com muito dinheiro para o sistema S, etc. Isso também significou uma ‘pisada no freio’ em relação ao Proeja?

Com certeza, porque essa estratégia do Pronatec, ela na verdade era um desserviço ao que a gente vinha tentando fazer. Porque a defesa do primeiro decreto foi de estimular a oferta do currículo integrado, o que não está previsto na bolsa formação, porque você pode ter exatamente os cursos sendo ofertados sem conexão específica. Se você for olhar a realidade concreta do público da EJA, não dá para fazer concomitante. Esse trabalhador mal consegue permanecer um turno na instituição. Ele não vai permanecer em dois. Isso é impossível. Subsequente não faz sentido se nem o fundamental concluíram. Não tem jeito, se quiser pensar uma estratégia, tem que ser integração. O maior prejuízo que nós tivemos foi quebrar a espinha dorsal da grande defesa da integração, da oferta de cursos integrados. Porque aí você começou a ter um bando de penduricalhos de cursos ofertados, é uma ilusão, dinheiro jogado fora. Não tem um estudo no país, com todo o dinheiro jogado no Pronatec, se de fato nós tivemos alguma mudança no perfil do  trabalhador. Não tem comprovação de que isso garantiu formação de qualidade. É lamentável. E é um equívoco, um equívoco do processo da política, que já estava com muita disputa interna dentro da própria Rede. A gente viu como mais um elemento para essa disputa, como mais um ingrediente que ao invés de somar para fortalecer a experiência Proeja, veio somar à crise que já existia, os problemas que já tinham sido levantados.

Nesse mesmo texto, o autor diz que a EJA integrada a educação profissional em 2007 representava 0,2% das matrículas dessa modalidade, em 2012, cinco anos depois, tem um aumento substantivo, ainda muito pequeno, para 2,8%. E em 2019 cai novamente para 1,6%. Esses números são da modalidade integrada. Eles são representativos do todo? A que se deve essa oscilação?

Esses dados ele está trazendo inclusive como um monitoramento do PNE. O INEP tem que tornar público os dados do cumprimento da meta. E essa estimativa do Marcelino está mostrando as dificuldades que nós estamos vivendo com uma retração da matrícula. É uma meta que absolutamente não tem a menor condição de ser atingida, embora seja modesta. Nós retrocedemos ao invés de caminhar em direção a meta. 

A gente tem que acompanhar esse movimento de organização e expansão da rede. A Rede Federal, a partir de 2008, reúne-se em torno de um novo estatuto. No princípio isso acaba sendo um estímulo para que nesses lugares onde se está abrindo a oferta, se está criando um novo campus, se garanta no noturno a configuração de uma turma de Proeja, e as iniciativas estaduais também vão se somar a estas matrículas de EJA Integrada a EP. A queda depois tem a ver com, dentro da rede que está se consolidando, essa disputa pela ampliação do Proeja, que vai começar agora a ser tensionada pelos mestrados, pelas ofertas de licenciatura e outras graduações, além da licenciatura.  No caso da rede federal você passa a ter uma instituição que atua do ensino fundamental à pós-graduação. E aí sim, o movimento interno dessa rede vai revelando onde há maior ou menor resistência a colocar o crescimento da matrícula de um nível, de uma modalidade em detrimento da outra.

A senhora tem conhecimento de um programa chamado EJATEC, que estaria sendo financiado pelo governo federal agora?

Então, eu estou em um estado que tem um programa que chama EJATEC, só que a gente tem que entender que o estado de Goiás é capaz de exportar as piores experiências no campo educativo, eu estou falando de escolas militares, por exemplo. Mesmo antes do impeachment da presidenta Dilma, já estava colocada dentro do ministério uma pressão muito significativa por pacotes educativos e modelos e projetos alternativos. Começa numa discussão sobre soluções tecnológicas, pacotes digitais que prometem milagres. Essa pressão sempre foi muito exercida na própria Setec, o que desencadeou uma série de editais e processos que faziam experiências de médio TEC, médio TEC proporcionado pelo financiamento do Ministério da Educação, e isso chegou na Rede Federal como uma ideia de uma oferta a distância. Então aqueles que querem fazer experiências na modalidade à distância, recebem o recurso e começa a executar. Isso vai se estender depois numa pressão sobre as redes estaduais, que concentrou durante muitos anos a oferta da Educação de Jovens e Adultos. Um modelo talvez mais exemplar disso foi o ensino supletivo, que era ofertado só pela rede estadual. Essa discussão entre quem é responsável no sistema pela oferta, agora sobretudo com o FUNDEB de 2007 para cá começa a ser vista como estratégica por aqueles que operam sob a lógica do mercado da educação. O primeiro movimento desses grupos que propõem soluções tecnológicas nas escolas para chegar no financiamento do FUNDEB é pela via da formação de professores.

A segunda entrada começa a ser com a oferta de alternativas, ambientes virtuais de aprendizagem, para serem adquiridos pelas secretarias para poder utilizá-los na educação, que não entrou pela EJA, entrou pelo médio. Porque no conjunto do debate da reforma do ensino médio um dos interesses era exatamente fragmentar a educação básica na sua etapa final. No momento do debate da reforma do ensino médio já estava claro para os empresários da educação que o itinerário profissionalizante poderia ser um nicho de mercado. E aí o pacote TEC entra em muitos desses sistemas como uma oferta para resolver o problema da implantação desse itinerário. A EJATEC começa com uma proposição de colocar os estudantes em contato com a tecnologia e produzir conhecimento mediado pela tecnologia para na sequência dizer, ‘olha não é que isso pode ser feito a distância?’. Mas o que eu queria dizer é o seguinte: no caso de Goiás, o que se chamou de EJATEC é o desmembrar de uma estratégia de expansão da educação à distância. Que nós agora descobrimos que não é muito novo, o estado de Goiás desde o ano de 2012 já começava a autorizar escolas privadas a fazer Educação de Jovens e Adultos à distância, e chamavam isso de EJATEC também.


Agora existe um recurso do governo federal para que os estados ofereçam EJA junto com formação profissional por meio de escolas privadas, é isso?

Aqui em Goiás o caminho não está sendo ainda o do dinheiro do governo federal, está sendo pegar os centros de Educação de Jovens e Adultos, impedir a matrícula presencial e forçar os alunos a se matricularem no curso à distância, usando a plataforma Moodle para executar esse curso. O que a gente tem agora em mãos são 16 polos espalhados aqui pelo estado, sendo que a primeira experiência autorizada foi de nove. Eles expandiram sem nenhum relatório do que estava acontecendo, e aqui ainda não chegou essa expansão pela via do recurso do MEC, ele estava executando tudo isso dentro do próprio recurso do Fundeb. E como a matrícula da EJA é matrícula do Fundeb também, ela cobre um conjunto de gastos previstos com pagamento de professor, com sala de aula, com coordenação, com direção.

Há denúncias de que, para se adequar à reforma do ensino médio, os governos estão acabando ou reduzindo muito as turmas e iniciativas de EJA. Isso procede? Por quê? Como a reforma afeta a EJA?

Eu te diria que a reforma do ensino médio, da forma como ela está configurada, para ela ser implantada na Educação de Jovens e Adultos, ela é um problema do gestor. Por quê? Nós temos um formato, infelizmente, ainda ‘supletivado’ na educação dos jovens e adultos, embora seja uma modalidade, a gente continua tratando como sendo assim, sabe, a metade da carga horária do ensino médio dos adolescentes, é o que a maioria dos estados fazem, eles transformam a oferta naquilo que era de três anos de curso em um ano e meio, são três semestres que não são nem semestres, são quatro meses. O problema é que quando o debate da reforma do ensino médio foi feito no MEC, se constituiu uma comissão separada para discutir o ensino noturno, porque o problema todo está em como é que você faz também o atendimento do noturno, onde a carga horária é menor, com o padrão do que foi aprovado na legislação para a reforma.

Eu diria que o problema não se concentra só na EJA, mas ele também tem a ver com o atendimento noturno, o ensino médio noturno, mas isso não foi considerado. Aí a reforma vai sendo tocada desse jeito que você está vendo, à toque de caixa, é um faz de conta. No caso da EJA dificulta muito. Você não está cumprindo uma carga horária prevista na legislação, porque o médio da EJA corresponde a três períodos de quatro meses. A gente está passando por um sufoco enorme na EJA porque querem empurrar para a modalidade a educação à distância. Os argumentos são de que a população é vulnerável, é muita violência, não está vindo à escola, não quer vir na escola, e aí a gente devolve a pergunta para o gestor: mas como é que você vai garantir que ele vai aprender? Não tem computador, vai aprender pelo celular, uma lista de WhatsApp, que é o que está acontecendo agora na pandemia? Nós estamos encontrando isso, nessa pesquisa que eu estou acompanhando agora de ensino à distância, o que a gente está vendo é um tremendo faz de conta. Enquanto isso o dinheiro vai sendo gasto com os pacotes milagreiros.

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