Apesar da gravidade, o retrato da redução de vagas não dá conta da complexidade do cenário da Educação de Jovens e Adultos no país. “O problema não é só que não há oferta na escola, mas também que as ofertas que são colocadas não atraem a população jovem e adulta para o retorno ao processo de escolarização”, explica Maria Margarida Machado, da Universidade Federal de Goiás (UFG), ressaltando que é papel dos gestores desenharem estratégias para “conquistar” esses alunos. Um desafio é fazê-los chegar. O outro é impedir a evasão.
Garantir condições materiais para permanência do estudante na escola é um dos passos que a professora aponta como essenciais. E isso envolve toda uma política de assistência estudantil, que inclui medidas como a oferta de alimentação e vale transporte e até o pagamento de bolsas. “A gente precisa compreender quais são os fatores que dificultam a permanência desses jovens e adultos trabalhadores que vêm [para a escola] à noite, cansados, que têm dificuldade de se alimentar e de chegar até a escola”, explica Machado.
Já para fazer esse público chegar até a escola, ela avalia que um caminho promissor é oferecer cursos que se “conectem com os interesses mais imediatos” dos alunos, dialogando com a realidade local. E uma estratégia que ela aponta para se conseguir isso é promover a Educação de Jovens e Adultos integrada à Educação Profissional. Isso significa que os estudantes que fazem o ensino fundamental pela EJA teriam também cursos de qualificação profissional, enquanto os do ensino médio aprenderiam, ao mesmo tempo, uma habilitação técnica. Na história recente, essa iniciativa já teve nome e selo de política pública: trata-se do Proeja, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, lançado em 2005.
A defesa da EJA integrada à formação profissional ganhou espaço em duas Conferências Nacionais de Educação, em 2010 e 2014, e se tornou um dos principais objetivos do PNE voltados para esse segmento. Por isso, a meta 10 estabelece que, até 2024, 25% da oferta de matrículas de EJA deve ser integrada à Educação Profissional. De acordo com o acompanhamento feito pelo Inep, em 2020 apenas 1,8% das matrículas se davam dessa forma.
No caso específico do Proeja, as principais instituições ofertantes foram aquelas que compõem a hoje chamada Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT), embora ele tenha sido ampliado para abranger também as redes estaduais e municipais de ensino, além do Sistema S. Além da abertura de vagas para a população, o programa previa cursos de especialização para os professores que atuariam nessas turmas e uma linha de financiamento de pesquisa nessa área.
Além disso, Machado ressalta o potencial que essa iniciativa tinha de integrar as redes estaduais e municipais com os Institutos Federais no esforço de atender à demanda de educação de jovens e adultos. Ao mesmo tempo, diz, houve ganho nos espaços que enfrentaram o desafio de trazer para dentro dessas instituições – acostumadas, até então, com estudantes que passavam por processos seletivos concorridos – um público tão diferente como o da EJA. “O Proeja escancara, para dentro de uma instituição [como os IFs] a pobreza que estava ao lado e que não se enxergava. [Entra] aquela [pessoa] que passava no portão da Rede e olhava aquela escola como um lugar em que nunca poderia estar. [Com o Proeja], ela chegou lá”, comemora.
Como política pública, o Proeja foi parte de um conjunto de ações que ampliou e fortaleceu a Rede EPCT no Brasil, num momento em que, nas disputas internas ao governo e ao MEC, estava sendo pautada a defesa e o incentivo ao currículo integrado entre a educação básica e a educação profissional – concepção e formato que, portanto, prevaleceram também na oferta para a educação de jovens e adultos. O Proeja começa a diminuir o fôlego – e o investimento –exatamente quando essa linha política passa a perder espaço, substituída, a partir de 2011, pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que se tornou carro-chefe da política de educação profissional, priorizando cursos rápidos, de Formação Inicial e Continuada, executados majoritariamente por instituições do Sistema S.
A reportagem pediu ao MEC informações sobre investimento nos cursos de Proeja, mas não obteve resposta. O FNDE respondeu que os recursos repassados pelo Peja, o Programa de Educação de Jovens e Adultos, podem ser utilizados nessa modalidade. De acordo com a Plataforma Nilo Peçanha, em 2019 havia 9,4 mil estudantes no Proeja em toda a Rede EPCT. A taxa de evasão girava em torno de 20%. “Eu acho que o que a gente deveria se perguntar é o que efetivamente foi feito onde houve evasão menor”, sugere Machado.