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Entrevista: 
Márcio Pochmann

“O ajuste fiscal a ser feito é aquele que começa com o crescimento da economia”

Nesta entrevista, o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, traz uma proposta alternativa ao ajuste fiscal em curso.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 01/10/2015 12h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Retomar o investimento público é o tom do documento Por um Brasil Justo e Democrático, lançado recentemente como uma contraproposta ao ajuste fiscal. Assinam a proposta instituições como a Fundação Perseu Abramo, o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rede Desenvolvimentista, Brasil Debate, entre outras. Nesta entrevista, o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, sintetiza a discussão contida no documento e aponta o desacordo que esse conjunto de organizações e pesquisadores tem com os rumos atuais da política econômica. Para Pochmann, a recessão “é uma construção de natureza política” e é preciso superar a política que prioriza câmbio flutuante, superávit fiscal e regime de metas e inflação, o chamado tripé macroeconômico.

Me parece que há um consenso de que a economia brasileira passa por uma séria crise e de que um ajuste é necessário para sair dela. O discurso hegemônico defende que ela é fruto de uma irresponsabilidade fiscal, em que os governos gastam o que não tem. A Perseu Abramo e outras instituições lançaram recentemente um documento apontando alternativas ao ajuste. Na sua opinião, como é produzida esta crise?

O documento foi objeto da construção coletiva de quase duas centenas de intelectuais. Seis instituições referendaram esse trabalho, que faz o diagnóstico de que a crise econômica, na verdade, foi construída por uma crise anterior, de natureza política. O debate eleitoral de 2014 trouxe dois diagnósticos. A oposição apresentou uma visão acerca da desorganização das finanças públicas. O governo Dilma tinha outro discurso, avaliava que não se tratava de um problema de natureza fiscal mais intenso do que em outros momentos e que, portanto, demandaria ações de natureza gradual acompanhando a trajetória da política econômica desde 2003. O resultado eleitoral de certa maneira deu vitória a essa visão de que nós estamos em uma crise econômica, mas na verdade tínhamos um problema de ordem política que a eleição não solucionou.

O segundo governo da presidenta Dilma é eleito sem ter uma maioria sustentável no Congresso. E ela faz uma mudança de orientação da política, tenta compor com outros setores e, ao mesmo tempo, termina aceitando o diagnóstico que era feito pela oposição, na medida em que abandona uma política de gradualismo para uma política de choque, digamos que numa perspectiva maquiavélica de fazer o mal de uma vez só. Ela combina choque fiscal, choque de juros, choque de preços administrados e também um choque cambial, com a desvalorização da moeda. São cortes nos gastos públicos, elevação de tributação, as desonerações que imputam aumento da carga [tributária] para quem estava desonerado. Então você tem uma pressão na economia, no custo das empresas de grande monta.

A economia, que vinha em 2014 desacelerando, diante dessa mudança de condução do governo, de políticas graduais para as políticas de choque, fez com que as expectativas do setor privado desabassem ao mesmo tempo em que houve uma contração do gasto público federal, estadual e municipal, o que encaminhou o cenário para a recessão. No meu modo de ver, a recessão é uma construção de natureza política, de mudança de orientação na política econômica. O fato é que a recessão, tal como vem se apresentando, ao invés de ajudar, tem piorado as finanças públicas. Ao invés do Brasil alcançar o ajuste fiscal estamos alcançando um desajuste nas contas públicas com aumento do endividamento, perda do grau de investimento, uma piora em que dificilmente o Brasil terá condições de melhorar a situação fiscal num quadro de recessão. É por isso que esse conjunto de pessoas que subscrevem o documento parte do pressuposto que o ajuste fiscal a ser feito é aquele que começa com o crescimento da economia, pois assim teremos condições de melhorar a arrecadação e o gasto.

O aumento do desemprego, a desvalorização salarial, queda na arrecadação, entre outros, foram alguns dos efeitos do ajuste até agora. Mas, além desses, que já eram de certa forma esperados dada a natureza do ajuste, as ultimas informações é que não se tem conseguido nem evitar o rebaixamento da nota de crédito do país, o controle da inflação, que eram colocados como objetivos pela equipe econômica do governo. Por que?

O próprio ministro da Fazenda, ao expor suas medidas iniciais, afirmou que teríamos uma recessão de um trimestre no máximo, que a economia não estaria bem no primeiro semestre desse ano, mas no segundo voltaria a crescer porque recuperaria a expectativa do setor privado, a economia estaria mais forte. Isso demonstrou ser uma promessa totalmente descumprida. É um erro de diagnóstico porque não imaginaram o efeito da recessão nas contas públicas. Na medida em que temos um sistema tributário ‘pró-cíclico’, isto é, quando a economia cresce a arrecadação cresce e quando a economia decresce a arrecadação decresce, isso terminou fazendo com que o governo não conseguisse arrecadar aquilo que imaginava e a queda na arrecadação foi muito mais rápida do que a capacidade de cortar o gasto. E há uma pressão crescente sobre corte de gastos porque há limites em função de uma parte significativa dos gastos serem obrigatórios, o que tem levado, inclusive, parte da equipe econômica, mas também da oposição, a defender que a Constituição Federal não cabe na economia brasileira e, portanto, a saída é alterar a Constituição, cortando direitos. A linha que se mantém ainda é que é necessário fazer o ajuste fiscal cortando recursos para equiparar ao tamanho da receita. Quanto mais você corta, mais desacelera a economia, mais dificuldade de arrecadação. O ajuste fiscal tornou-se um fim em si mesmo. Não como uma parada para continuar crescendo. Estamos já há um ano com essa recessão se manifestando e já há indicações de que possivelmente entraremos 2016 com recessão, serão talvez dois anos, metade do mandato da presidenta Dilma em recessão. Então esse é o embate que de certa maneira está secundarizado porque há uma crise política de maior proporção, mas a crise econômica derivada da crise política também contamina o tecido social. Quer dizer, há sinais de agravamento do quadro social brasileiro, que resultará numa crise social e uma crise institucional, porque tivemos uma trajetória de 13 anos de crescimento com distribuição de renda e 2015 é um ponto de inflexão. Teremos um aumento da pobreza, da desigualdade, do desemprego. E a questão colocada é que isso é apenas um ponto de inflexão mas a partir de 2016 a gente retoma a trajetória anterior ou de fato é um ponto de inflexão que agora os próximos anos serão o inverso do verificado até então?

Um dos pontos que o documento que vocês elaboraram coloca como proposta para sair da crise é a superação do chamado tripé macroeconômico: câmbio flutuante, superávit fiscal e regime de metas e inflação. Quais são então as alternativas para a gestão do tripé de modo a preservar o emprego e a renda e a não sacrificar tanto os trabalhadores neste momento de crise?

Se a gente tiver uma visão um pouco mais de longo prazo e desconsiderando os períodos presidenciais, os próprios presidentes que tivemos, o capitalismo brasileiro está sob ataque. De 1981 a 2015, considerando que nós devemos ter uma reversão de 3% este ano, o capitalismo brasileiro cresceu apenas 2% em média ao ano, isso é um desempenho muito desfavorável se você comparar os 35 anos anteriores a 1981. Se você pegar 1945 a 1980 a economia brasileira cresceu 6,7% ao ano. A questão é que há um movimento estrutural maior de redefinição do capitalismo brasileiro em que você tem nesses últimos 35 anos um esvaziamento da indústria brasileira, que respondia por 34% do PIB, em 2015 ela vai representar em torno de 9% do PIB, ou seja, o país está num caminho alargado de desindustrialização. O governo Dilma pode terminar seu mandato com a indústria representando 4% do PIB. Seria o fim da indústria no Brasil. E ao mesmo tempo você tem os setores fortalecidos que são os setores vinculados ao agronegócio, exportações de produtos primários e do outro lado o setor financeiro, os bancos. Até porque também outra base forte que nós tínhamos que eram os complexos das construtoras, das empreiteiras, estão submetidas à Lava Jato, o que poderá levar inclusive ao fim da engenharia nacional. É um quadro difícil, nós estamos muito preocupados com esse horizonte de médio e longo prazo no Brasil, até porque o debate está muito empobrecido, estamos prisioneiros do curto prazo. Obviamente é importante o curto prazo, mas não é suficiente para dar um horizonte de médio e longo prazo. O Brasil não pode queimar suas pontes para o futuro e um dos problemas nesse sentido é esse tripé macroeconômico que vem sendo mantido desde 1999, o que faz com que você tenha que ter uma taxa de juros das mais altas do mundo com o objetivo de atrair moeda forte, dólar, sobretudo que venha um dólar mais comprometido com o caráter especulativo e não com ampliação do investimento no Brasil. E, além disso, essa taxa de juros elevada para poder permitir que o Brasil feche sua balança de pagamento, porque qualquer crescimento econômico que nós tenhamos uma parte desse crescimento termina saindo para financiar as importações porque o Brasil não tem mais capacidade produtiva suficiente para atender. Ao fim e ao cabo a questão que está em jogo é a capacidade do Brasil retomar o investimento, ampliar sua capacidade produtiva para poder atender um crescimento de médio e longo prazo porque sem investimento você não sustenta um crescimento de longo prazo, porque o crescimento passa a pedir mais produção. Se você não tem capacidade de produzir passa a importar e ao importar mais do que exportar você gera problemas tanto na balança comercial quanto na balança de pagamentos, você tem um déficit de moeda externa que precisa ser recomposto, e, para recompor, você precisa aumentar taxa de juros; com taxa de juros alta você invade o país com dólares sem compromisso com o crescimento da economia.

Nesse sentido, o tripé macroeconômico permaneceu intocável ao longo desses anos?

Ele foi flexibilizado vamos dizer assim até porque o quadro internacional permitiu. O efeito China foi fantástico para o mundo todo e pro Brasil não foi diferente, mas num ambiente de crise internacional iniciada em 2008. Estamos vivendo hoje uma terceira onda de manifestação da crise internacional. A primeira onda se dá em 2008-2009 nos Estados Unidos, uma segunda em 2011-2012, na Europa, e 2014-2015 se manifesta nos chamados Brics. Esses países tinham conseguido se proteger com políticas anticíclicas e evitar que os efeitos da crise se abativessem sobre os mais pobres. Mas há um esgotamento desse tipo de opção porque a sustentação do nível de atividade do investimento não permite que o próprio estado se auto-financie, então o quadro é um pouco esse, como se retoma o investimento. E pra isso é preciso mexer no nosso modo de ver o tripé da política macroeconômica.

Só neste ano o Banco Central teve prejuízo de 120 bilhões nas operações de swaps cambiais com a justificativa de tentar conter a alta do dólar e combater a inflação. Isso é um exemplo dessa atuação do Banco Central considerada equivocada por vocês?

Há uma barbeiragem por parte da condução do Banco central não apenas em relação à política de juros. Temos de um lado o Ministério da Fazenda e o do Planejamento conduzindo o corte de gastos públicos, sobretudo sociais e de investimento, e do outro lado o Banco Central gastando sem limites. É uma contradição exorbitante do ponto de vista da política macroeconômica. Ao mesmo tempo o Banco Central não apenas opera com taxas de juros a nosso modo de ver fora da realidade brasileira, mas também na política cambial tem adotado mecanismos para buscar conter a oscilação do cambio de varias maneiras, entre elas o próprio swap cambial, que é um equivoco por conta do custo fiscal a que isso vem acompanhado. No nosso modo de ver, o Banco Central poderia ter vendido já parte das reservas e operado de outra forma. O custo fiscal gerado não apenas pelos juros maiores, mas também pelos swaps cambiais, comprovam a impossibilidade de fazer qualquer ajuste das contas nessa condição.

Com relação à reforma tributária no atual clima de crise política, quais os riscos de colocar esse tema agora em debate e tornarmos o sistema tributário ainda mais recessivo do que é hoje?

Você teria que ter maioria política pra fazer um governo diferente, que possa encaminhar as reformas que estão sendo postergadas há muito tempo. Um dos gargalos nesse sentido é a forma como se financia o Estado através do sistema tributário, que onera fundamentalmente os mais pobres e alivia dos mais ricos. O ajuste fiscal coloca o tema da ampliação da arrecadação, embora o que se coloque ali é apenas e tão somente aumentar a arrecadação. Nós achamos que o sistema tributário tem que responder não apenas à questão do financiamento do Estado, mas também ao combate da desigualdade na sociedade e cada vez mais o tema da transição ecológica. O sistema tributário a nosso modo de ver tem que ser compatível com essa questão de tributar mais os setores que mais agridem o meio ambiente, e aliviar e incentivar os setores menos desfavoráveis ao meio ambiente.

O imposto sobre grandes fortunas é uma proposta que vem sendo bastante discutida recentemente como alternativa para aumentar a arrecadação. Há alguns projetos de lei sobre o tema tramitando no Congresso Nacional. Qual seria a proposta mais interessante e que eficácia teria?

A introdução do imposto sobre grandes fortunas é uma medida de natureza gradual, mas sem mudar o perfil da estrutura tributária você daria mais um peso a um imposto direto atingindo segmentos de alta renda no país. É extremamente positivo até porque nós somos um dos poucos países que não tem um imposto sobre grandes fortunas, e mesmo a tributação sobre lucro líquido que é outra coisa que o Brasil não faz. Ao mesmo tempo impostos que não são diretos, que não são impostos que atuam orientadamente para os mais ricos como é o caso da CPMF tem um valor muito significativo porque o Brasil é o país em que se pratica com grande desenvoltura a sonegação fiscal. E aqui, a sonegação fiscal não é crime. Ao ser identificado um sonegador basta que ele pague a multa e não há penalidade alguma. Obviamente em países como os Estados Unidos levaria a prisão porque a sonegação fiscal é identificada como o uso ilegal de recurso público. Os estudos que foram feitos a partir das informações disponíveis da CPMF cobrada no Brasil mostrou que nós temos um mundo imenso de sonegadores, recursos que circulam no sistema financeiro por pessoas que nem imposto de renda declaram. Temos uma questão que não é apenas o problema de ter mais um imposto, mas, sobretudo, o risco que ele representa para os sonegadores. A CPMF é um tributo sobre movimentação financeira, então eu posso transacionar, passar de um banco pra outro uma quantia enorme de recursos que indicaria que alguma riqueza eu tenho, alguma renda eu tenho, mas eu posso ser aquele que não faz declaração de imposto de renda. Então o cadastro na CPMF me permitiria ver quem são os sonegadores, sobretudo de alta renda, que circulam milhões de recursos e não tem seus nomes como declarantes do imposto de renda. Isso abre um espaço de arrecadação muito maior do que o próprio imposto em si da CPMF.

Que outras formas teríamos para combater a sonegação de impostos?

Eu acredito que essa reversão do entendimento do que é um crime fiscal, ou seja, a sonegação passar a ser vista como crime fiscal, já significaria uma mudança cultural no Brasil. A prisão de gente que não pagou imposto ou que sonegou teria um efeito de elevação da carga tributária significativo. Outra forma é a gente trabalhar cada vez mais em mecanismos de tributação que sejam menos onerosos. Nesse sentido, até a CPMF é um alento porque ela representa um custo reduzidíssimo, você cobra diretamente na fonte, no mercado financeiro, é tudo eletrônico. Temos tributos ainda muito antigos, muito papel, muito fiscal, e nesse sentido, há um espaço para negociações, para a presença de corruptos e corruptores. Veja esse comitê de avaliação de dívidas da Receita Federal revelado recentemente com situações trágicas do ponto de vista das negociações com empresas que não tinham pago tributos. De maneira geral acaba sendo mais favorável à empresa não pagar imposto, porque se descoberta ela tem que pagar, mas e se por ventura aquele dinheiro que ela devia pagar ela colocar no banco, a multa por não ter pago é de uma quantia muito menor do que a rentabilidade do dinheiro no banco.

O documento defende que entre as medidas emergenciais de curto prazo estão a preservação do emprego e da renda e cita o Programa de Proteção ao Emprego, recém aprovado pelo Congresso, como exemplo positivo que deve ser ampliado. No entanto, desde que foi lançado pelo governo federal, o Programa tem sido alvo de criticas de centrais como a Conlutas e a Intersindical, por conta da utilização de recursos do FAT para pagamento dos salários dos trabalhadores que tem sua jornada de trabalho e seus salários rebaixados. Eles alegam que é mais uma forma pela qual os trabalhadores pagam pela crise. Como o senhor avalia?

Se nós olharmos nos últimos 35 anos vamos ter três anos junto com 2015 que foram anos de desemprego em massa. Desemprego sempre teve no Brasil, mas como fenômeno de massa ele se manifesta de forma muito precisa entre 1981 e 1983, entre 1990 e 1992 e agora 2015 recoloca o desemprego como fenômeno social de massa. E na crise de 1981-1983 tivemos uma mobilização dos desempregados muito interessante que terminou resultando na redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas. Tivemos uma pressão grande em torno do seguro-desemprego que não existia no Brasil, foi criado em 1986. O tema do vale-transporte. Ou seja, a crise de 1981 gerou mobilização para enfrentar o desemprego. Em grande parte foram medidas passivas, não que elas resolveram o desemprego, mas deram alguma qualidade de renda para aqueles que perderam o emprego. Já a recessão dos anos 1990 foi tão dramática que praticamente mobilizou os trabalhadores em empresas estatais que estavam sob o peso do movimento de privatização que ocorreu concomitantemente com a recessão. Na verdade, a recessão de 1992, ao invés de ter sido acompanhada de um movimento progressista em torno dos interesses dos trabalhadores, foi acompanhada de um movimento liberal conservador. Ali começaram a surgir medidas que informavam que o problema do desemprego não era a recessão, não era a economia, mas a legislação trabalhista arcaica, envelhecida, que impedia que o emprego fosse gerado no país. Nessa recessão de 2015 o que estamos vendo não está totalmente claro, mas temos ações dos dois lados. O PL da tercerização (4330/2004), por exemplo, é uma medida que não eleva direito algum, pelo contrário, vai rebaixar de quem não é terceirizado. Há uma proposição de tornar de novo o negociado superior ao legislado, o Simples Trabalhista, uma série de medidas conservadoras, liberais, de desconstrução do Estatuto do Trabalho. Dentro desse contexto, o Programa de Proteção ao Emprego é uma medida que não retira direitos, mas busca garantir alguma renda num quadro em que o país está em recessão. No quadro em que nos encontramos essa é uma medida que é defensável ante as outras que estão sendo apresentadas. A Conlutas certamente tem a sua verdade, mas é importante que ela apresente o seu programa, porque senão tem um debate desigual, a direita defendendo a flexibilização de um lado, e de outro lado os progressistas com timidez do ponto de vista das ações a serem feitas especialmente para quem está ficando desempregado, e não é uma parcela pequena da sociedade.

Entre as propostas apresentadas para sair dessa crise, quais seriam as medidas mais emergenciais de curto prazo e o que seria mais estrutural para o médio e longo prazo?

Eu diria que a primeira medida é a reorientação da trajetória da economia brasileira. Nós precisamos de um programa para sair da recessão. Para isso é necessário o rebaixamento da taxa de juros. Faz 30 meses que o país começou a elevar a taxa de juros e o que nós vemos é inflação alta. Justificar essa taxa de juros em nome de um rebaixamento da inflação não se comprova pela realidade. É necessário desbloquear os investimentos, sobretudo do setor público para tentar puxar os investimentos do setor privado e os estrangeiros. Nesse sentido, seria preciso criar um orçamento de capital na verdade para proteger o investimento porque toda vez que você tem um corte de gastos corta-se investimentos e gastos sociais. Então proteger e tampar os investimentos a nosso modo de ver é algo fundamental para tirar a economia da recessão. Do ponto de vista estrutural, eu diria que está clara a necessidade da reindustrialização do Brasil combinada com a transição ecológica, medidas que tenham a ver com políticas de segunda geração na redistribuição de renda, porque há um certo esgotamento das ações que foram feitas até agora e é preciso pensar também nas ineficiências do estado brasileiro em relação ao sistema de tributos, ao sistema de gastos. Não é possível que nosso país continue desejando financiar a saúde privada e a saúde publica. Você tem através dos abatimentos do Imposto de Renda um financiamento que pode chegar a 1,8% do PIB que é transferido para aqueles que apresentam contas de gastos de saúde privada. O Brasil precisa escolher: vai financiar a saúde pública ou a privada? São políticas de segunda geração no enfretamento da desigualdade brasileira.

Os cortes do ajuste atingiram significativamente as áreas de saúde e educação. Como embasar esse argumento de que os investimentos nessas áreas devem aumentar, ao contrário do que ocorre agora?

O Brasil é um país em construção, diferentemente de países da Europa em que todo mundo tem casa; não é o nosso caso. Nós temos um enorme déficit habitacional, somos um país que tem um problema sério na educação, um país que precisa ser construído. O enfrentamento das mazelas que o país tem acumulado nas áreas sociais já é um bom caminho no sentido de voltar a fazer com que o país cresça e consiga distribuir melhor as oportunidades. Essa questão requer uma maioria política que nós não temos hoje; precisa ser construída.